Entrevista. Erik Poppe: “‘Utoya, 22 de Julho’ faz parte de um processo de evolução e terapia”

por Paulo Portugal,    26 Novembro, 2018
Entrevista. Erik Poppe: “‘Utoya, 22 de Julho’ faz parte de um processo de evolução e terapia”
Erik Poppe / Fotografia de Paulína Scepková
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O realizador norueguês explica como decidiu fazer ‘Utoya, 22 de Julho’ num único take

Era para ser um filme, mas acabaram por ser dois. Erik Poppe filmou a visão de dentro do ataque, sobre aquilo que os jovens em pânico viram e sentiram ao longo desses intermináveis 72 minutos. Foi rigoroso na aproximação, por isso optou por não dar grande espaço ao atacante, que só foi visto ao longe e apenas por escassos momentos. Mas foi mais rigoroso ao incluir o número exato de disparos, tal como a movimentação que o terrorista fez na ilha de Utoya durante aquele fatídico acampamento de verão de jovens do Partido Trabalhista, a maior força política na Noruega. Só o barulho dos disparos foi diminuído para evitar traumas.

Será possível fazer um retrato honesto do que aconteceu realmente naquele dia na ilha de Utoya?
Não sei, mas é uma lição para aprendermos. Pelo menos para o público norueguês é importante perceber o que aconteceu. Ver o filme e aceitar que o filme está aí faz parte de um processo de evolução e terapia. Durante um ano tivemos uma longa discussão sobre o projeto. Seria cedo demais? Deveríamos fazê-lo? Seria justo transformá-lo num filme? Eu sou o primeiro a compreender essas reações e não queria debatê-las. Queria concentrar-me em fazer o filme.

Contou com a colaboração dos sobreviventes?
Sim, desde muito cedo que convoquei muitos dos sobreviventes para me acompanharem no projeto, para serem meus conselheiros próximos durante todo o processo. Nesse sentido, quis fazer o filme com eles para que fosse o mais justo possível. Depois, será a vez de outros avaliarem o que podem tirar deste filme. Eu gostava que existisse um maior esclarecimento coletivo.

Erik Poppe e Andrea Berntzen, na apresentação de “Utoya, 22 de Julho” / Fotografia de Joerg Carstensen – AP

Imagino que tenha estabelecido diversas regras para tratar um tema como este. Uma delas, presumo, terá sido não mostrar o Breivik, nem mesmo o nome dele…
Não criei qualquer regra em apresentar ou não o terrorista. Ele deveria aparecer diante dos jovens exatamente como o viram. Eu não quis evitá-lo, pois ele foi a razão de tudo o que aconteceu. Mas a forma como muitos jovens o viram foi como se vê no filme, ou seja, viram-no uma ou duas vezes ao longe, enquanto se tentavam esconder. Talvez a minha regra tenha sido que esta era uma história inteiramente contada pela perspetiva dos jovens. Não pela perspetiva dele. Por outro lado, achei que a aparência dele também podia ser dada unicamente pelo som.

Depois há também esse elemento de tempo… E a ideia de filmar tudo num único plano. Uma ideia de partida também?
Durante as entrevistas apercebi-me também que os jovens mencionaram a noção do tempo, esses 72 minutos, que lhes pareceu uma eternidade. Portanto, quis trazer o elemento de tempo para a história, quase como uma personagem. No fundo, essa intenção de descrever o tempo no cinema. O Sokurov tentou fazer isso (Russian Arc). E outros também. Depois, claro, há essa ideia de fazer tudo num único take. Para mim, foi apenas uma maneira de perceber se funcionaria neste filme. Essa era a única forma de tentar captar esse momento no tempo, ao depurar a história toda a esse momento. E centrar-me apenas naquilo que aconteceu, extraindo música, montagem. Essa foi a ideia. Aos meus atores dizia-lhes apenas em cada take: “Vemo-nos no outro lado. Boa sorte!” Depois, tudo começava. Claro que o som dos disparos marcava todos esses minutos. No final de cada take estávamos todos exaustos.

Segundo julgo saber, filmou cinco takes em cinco dias, certo?
Exatamente. A ideia foi encenar tudo como se tratasse de uma peça de teatro. Ia trabalhando cena por cena e lentamente juntávamos tudo. Depois fazer tudo num estúdio em Oslo em que tentávamos fazer os movimentos e preparar os atores psicologicamente. Cronometrei a história e medi as distâncias na ilha. Foi assim que preparámos esta longa sequência.

Qual foi o maior desafio?
Um enorme desafio foi tentar encontrar os doze atores que vamos seguir nesta jornada. E que fossem suficientemente fortes para fazerem isto sozinhos e neste estado de pressão emocional. E depois com todos os figurantes que não estavam preparados para aquilo. Isto é uma ficção, embora baseada em várias das histórias reais.

Apesar deste ser um filme sobre os perigos do extremismo de direita, não acha que existem poucas referências ao tema?
É uma boa pergunta, pertinente. Na verdade foi algo em que pensei bastante enquanto trabalhei a história. Mas tinha de fazer escolhas. Eu queria mostrar o ataque de terror e mostrar também o que acontecera antes, aquele momento de paz e camaradagem, pois o ataque foi também contra isso. Tal como o ataque ao edifício do governo. Deixo apenas essa mensagem nos créditos finais. Parecia-me que essa seria uma outra história.

De que forma a sua experiência como fotógrafo em zonas de combate o preparou para este filme?
Para explicar como faria este filme num único take trouxe material que filmei no Congo e no Afeganistão. Dois segmentos de 20-25 minutos que estudámos para perceber qual seria a qualidade neste material bruto. E o que era realmente autêntico nesse material.

Mostrou o filme aos sobreviventes?
Sim, mostrei.

Acha que é uma forma de lidarem melhor com o que aconteceu?
Decidi fazer uma série de projeções ao longo do país para quem quis ver. Juntamente com equipas de psicólogos para ajudar. Algumas pessoas nunca vão conseguir ver o filme, mas a maioria das pessoas com quem falei acharam que todos os noruegueses deveriam ver.

Entrevista de Paulo Portugal durante o festival de Berlim de 2017, em parceria com Insider.pt.

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