Entrevista. Fábio Porchat: “É um bom momento de a gente falar que dá para brigar e dá para fazer as pazes também”
Fábio Porchat está de regresso depois de duas temporadas de “Viagem a Portugal“, onde percorreu o país de lés a lés no encalço da viagem realizada e documentada por José Saramago, para voltar a apresentar “O Novo Stand-up de Fábio Porchat”. Já apresentado em Portugal durante os períodos em que as máscaras nos tapavam metade do rosto, o espectáculo aborda sobretudo viagens e peripécias que Porchat foi vivendo por esse mundo fora. Volta agora com texto novo e antigo, com acontecimentos algo distantes e outros mais próximos, mas com a necessidade sempre gritante de rir em comunidade, de nós próprios, das nossas fragilidades e de tudo aquilo que nos torna humanos.
Foi com os últimos anos nas mãos que falámos com Fábio Porchat sobre o regresso, sobre os movimentos pandémicos, sobre o Brasil e sobre Portugal.
Quando o espectáculo foi apresentado em Portugal pela primeira vez, o mundo vivia uma realidade completamente diferente da que vive agora, não podíamos viajar muito, não podíamos estar próximos uns dos outros. Como foi a reacção ao espectáculo na altura?
As pessoas estavam com saudades de viajar e de rir. Estávamos a querer rir juntos. Porque durante a pandemia fomo-nos rindo sozinhos, em casa. E a gente diverte-se, mas a gente não gargalha assim. Quando temos pessoas à nossa volta, vamos sendo tomados e contagiados pela risada do outro. Este espectáculo foi pensado já em 2017, uma altura em que eu não fazia stand-up e decidi voltar a fazer porque achei que era um momento propício. Achei que era importante voltar a fazer as pessoas rir em teatro, num espectáculo sem política, sem polémica, justamente para poder reunir as pessoas e para ser leve. Eu já faço política nas redes sociais, com a Porta dos Fundos, então acho que não preciso de estar a ser tão incisivo em todas as minhas opiniões. É bom poder equilibrar. E eu sentia que as pessoas precisavam esquecer-se um pouco dos problemas lá fora. Quando estreei, houve muitas pessoas que diziam que não riam há muito tempo, que estavam a precisar de rir. E isso é muito forte, porque realmente estava uma energia acumulada ali. Ainda mais nos brasileiros, com tudo o que a gente passou. Estreei a peça mundialmente em Portugal e volto agora com o mesmo espectáculo, agora um pouco mais maduro, com novos textos, mas diria que 70% é a mesma peça.
Na altura em que apresentou o espectáculo em Portugal, estava também a fazer a Viagem a Portugal para a RTP. Há histórias dessas viagens?
Foi uma honra ficar dois meses a viajar por Portugal.
“Quando estou a viajar e acontece alguma polémica no Twitter, quando se está longe aquilo parece tão bobo, é tão pequeno, é tão nada. (…) Quando se sai do centro do nosso mundo, percebemos que o centro do nosso mundo é um pedacinho do mundo. Gosto de conhecer gente, de viver experiências, de entender o que está a acontecer noutros lugares. (…) Quando se vive nas cidades, nos países, parece que o mundo é só ali.”
Fábio Porchat, humorista e apresentador de televisão brasileiro.
Gastronomicamente também.
Isso então é um sonho. Eu fui a lugares onde o Saramago comeu, comi o mesmo prato que o Saramago comeu lá quando eu ainda nem tinha nascido. Foi uma experiência muito rica, de enormes aventuras. Não estão incluídas histórias dessa viagem a Portugal, mas há histórias e confusões minhas em Portugal. Não há histórias dessa viagem, porque deu tudo certo e quando dá certo, não tem graça.
As viagens servem muitas vezes para fugirmos dos nossos problemas, para sairmos das nossas rotinas, são também uma forma de autoconhecimento. Como é que o Fábio vive as viagens, de uma forma geral?
Gosto muito de viajar e é uma coisa que me desconecta do meu quotidiano, me reconecta comigo mesmo, me faz entender o quão pequenos nós somos diante de tantas culturas, de tantos países, de tantos lugares. Quando estou a viajar e acontece alguma polémica no Twitter, quando se está longe aquilo parece tão bobo, é tão pequeno, é tão nada. As pessoas estão a digladiar-se no Twitter e a virar notícia e ao longe nós só vemos “gente, que bobagem”. Há coisas tão mais importantes. Quando se sai do centro do nosso mundo, percebemos que o centro do nosso mundo é um pedacinho do mundo. Gosto de conhecer gente, de viver experiências, de entender o que está a acontecer noutros lugares. Sinto-me muito bem, sinto-me a participar do mundo. Quando se vive nas cidades, nos países, parece que o mundo é só ali.
“Eu até acho importante que existam conservadores para o mundo ir e voltar, mas as pessoas reacionárias não só não querem que o mundo ande para a frente, como querem que o mundo ande para trás. E isso para mim é um problema grave.”
Fábio Porchat, humorista e apresentador de televisão brasileiro.
O Brasil saiu agora de uma longa viagem de quatro anos…
Uma viagem interminável de quatro anos, muito difícil e muito dura. Uma viagem para os recôncavos do inferno. Mas estamos a sair, a Terra voltou a ser redonda no Brasil. Agora temos uma pessoa como presidente, um ser humano. Goste-se ou não do Lula, e eu tenho também muitas críticas em relação a ele, é uma pessoa que não incita ao ódio, à violência, que cumprimenta os outros, que não manda a imprensa calar a boca, que não ofende, que sabe que temos de defender as minorias porque estas precisam do nosso olhar. Um ser humano com sentimento, com vontade que dê certo e desta vez um pouco mais plural do que outros governos em que ele esteve. Vai haver erros, vai haver deslizes, e estamos aqui para lutar por isso, mas democraticamente.
A liberdade de expressão da Porta dos Fundos não foi restringida directamente pelo governo de Bolsonaro, mas houve ataques à Porta dos Fundos…
No primeiro ano no governo de Bolsonaro, sim. Foi muito sintomático de uma cultura que ele incentivava, do cidadão de bem. Quero distância do cidadão de bem, é geralmente a pior pessoa do mundo. São pessoas que se julgam paladinos da justiça, melhores do que você. São diferentes de pessoas conservadoras, são pessoas reaccionárias. Porque pode-se ter um olhar mais conservador, eu até acho importante que existam conservadores para o mundo ir e voltar, mas as pessoas reacionárias não só não querem que o mundo ande para a frente, como querem que o mundo ande para trás. E isso para mim é um problema grave.
A sociedade nos EUA, no Brasil, começa a ver-se já em Portugal, está muito dividida e muito polarizada.
É uma coisa do mundo não é? O mundo, o sintoma do mundo, o que me deixa um pouco aliviado por não sermos só nós brasileiros. Geralmente a gente fala “só no Brasil é que uma coisa dessas acontece”, mas não. O Brasil é um sintoma do que aconteceu nos Estados Unidos, o que acontece em alguns países aqui na Europa.
As viagens também servem para nós relativizarmos isso, para percebermos que não estamos muito sozinhos.
Também. Para conversarmos e percebermos que no fim das contas somos todos gente, passamos todos pelos mesmos problemas.
“A gente precisa de ter a empatia, esse olhar pelo outro e entender que até podemos não ser culpados por aquilo que está a acontecer com o outro, mas somos responsáveis por quem está à nossa volta. O ser humano chegou onde chegou porque somos seres sociais, porque vivemos em comunidade.”
Fábio Porchat, humorista e apresentador de televisão brasileiro.
E projectos para o futuro?
Vou fazer um filme com a Porta dos Fundos, chamado “Amigo é p’ra essas coisas”. É uma ideia do Victor Sarro que eu chamei para escrever com ele. Estou a escrever e vou fazer como actor também. É uma história de amigos, de reconexão. Amigos que estavam brigados e voltam a ser amigos. Acho que é um momento bom para falar sobre a volta de se relacionar com o outro.
Porque a empatia está um pouco fragilizada também?
Exactamente, acho que é um bom momento de a gente falar que dá para brigar e dá para fazer as pazes também. A gente precisa de ter a empatia, esse olhar pelo outro e entender que até podemos não ser culpados por aquilo que está a acontecer com o outro, mas somos responsáveis por quem está à nossa volta. O ser humano chegou onde chegou porque somos seres sociais, porque vivemos em comunidade. Precisamos de fazer com que a nossa comunidade dê certo e não podemos terceirizar a culpa. Não é tudo culpa do governo, mas sim do que estamos a fazer para que a nossa comunidade evolua. E a nossa comunidade é a mãe, o pai, a pessoa que trabalha com você, o porteiro, o motorista, a pessoa que te vende fruta. O que essas pessoas passam e o que podemos fazer para que elas não passem por certas dificuldades. Nós temos meios, não só financeiros. Já parámos para conversar com as pessoas à nossa volta? As pessoas precisam de conversar. Já parámos para pensar se a pessoa ao lado, se a filha da pessoa ao lado precisa de alguma coisa que possamos ajudar? Temos de pensar em comunidade, não de excluir as pessoas. O diferente vem para agregar, para somar. Precisamos dos diferentes ao nosso lado, precisamos dos imigrantes, de mais mulheres ao comando nas empresas, de mais negros, principalmente no Brasil, onde a população é 56% negra e nos comandos são 10%. Precisamos de ter outras visões de mundo.
“O Novo Stand-Up de Fábio Porchat” estará no Coliseu do Porto a 13 de Fevereiro, no Teatro Micaelense em Ponta Delgada a 14 de Fevereiro e no Coliseu de Lisboa a 15 de Fevereiro.