Entrevista. FOQUE: “Num país com tanta música incrível falta sermos maiores do que nós próprios”
Já foi fascinado pela Robótica, fez stand-up comedy, estudou Animação 2D e 3D e até realizou um Curso Profissional de Eletricidade. Passou pela Academia Contemporânea do Espectáculo [ACE] – onde viveu os três anos escolares “mais importantes” do seu percurso – e, durante o tempo em que estudou Teatro na Escola Superior de Teatro e Cinema, desenvolveu o primeiro EP, CABUM, com o objetivo de refletir acerca de um período “pouco ortodoxo”. Com uma capacidade de transmutação incomum, navega com facilidade entre géneros musicais. Enquanto cantor, compositor, produtor e sonoplasta, une a primeira arte a áreas afins como a dança, o teatro e a moda. No currículo extenso, conta com dois EPs, presenças em eventos como o Festival Bons Sons e a tour europeia que Meta [Mariana Bragada] – em colaboração com a Chau Booking e o apoio da Fundação GDA – levou a cabo entre 13 de fevereiro e 1 de março, tendo atuado em Estocolmo e Barcelona. Aos 25 anos, Luís Leitão apresenta-se ao público através do nome artístico FOQUE e promete “fundir e juntar as mais variadas áreas e/ou referências de modo a atingir um objetivo maior”. Ainda no segundo semestre deste ano, lançará o primeiro álbum Ato Isolado.
Nasceu em Gondomar, em 1994. De que forma o panorama cultural portuense o influenciou?
Certamente que sim, mas é algo a que não consigo responder com clareza pois é-me complicado de perceber até que ponto. Mas acredito plenamente que não só eu, como as minhas obras, seríamos totalmente diferentes se tivesse nascido em Beja ou em Londres, por exemplo. Em suma, sei que inconscientemente o panorama cultural portuense me influenciou e moldou bastante mas conscientemente não consigo precisar em que pontos específicos.
A paixão pela música surgiu naturalmente ou foi influenciado por familiares e amigos?
Sinto que, para mim, a música surge de uma forma híbrida. Em primeiro lugar, porque desde muito cedo tive contacto com música clássica, adormecia e acordava rotineiramente a ouvir o meu irmão tocar guitarra. Penso que deve ter sido a primeira semente musical que tive em mim. Em segundo lugar, creio que a música volta a surgir na minha vida mais como uma válvula de escape.
Na sua biografia é possível ler que “saltitou de curso em curso”. Quando e como decidiu ingressar na Academia Contemporânea do Espectáculo [ACE]?
Longo e conturbado foi o caminho que percorri até “aterrar” na ACE. Tudo começa com o pequeno “Luís” e o seu enorme fascínio pela robótica: M.I.T (Massachusetts Institute of Technology) era o sonho a alcançar. Tendo isto em mente durante alguns anos era apenas lógico que, aquando da inevitável escolha de área, ingressasse em Ciências e Tecnologias. Em simultâneo, nessa tenra idade, tinha começado a fazer stand-up comedy, atividade que mantive regularmente durante quatro anos. A dado momento, achei que o meu futuro poderia passar por esta arte. Senti então que seria importante procurar um complemento educacional que me desse ferramentas para melhorar a performance em palco. Nesse ano, aparecem-me pela primeira vez o Teatro e a ACE como opções viáveis. Tendo, no mesmo ano letivo, passado pela [Escola Artística de] Soares dos Reis num curso de Animação 2D e 3D durante um mês, seguido de um curso Profissional de Eletricidade durante também um mês e voltando a aterrar em Ciências e Tecnologias. Só no ano letivo seguinte fiz provas e ingressei no Curso de Interpretação da Academia Contemporânea do Espectáculo.
Após o término do curso, desenvolveu uma atividade curiosa durante um ano: levou o teatro de marionetas às escolas da cidade do Porto. De que modo esta experiência o moldou?
Foi um experiência que me trouxe alguma compreensão e calma. Ter de lidar com auditórios cheios de juventude na flor da idade é sem dúvida um experiência que ainda não tinha tido. Foi um trabalho muito prazeroso, ouso até dizer que todo esse ano o foi. Decidi que seria o meu “gap year” onde paralelamente desenvolvi trabalho de marionetas nas escolas e também andei a viajar à boleia por alguns países da Europa.
Naquilo que diz respeito ao Ensino Superior, frequentou a Escola Superior de Teatro e Cinema [ESTC]. Para quem era oriundo do ensino artístico ao nível do Ensino Secundário, o que é que a licenciatura lhe acrescentou?
Para começar, devo ser honesto e dizer que apenas fiz um ano da Licenciatura. Por não me identificar com certas metodologias e com uma outra listagem de factores decidi não continuar na ESTC. Foi no entanto neste período que desenvolvi o primeiro EP CABUM. Este surge precisamente para exorcizar este ano, também ele, pouco ortodoxo na minha vida.
Integrou a banda Baixo Soldado. Em 2015, tocaram na Festa do Avante, no Indie Music Fest e na Queima das Fitas de Coimbra. Sente que cresceu pessoal e profissionalmente por meio deste projeto?
Sem dúvida, pois foi com essa banda que calquei os primeiros grandes palcos e que tive a primeira sensação do que seria andar na estrada e, consequentemente, veio esta desmesurada vontade de produzir e compor música.
Em 2017, apresentou-se pela primeira vez enquanto FOQUE e lançou o EP CABUM. Tinha necessidade de se expressar de um modo mais individual?
Sim, como já referi numa questão anterior, o FOQUE surge quando estudei em Lisboa e surge como catarse. Ao mesmo tempo, após o final dos Baixo Soldado houve uma vontade enorme de continuar a produzir música, mas desta vez sem depender de ninguém para o fazer.
A palavra FOQUE remete-nos para um universo gramatical: para o presente do subjuntivo do verbo focar. À sua vez, o verbo focar diz respeito aos atos de convergir para um ponto ou foco e concentração. Foi esta a linha de pensamento que seguiu para a escolha do seu nome artístico?
Precisamente. A ideia do FOQUE é de juntar tudo num sítio, conseguir conciliar os EP´s que vou soltando, os trabalhos para dança, teatro, moda, performance, cinema, etc. O objetivo é criar algo maior que eu, Luís. FOQUE propõe ser uma entidade onde tudo o que faço artisticamente converge.
Nesse ano, em nome próprio, apresentou-se no Caldas Late Night 2017, no Indie Music Fest 2017 e Ginga Beat (Vodafone FM). Prefere concertos em recintos amplos ou mais intimistas?
Na verdade, sinto uma relação muito semelhante com os dois tipos de concerto. Como tenho um repertório musical que chega a diferentes extremos do espectro é possível proporcionar, não só a mim, como também ao público, uma experiência ampla. Já toquei, por exemplo, na festa de encerramento do Festival Bons Sons onde o espectáculo tinha de ser algo enorme e que chegasse a cada uma das centenas de pessoas que assistia. Por outro lado, também já toquei em pequenas salas onde as músicas mais íntimas e mais pequenas ganharam toda outra força e outra cor. Em suma, a única preferência que tenho é tocar ao vivo ao invés de não tocar de todo.
No EP anteriormente mencionado, incluiu o single Ceci n´est pas une beat! que nos remete para a obra La Trahison Des Images do pintor surrealista René Magritte. A interligação entre as variadas artes constitui um elemento essencial no seu processo de criação?
Não faço disso o meu foco de trabalho, tento sempre partir de uma vontade ou de algo que tenho para dizer/partilhar. O que acontece muitas vezes é haver a meio do processo criativo um cruzamento de tudo o que é bagagem e/ou referências que trago em mim. Esse cruzamento acontece tanto de uma forma consciente como inconsciente. De qualquer das formas sinto que é um momento fulcral naquilo que é o enriquecimento da obra artística. De repente, ganha densidade e consistência.
Num espectro mais alargado das artes performativas, já fez parte, entre outros, da curta-metragem Fenomenologia da Alma exibida no FECIBogotá (Festival Internacional de Cinema Independente de Bogotá) como músico/sonoplasta e também desempenhou a função de músico de cena no teatro de rua Samsara (que marcou presença em variados festivais como o Ovar em Festa). O que significa o desenvolvimento de atividades paralelas à música?
Na verdade, encaro como sendo uma extensão do trabalho que faço. Tento sempre conseguir o equilíbrio perfeito entre “a música servir a peça/performer/vídeo” e “a música valer por si própria”. Acho importantíssimo esse cruzamento. Tendo em conta o meu percurso, parece-me ser a maneira mais justa de exercer este papel de criador: fundir e juntar as mais variadas áreas e/ou referências de modo a atingir um objetivo maior.
Em julho do ano passado lançou o seu EP homónimo FOQUE. À época, descrevia-se “como um eclipse Pink Floydiano” acrescentando: “Tudo o que vivemos, tudo o que respiramos, tudo o que só conseguimos processar em sonhos, tudo isso é nosso, tudo isso sou eu”. Continua a encarar-se assim?
Sem dúvida. Analisando mais profundamente essa sinopse apercebo-me de que é redutor ser só a descrição desse EP. É na verdade, refletindo bem, a descrição perfeita para o projeto FOQUE, em toda a sua dimensão.
No final de 2019, lançou Rapidinha, o primeiro single do álbum cujo lançamento está previsto para o ano corrente. Descreveu-o como “a dose de energia e felicidade aconselhável para todos os dias em que acordamos sem vontade de sair da cama, sem força para sorrir, ou queremos simplesmente estar alienados de tudo o que nos rodeia”. Até que ponto esta música reflete a sua experiência pessoal?
Rapidinha foi criada com o intuito de ser um “post-it” musical, um lembrete pessoal. Algo que ouça todos os dias em que me apetece desistir, em que acordo mal-disposto (uma constante) ou quando simplesmente me apetece não querer saber da vida, não atender chamadas, não responder a mensagens. Criei-a para mim mas não só. Não posso ser o único a sentir e a ser todas estas coisas. A música que crio tem como objetivo a catarse mas também a ponte empática. É suposto ser relacionável.
Em junho, lançou Ausência. Desta vez, colaborou com EVAYA. Relativamente ao mesmo, escreveu “Às vezes não temos o tempo que necessitamos, outras o dinheiro que precisamos. Raramente as duas condicionantes se encontram em harmonia. Raramente estamos estáveis. É um hino para aqueles que contam os dias e os trocos, um hino a todos os que estão a viver e sobreviver nestes tempos loucos. Fala por mim, por ti, e por todos nós. Precisamos de ser ouvidos, de ser apoiados, enquanto criadores, enquanto humanos”. Encontrou inspiração na atual pandemia que vivemos para compor esta música?
Curiosamente este tema já estava criado há quase um ano. Surge então agora como single porque é impressionante ver como se tornou atual, diria até, demasiado atual. Apesar de o ter criado pensando no que sentia nesse momento tenho a certeza de que não sou o único a senti-lo.
Como está a ser a finalização do seu primeiro álbum?
Estamos em fase de mistura e masterização. Em conjunto com a minha agência – Chau -, planeámos também já a parte visual, que será algo bastante diferente em Portugal. Estamos a aperfeiçoar os moldes através dos quais o mostraremos ao público. É crucial, para mim, não lançar simplesmente um álbum de 12 músicas com uma capa. É preciso haver algo mais, um suporte não só visual mas algo que seja a carruagem para todo o processo de escrutínio e de descoberta pessoal que passei para o compor. É provavelmente o trabalho mais pessoal que já criei e tive verdadeiramente de escavar e de quase chamar à baila o nosso amigo Stanislavski [ator russo conhecido por ter criado um “sistema de atuação” para artistas] para o espremer ao máximo. Estou muito ansioso por mostrar aquilo que descobri.
O que falta fazer na música portuguesa?
Falta sermos maiores do que este pequeno paraíso plantado à beira-mar. Num país com tanto talento e tanta música incrível falta sermos maiores do que nós próprios. A música portuguesa merece um lugar ao lado dos grandes titãs da música mundial: sem dúvida que temos qualidade e pujança para tal.
Quais são os seus planos para o futuro próximo?
Obviamente que, para já, a prioridade passa por finalizar e soltar este primeiro álbum intitulado Ato Isolado. Tenho também algumas coisas agendadas para o final do ano, se o COVID-19 permitir. Nomeadamente, a apresentação da peça de dança/performance Manifesto of The New Clubbing, em Lisboa. Em outubro, começo também um série de residências artísticas para a criação de uma nova peça de teatro ANNE SOLO com Sofia Santos Silva que conta já com o apoio da GDA [Gestão dos Direitos dos Artistas].