Entrevista. Ganso: “Não Tarda” tardou o tempo que foi preciso

por Gustavo Carvalho,    3 Dezembro, 2019
Entrevista. Ganso: “Não Tarda” tardou o tempo que foi preciso
Diogo Ventura/CCA
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O ganso é uma ave da família dos anatídeos, tem familiares como o cisne e o pato e normalmente habita estuários ou vales fluviais. Mas o Ganso de quem falamos é diferente: é da família Cuca Monga, tem como familiares Capitão Fausto e Zarco e normalmente habita Alvalade ou a Lapa. É precisamente nesta última zona, no “Borges”, que nos encontramos dois membros desta espécie: João Sala (vocalista) e Gonçalo Bicudo (baixista). Os restantes exemplares desta espécie – Thomas Oulman, Miguel Barreira e Luís Ricciardi – não estiveram presentes, mas também fazem parte do gansaral.

Apesar de a Cuca Monga ter nascido e crescido em Alvalade, nem todas as bandas da editora ensaiam por lá. “Somos cada vez mais e era difícil estarmos todos no mesmo espaço”, conta João Sala enquanto se senta no sofá ao lado de Gonçalo Bicudo. É por este motivo que surgiu a necessidade de arranjarem uma segunda casa, quase como se fosse uma “segunda alvalade”. O “Borges” é isso mesmo.

Funciona como um espaço três em um – é um ateliê de moda, uma joalharia e, na cave, um estúdio de música. Um ganso nada tem que ver com uma toupeira, mas é precisamente no subsolo musical que ensaiam, gravam demos, partilham ideias e recebem os jornalistas para entrevistas.

Estávamos ainda no início, mas o ambiente ficou, digamos, escuro – literalmente. A eletricidade vai abaixo, mas ninguém se quer levantar para ir ao piso térreo ligar o quadro elétrico. Bicudo sugere continuarmos a entrevista assim e a nós, entrevistadores, não nos chateia muito. João também concorda e a conversa prossegue à luz das lanternas dos telemóveis.

Diogo Ventura/CCA

Parar para criar

Os Ganso lançaram recentemente “Não Tarda”, o segundo álbum da banda. Mais de dois anos passaram desde “Pá Pá Pá”, o álbum de estreia. Como todos os gansos, também eles migram em busca das melhores condições. Foi em Mogofores, concelho de Anadia, que “Não Tarda” começou a ser idealizado e gravado. Tal como outros familiares, os Ganso também sentiram a necessidade de fazer um “retiro musical” – os Capitão Fausto já o tinham feito na preparação do mais recente álbum, “A Invenção do Dia Claro”.

O baixista da banda, Gonçalo Bicudo, acredita que este hábito não é exclusivo das bandas da Cuca Monga, mas sim “uma síndrome de músico na cidade, onde há muita distração, muitos sítios para onde fugir”. Portanto, quando chegou a altura certa, saíram de Lisboa em busca de um sítio isolado ondem puderam focar todas as suas energias no trabalho. Mogofores acabou por ser o sítio de eleição, porque, para além de João Sala ter casa lá, “só o nome da terra já é inspirador o suficiente”, conta Bicudo.

Dessa estadia trouxeram três músicas: “Os Meus Vizinhos”, “O Teu Riso” e “Vai Passar”, que mais tarde viriam a integrar o novo álbum.

Até Alvalade foi um “saltinho”, mas bastante importante. Voltaram ao “santuário” para gravar o novo álbum. Um espaço como este é muito importante, porque não há limitações de tempo e não se corta o ritmo de trabalho. “Por isso é que este álbum é bom, não é?”, questiona Bicudo. João concorda e ri-se. “Se fosse à pressa não tinha ido lá da mesma maneira”, conclui o baixista.

Além do mais um regresso a casa sabe sempre bem. Voltam para encontrar a família com quem convivem e trabalham, neste caso Diogo Rodrigues, o produtor da Cuca Monga, que pôs as mãos na massa e acompanhou todo o processo. “Este álbum foi só nós e o Diogo”, mas os inputs exteriores também são sempre bem-vindos, admite Bicudo. Alguns não dão em nada, mas outros ajudam a “desbloquear músicas que estão presas por detalhes”

A meio da conversa sente-se a porta do “Borges” a abrir. Ouvem-se passos na nossa direção. Surge um vulto a descer as escada. É Gastão Pereira dos Reis, membro dos Zarco, que é recebido na cave por quatro pessoas com as luzes dos telemóveis apontadas para ele. Apercebe-se de que está a decorrer uma entrevista e dá o espaço necessário para que a conversa prossiga. “O Gastão fritou-se todo, não estava à espera de ver este acampamento cá em baixo”, diz Bicudo enquanto todos sorriem.

“Não Tarda” tardou o tempo que foi preciso

O processo de criação manteve-se igual a do primeiro álbum: o instrumental é sempre feito em primeiro lugar. A base musical evolui e andam por aí a trautear “melodias que se transformam em letras”, que no final encaixam todas metricamente.  No entanto, João confessa que um dia têm de “experimentar fazer a letra primeiro para ver o que acontece.”

Como em todos os processos artísticos feitos em conjunto, “há sempre atropelamentos”: alguém prefere seguir um caminho, alguém gosta mais de outro. Segundo Bicudo, este álbum também serviu para os Ganso aprenderem a funcionar melhor: “quando é necessário tomar uma decisão em que haja um debate, vamos a votos e resolvemos a coisa democraticamente.”

“Não Tarda” é um trabalho completamente diferente dos anteriores. Os artistas não têm medo de afirmar que este álbum é o que canta o seu amadurecimento no panorama musical. O facto de ter sido feito com mais calma ajudou a tornar tudo mais coeso e, musicalmente, o resultado final é melhor.

Não há uma narrativa definida que nos salte à vista, mas existe uma temática comum entre todas as músicas do álbum: a vida noturna na cidade, a ânsia vivida no dia a dia e as saídas com amigos. “Foi a temática que chegou a nós e não nós que chegámos à temática. Quando escrevemos as letras também tivemos atenção para seguir as mesmas ideias”, conta Bicudo, que neste momento está a estudar no Hot Clube.

No entanto, admitem que as próprias condições de cada um também influenciaram a temática. Nenhum dos cinco vive completamente da música, ou seja, para terminar o álbum só conseguiam estar juntos à noite, depois do trabalho. Quem diria que o Ganso também é um animal noctívago?

A etimologia de Ganso

O primeiro single que lançaram do novo álbum surgiu no YouTube. João Sala admite que a “foi bastante consensual”. Não houve discussão porque “todos queriam que fosse a “Sérg…”, aliás, a ‘Não Te Aborreças’”. Pois é, tempo agora para um facto curioso sobre gansos: dão nomes provisórios a todas as músicas que desenvolvem. Mas não são nomes à toa: “De todos eles os mais estranhos são talvez a Ticha Sofia (“Vai Passar”), a Spook (“Sono Leva-me Longe”) ou a Suíça (Os Meus Vizinhos)”, confessa Gonçalo Bicudo no meio de alguns risos. É isso mesmo, todos os nomes são de mulheres.

Mas as brincadeiras com nomes não fica por aqui. A história da origem do nome da banda não é coerente. Em várias entrevistas contam histórias diferentes: numa das quais diziam ter encontrado um ganso a percorrer os corredores do Intermarché de Mogofores. Pela nossa pesquisa Mogofores nem Intermarché tem. Afinal, em que ficamos? “São histórias da banha da cobra”, revelam enquanto se riem. “Nenhuma das histórias é verdadeira. O nome da banda foi uma questão de tentativa e erro até encontrarmos um nome que agradasse a todos.”

Diogo Ventura/CCA

A Família Cresce

Na altura da entrevista a família Cuca Monga contava com oito projetos musicais. Desafiámos então os Ganso a traçar uma árvore genealógica. Para João Sala e Gonçalo Bicudo o avô só pode ser um: os Capitão Fausto.

Àrvore Genealógica da Cuca Monga (Ilustração: Nuno Amaral)

Mas há novidades:  há “um bom filho que se está a preparar para vestir as calças.” Na sequência do Super Bock em Stock ficou conhecer-se o tal filho: Rapaz Ego, o projeto a solo de Luís Montenegro, da banda Salto. No mesmo festival atuaram os Ganso. Tomás Lampreia assistiu ao concerto e confessa que apesar de terem mostrado o novo álbum “o público até cantou com eles bastantes músicas.” Ainda este ano vão atuar no Teatro Aveirense, a 5 de dezembro e em Ponte da Barca no dia seguinte.

“Não Tarda” para os Ganso se lançarem em novos voos. Quem sabe um dia ainda chegam ao patamar do avô.

Artigo escrito por Diogo Ventura e Gustavo Carvalho.
Ilustração de Nuno Amaral.

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