Entrevista. Gil Ferreira: “As gerações mais jovens não deixaram de consumir cultura. Têm é outros ‘timings’, formatos e meios”
De forma descontraída, informal, com um pendor de surpresa e como forma de aproximar a população à arte experimental e artistas emergentes a meio da semana, como Maria Reis e os Paraguai, o Cineteatro António Lamoso, de Santa Maria da Feira, organiza o “À4Há”(À quarta há), que tem, na génese da sua inspiração, o invocar da memória das “sessões de cinema comunitário às quartas-feiras percorrendo, portanto, os anos 60, 70 e parte dos anos 80. O conceito nasceu em 2015, “aquando da reabertura deste espaço no pós-obras de reabilitação“, segundo explicou Gil Ferreira, Vereador da cultura de Santa Maria da Feira, e cada espetáculo tem a sua própria identidade, o seu próprio pendor de surpresa, desenvolvendo algo diferente para o espectador.
A Comunidade Cultura e Arte falou com Gil Ferreira no espaço do Cineteatro, tanto sobre o conceito “À4Há”, como os desafios da descentralização da cultura, da RTCP (Rede de Teatros e Cineteatros), os desafios das políticas culturais locais, como desenvolver uma programação que alie artistas e nível nacional e local e qual o papel dos agentes culturais locais. Um dos alertas que Gil Ferreira deixa é o seguinte, “falta-nos essa cultura de responsabilidade empresarial, a cultura de devolver à comunidade um bem de mérito que é a cultura, um pilar de desenvolvimento fundamental“, revela. Afirma que uma maior necessidade das pessoas aliarem mais do que um trabalho, actualmente, também consiste um desafio para a estipulação dos horários dos próprios espectáculos.
Como é que, culturalmente, uma localidade como Santa Maria da Feira poderá conciliar eventos ou visitas de artistas a nível nacional, com a própria cultura e os artistas locais?
Esse é o nosso propósito, promover essa fusão, essa mestiçagem, fazer do Cineteatro António Lamoso um palco de encontros entre comunidades. Não há cultura sem comunidades, e o nosso propósito, desde o início — e mantém-se até reforçado — foi, sempre, promover essa simbiose entre os valores locais, os activos culturais locais, os agentes locais recreativos de Santa Maria da Feira, com os agentes culturais recreativos regionais, nacionais e internacionais. Ou seja, estabelecer essa ponte num propósito de criar conexões.
“Em Santa Maria da Feira temos um programa de apoio à cultura que, anualmente, através de chamadas públicas, desafia os agentes culturais e criativos — sejam eles pessoas coletivas ou organizações sem fins lucrativos, sejam eles artistas Independentes — a apresentarem propostas.”
E como tem sido pensar-se numa programação diversa, desde teatro, dança, e não pender apenas para a oferta de um tipo de arte em específico?
Tem sido, de facto, exigente, mas procuramos, sempre, a diversidade que passa por promover esses diálogos, entre disciplinas artísticas, correntes estéticas e áreas de conhecimento. A programação do cineteatro, a programação própria, é feita disso mesmo, dessa diversidade, com um olhar atento sobre a dança nas suas diversas manifestações, do popular ao contemporâneo; com um olhar atento sobre o teatro, também, nessa linha de abrangência, e com um olhar atento, naturalmente, sobre a música que muito nos caracteriza, pelas práticas artísticas na comunidade relacionadas com a música.
Procuramos trazer espaço à inovação, com disciplinas artísticas como o circo contemporâneo ou a magie nouvelle, assim como o cruzamento interdisciplinar em que as artes performativas se encontram com outros domínios, designadamente com as tecnologias, mas também com as tecnologias humanas como o pensamento e a filosofia. Procuramos, sempre, que este seja um espaço plural, aberto, universal, e isso implica olhar para a cultura como um campo de possibilidade, e mitigar tudo aquilo que possa ser promotor de uma monocultura ou de um monopensamento. O nosso olhar atento às estratégias de programação que o equipamento cultural desenvolve tem, sempre, como principal prorrogativa e objetivo as diversidades.
E de que forma todo o concelho e suas freguesias poderão estar envolvidas? Quais são as estratégias delineadas para tal?
Nós temos vários inputs. Um primeiro input é o seguinte: em Santa Maria da Feira temos um programa de apoio à cultura que, anualmente, através de chamadas públicas, desafia os agentes culturais e criativos — sejam eles pessoas coletivas ou organizações sem fins lucrativos, sejam eles artistas Independentes — a apresentarem propostas. Esse é um input, é uma forma de entrada que, depois, poderá ser enquadrada na programação, designadamente do Teatro Municipal, o Cineteatro António Lamoso. Estabelecemos uma relação de continuidade com um conjunto de artistas e, fundamentalmente, agentes culturais, associações e cooperativas a quem damos espaço de curadoria. Temos, por exemplo, uma experiência muito consistente com a Basqueiro Associação Cultural, que faz um trabalho de programação na área da cultura urbana e que tem já, anualmente, um ciclo de programação neste espaço, porque é também uma forma de promover uma participação cultural democrática daqueles que são os agentes culturais e criativos do território, envolvendo-os na co-criação nos desenhos de programação que o cineteatro oferece às comunidades.
E que papéis podem desempenhar os agentes culturais locais?
Os agentes culturais locais desempenham diversos papéis, enquanto potenciais comunidades de públicos. Temos um guião de públicos que, dentro da estratégia de desenvolvimento de públicos, de capacitação e de mediação, sempre que programamos determinadas áreas de conhecimento de determinadas disciplinas artísticas que podem capacitar uma comunidade em específico, nós estabelecemos uma relação directa, convidando essas comunidades associativas e agentes culturais a participarem do processo: seja como públicos, seja nas acções de formação ou workshops promovidos no âmbito daquele conteúdo, daquele espectáculo, daquela criação. São eles próprios, enquanto potenciais criadores, que vêem este palco, o palco das estreias dos seus trabalhos: essa também é uma outra possibilidade, e a possibilidade que referia anteriormente, que é a curadoria. Temos experiências no campo do teatro, no campo da música, e até no campo do circo em que convidamos artistas independentes ou associações a assumirem, elas, a figura do programador, sendo responsáveis pela curadoria daqueles ciclos de programação.
“Em Santa Maria da Feira, no cômputo geral, este orçamento representa 12% — a promoção cultural representa 12% dos recursos económico-financeiros disponíveis dentro de um pelouro — e representa cerca de 4% no contexto global do orçamento municipal.”
Nem sempre é fácil para grandes redes ou companhias de teatro fazerem grandes digressões ou andarem em digressão. A nível local, ao se pensar numa programação, como é que se pode contornar isso?
Nós procuramos, conforme referia, constituir este palco como um palco de capacitação e de apoio a essas estruturas, onde podem dar à luz as estreias das suas criações. No que diz respeito a uma circulação mais abrangente, quer na região quer no país, penso que o Ministério da Cultura, através da rede, da RTCP (Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses), desempenha um papel fundamental, uma vez que nos motiva a programar em rede, dando oportunidades a estruturas de criação que, de outra forma, não teriam acesso a essa circulação, até porque somos um país pequeno e muito polinucleado, disperso no que diz respeito a equipamentos culturais e estruturas de programação.
Num outro prisma, no município de Santa Maria da Feira, temos também uma medida de apoio à circulação. Essa medida de apoio à circulação permite que estruturas amadoras, semi-profissionais ou profissionais possam, anualmente, candidatar projetos a um apoio à circulação. Não podemos, também, deixar de referir que o Cineteatro António Lamoso está, por exemplo, na noite europeia do circo, beneficiando do facto de um grande ativo cultural deste território, o Imaginarius, pertencer à Rede Circostrada Network, o que, na área em específico do circo contemporâneo, permite que os nossos agentes culturais e criativos comuniquem com agentes culturais criativos, sobretudo europeus, e que seja aberta a possibilidade de desenvolverem e apresentarem trabalho em outra geografias e em outros equipamentos culturais, à escala europeia.
Quando se fala em descentralização da cultura, coloca-se sempre esta questão, como fazer com que pessoas fora dos dois grandes pólos urbanos de Portugal, também possam ter acesso ao que faz, culturalmente, no país. Há também quem coloque a questão ao contrário, as programações locais devem ter mais visibilidade nos grandes polos urbanos, numa dinâmica de troca cultural. Qual a sua posição sobre isto?
A minha posição tende a um equilíbrio no qual possamos, de facto, ter um posicionamento à escala regional e nacional e que permita, também, comunicar com outros públicos, de outros territórios e dos centros. Um equilíbrio que possa abrir a possibilidade de desenvolver um trabalho que fomente não só a desconcentração dos bens culturais mas, sobretudo, a descentralização. A descentralização não é feita, apenas, da criação de oportunidades de contacto com bens culturais, com ativos culturais com as comunidades mais periféricas, porque todas as comunidades têm a sua matriz cultural, têm a sua cultura. Nós temos, portanto, de procurar estabelecer um diálogo com bens culturais significativamente ricos que façam sentido no contexto e no desenvolvimento da participação cultural dessas comunidades. Coloco, por isso, sempre a tónica no equilíbrio, penso que é importante.
Desenvolvemos, assim, uma iniciativa que vai ver luz no ciclo de programação de 2024 no Cineteatro António lamoso, que é o “Cineteatro fora de portas”, em que a equipa do Cineteatro vai visitar um conjunto de comunidades e de equipamentos diversos, levando conteúdos de programação que foram pensados em específico com aquelas comunidades. No fundo, empoderando as comunidades e dando acesso a oportunidade de, não só fruição, mas de participação cultural daquelas comunidades com conteúdos diversos na área da música, do teatro, da dança, do circo, da magia, também do stand up, mas que façam sentido naquele contexto específico.
Pode explicar melhor que dinâmica, que papel, o À4Há ocupa na programação do cineteatro? Já se mantém há algum tempo, certo?
O “À4há” nasce em 2015, aquando da reabertura deste espaço no pós-obras de reabilitação. Com as obras de reabilitação surgiu, também, um projeto de programação contínua, regular e própria, e a definição de uma equipa, de uma estrutura residente neste Teatro Municipal. O “À4há” tem uma ligação histórica, uma reminiscência ou um invocar da memória. Este espaço promovia sessões de cinema comunitário às quartas-feiras, desde a sua génese, percorrendo, portanto, os anos 60, 70 e parte dos anos 80. Este espaço foi, de facto, um espaço de encontro da comunidade para a fruição do cinema.
Quisemos procurar essa cultura, essa matriz e criámos um espaço em que a comunidade encontrava sempre algo à quarta-feira, portanto “À quarta há” [À4Há]. Há quarta há música, teatro, dança, uma conversa, uma sessão de poesia. Há quarta há uma miríade de possibilidades, de encontro da comunidade com as artes performativas ou com as culturas em geral, sendo que o “À4há” um espaço de nicho, no bom sentido.
É um espaço que privilegia os agentes culturais locais, que privilegia as atividades mais experimentais, que é o palco dos artistas emergentes e dos novos artistas. Não é ao acaso que, provavelmente, já várias centenas, desde 2015, de nomes da nova música portuguesa passaram pelo “À4há”, porque essa é a função, é a matriz do “À4há”: aproximar as comunidades da cultura do seu tempo. É, portanto, um ciclo pelo qual tenho particular afecto, por todas as oportunidades que ele traz à nova criação portuguesa e, também, aos artistas mais experimentais e agentes culturais mais experimentais do nosso território.
“A descentralização não é feita, apenas, da criação de oportunidades de contacto com bens culturais, com ativos culturais com as comunidades mais periféricas, porque todas as comunidades têm a sua matriz cultural, têm a sua cultura. Nós temos, portanto, de procurar estabelecer um diálogo com bens culturais significativamente ricos que façam sentido no contexto e no desenvolvimento da participação cultural dessas comunidades.”
Foca-se, então, numa dinâmica de grande experimentação.
Sim, é um espaço de cultura experimental.
Artistas experimentais que vão desde o rock da Maria Reis até ao experimentalismo dos Paraguai. Há aqui, então, uma tentativa de procurar, também, uma grande diversidade no estilo destes artistas.
Sim, uma grande diversidade também na paleta de escalas, porque procuramos esse novo, essa novidade, essa aproximação à cultura do nosso tempo na geografia local, ou seja, no concelho de Santa Maria da Feira, na geografia regional que é, fundamentalmente, a área da grande área metropolitana do Porto. Há escala nacional constituindo essa comunicação entre escalas, que penso que é um equilíbrio que traz muito significado quer para os públicos, quer para os próprios artistas, porque o “À4há” é também um espaço de comunicação e de encontro dos artistas locais que, semanalmente, vêm ao Cineteatro, não apenas para apresentar os seus trabalhos mas, também, para assistir a manifestações de outros artistas, sejam eles regionais ou nacionais.
Pauta-se, também, por uma grande informalidade.
Este é um ciclo do programação completamente descontraído e informal. Tanto é, que ele pode acontecer no foyer, no formato de café concerto, pode acontecer desvendando aquilo que é a parte mágica do teatro, convidando as pessoas a aceder por camarins, até à caixa de palco, e terem uma verdadeira experiência que pode ser, inclusive, um 360º no palco, numa relação direta com o artista, com o coletivo de artistas. Há, portanto, um carácter absolutamente descontraído e informal, onde se pode estar, ter uma degustação gastronómica e a assistir um conteúdo, seja ele na área da música, na área da dança. O palco enquanto o lugar de encontro, absolutamente.
O Cineteatro António Lamoso é, como o nome indica, um cineteatro, e uma das funções dos cineteatros seria, justamente, fornecer uma rede de exibição de cinema também, quando, a não ser em shoppings, as salas de cinema começam a escassear. Como olha para esta questão?
Olho para essa questão com muita pertinência. Nós, em Santa Maria da Feira, fizemos a particular escolha de promover as sessões de cinema num auditório mais pequeno, que é o auditório da biblioteca municipal, atendendo a que temos uma taxa média de ocupação, por sessão, de 60 utilizadores, de 60 participantes. Relembrando que, outrora, estes equipamentos, espaços, albergavam sessões de cinema que esgotavam os mais de 600 lugares que esta sala, antes tinha, antes de reabilitação. Hoje, conta com 514 lugares, mais quatro para pessoas com mobilidade reduzida.
Trata-se, portanto, de uma sala que reduziu e, outrora, teve 625 lugares que esgotavam nas sessões de cinema. Em todo o caso, vamos dotar de capacidade técnica o espaço, para que ele possa, também, programar cinema. Se bem que manteremos, sempre, esta lógica de comunicação com um auditório, com uma sala de exibição mais pequena, por uma questão de otimização e de gestão de recursos, mas também por uma questão de gestão de conforto para as comunidades de públicos que, certamente, estando num percurso de construção, de reconstrução, de reconquista desses hábitos: saliento, no entanto, que me recordo que algures, em 2015, a média de espectadores de produção de cinema, em Portugal, andava nos 23% por sessão e, nós, já tínhamos um número superior a 60, na biblioteca. É um caminho que estamos a construir e que espero que, um dia, possa ser uma realidade regressar à exibição de cinema nesta sala maior.
“O programador do séc. XXI tem de estar muito atento às high generations, que são gerações informadas, informatizadas, e que têm uma forma muito própria e uma cultura muito própria. Nós, de facto, temos que procurar essa aproximação e essa é, logo, uma barreira.”
Acha que a rede de teatros e cineteatros portugueses têm ajudado a colmatar as assimetrias regionais? Consegue dizer quais os desafios desta rede e se tem sido profícua?
Não tenho dúvidas do papel importante da rede de teatros e cineteatros portugueses, no mitigar dessas assimetrias. Primeiro, porque impuseram de uma forma saudável, a cultura da organização de processos de gestão da programação e de gestão da produção na estruturas locais, maioritariamente municipais. segundo, porque têm um conjunto de ações de formação e de informação de cariz técnico que disponibilizam às equipas regularmente. Terceiro porque permitem valorizar a programação em rede e também uma uma permeabilidade entre regiões que permite gerar aqui uma comunicação entre agentes culturais e artistas de diversos pontos do país, que podem percorrer esta rede. Tenho muitas expectativas na rede, na RTCP, que vão muito para além da dotação financeira que o programa destina aos equipamentos culturais. Portanto há uma iniciativa política de louvar e que traz benefícios para as comunidades, particularmente para as comunidades de públicos, e para a estruturas e equipas técnicas dos teatros e cineteatros.
Há desafios a ultrapassar?
Há desafios a ultrapassar, sim, muitos desafios a ultrapassar. Nós, como em tudo na vida, lidamos com diversas barreiras. Uma barreira, desde logo, é superar, ultrapassar e compreender aquilo que são algumas mudanças dos nossos tempos e que colocam um grande desafio em quem programa, em quem oferece cultura para as comunidades: é a forma como a cultura, hoje, é consumida, sobretudo pelas gerações mais jovens, que não deixaram de consumir conteúdos, não deixaram de consumir cultura. Têm, inclusive, é outros timings, têm outros formatos e outros meios. Portanto, o programador do séc. XXI tem de estar muito atento às high generations, que são gerações informadas, informatizadas, e que têm uma forma muito própria e uma cultura muito própria. Nós, de facto, temos que procurar essa aproximação e essa é, logo, uma barreira.
Uma segunda barreira tem a ver com a dinâmica dos dias, por exemplo, a gestão dos horários dos espetáculos, dos conteúdos de programação, em virtude de horários flexíveis, de horários por turnos, de uma comunidade de pessoas que, cada vez mais, acumula trabalhos para poder fazer face ao rendimento disponível. De facto, o ajustamento dos horários para as comunidades de públicos é um grande desafio que temos. Um terceiro desafio está no garantir uma maior participação e responsabilidade empresarial, naquilo que é e que pode ser o apoio a estas estruturas. Somos uns privilegiados por manter, desde 2015, três importantes parceiros no tecido empresarial local que patrocina, anualmente, ciclos de programação e de atividades do cineteatro. Mas tenho, de facto, uma noção que esta realidade não é uma realidade à escala nacional. Falta-nos essa cultura de responsabilidade empresarial, a cultura de devolver à comunidade um bem de mérito que é a cultura, um pilar de desenvolvimento fundamental. Nesse contexto, estes são, a meu ver, três grandes desafios que temos pela frente.
E como é para uma vereação da cultura conseguir suporte económico para a programação?
Passa, desde logo, por procurar encontrar sinergias nas redes, e oportunidades de financiamento existentes. Passa por este caminho de procurar parceiros na comunidade que tenham sensibilidade para assumir uma responsabilidade empresarial e colocar recursos. Passa, também, por opções de gestão orçamental na distribuição da fatia daquele que é o orçamento destinado à promoção cultural. Em Santa Maria da Feira, no cômputo geral, este orçamento representa 12% — a promoção cultural representa 12% dos recursos económico-financeiros disponíveis dentro de um pelouro — e representa cerca de 4% no contexto global do orçamento municipal.
Portanto, há um investimento com significado e com consistência continuada para que os grandes pólos de dinamização e de promoção do acesso, de promoção de oportunidades e de fomento de conexões entre diversas comunidades aconteçam em projetos como o Cineteatro António Lamoso, como o Imaginarius Festival e centro de criação, ou como o programa de apoio à cultura, que é uma plataforma de desenvolvimento e de empoderamento da democracia cultural que se faz, atribuindo por concurso recursos económicos para que os agentes culturais e criativos, sejam artistas Independentes, pessoas singulares, pessoas coletivas ou organizações sem fins lucrativos possam desenvolver atividades de criação e de programação.
Durante a pandemia vários artistas e várias entidades culturais passaram por tempos difíceis. E, no momento, muitos continuam a passar dificuldades. Poder-se-á, localmente, elaborar algumas medidas que funcionem de auxílio a estes casos?
Pensámos nisso, lançámos o programa Culturact. Tivemos como objetivo não parar a cultura e não parámos. Portanto, a nossa programação — recordo que Portugal encerrou a 13 de Março, nós reabrimos em Maio — preparou-se para novos formatos, para novas plataformas e, nesse mesmo momento, também lançámos esse programa, o Culturact, que foi uma chamada pública para permitir que, num contexto de promoção e documento da transição verde e da transição digital, os agentes culturais do nosso território pudessem ter as oportunidades e, nomeadamente, recursos para não parar a cultura.
Claro que não conseguimos, como em tudo na vida, conceber a resposta perfeita, mas não tenho dúvidas que caminhámos na direção certa, mantendo a programação online, numa primeira fase e, depois, regressando à sala logo que a Direção Geral de Saúde e a norma assim o permitiu, e implementando este programa, que foi o programa Culturact, que foi de extrema importância para garantir que um conjunto de atividades, no Verão da pandemia, em pleno 2020, se pudessem concretizar.
Regressando ao À4há, pelo que percebi cada espectáculo tem um pendor de surpresa e é sempre diferente para o público, oferecendo novas experiências, como é que o público tem reagido a este projecto ao longo deste tempo?
Há uma comunidade de seguidores e de aficionados que se mantém. Eu, que sou também um elemento dessa comunidade de seguidores, apraz-me salientar que é a intergeracionalidade. São pessoas de idades diversas, de gerações diversas, que se encontram no ciclo de programação do “À quarta há”, porque são manifestamente pessoas inovadoras e que procuram conhecer o novo e aquilo que de mais inovador, mais recente no mundo, no panorama nacional das artes está disponível. Mas, também, reflecte aqueles que têm uma paleta muito alargada de gosto e que não deixam de ser pessoas extremamente curiosas. Portanto, o nosso melhor indicador é o número de públicos que se mantém, que não só se mantém, mas evolui ao longo do tempo: ou seja, o “À4há” quando surgiu e quando, apenas, eram duas dezenas e, às vezes, até menos de duas dezenas de pessoas que se encontravam neste espaço e, hoje, já são perto da centena e, às vezes, até ultrapassa a centena, quando estamos perante propostas mais exploratórias de experiência em palco.
Esse é o nosso melhor indicador, é ver a evolução da adesão, do número de públicos que nasce de uma iniciativa. O “À4há” nasce, também, não apenas pela questão da memória do que foi o espaço de programação, às quartas-feiras, neste cineteatro, mas também para fomentar uma necessidade de encontro da comunidade a meio da semana, num equipamento cultural: esse objetivo, com alegria e com satisfação, está a ser realizado.
Que espaço a multiculturalidade, tão discutida e tão necessária actualmente, ocupa na programação do cineteatro?
Pensamos a cultura como um espaço de acesso e, sendo ela um espaço de acesso, a multiculturalidade está presente na diversidade cultural que vai desde a oferta de conteúdos de programação, olhando para as comunidades específicas não só de públicos, mas também as comunidades de agentes culturais e de artistas. Há que pensar o acesso na dimensão das acessibilidades sociais, com uma política de preços que permita garantir que ninguém fica para trás no acesso a um conteúdo da programação, assim como a acessibilidade física, que é aquela que mais facilmente pode ser mitigada com um investimento infra-estrutural: sem esquecer, claro, a acessibilidade intelectual.
Nesse contexto, procuramos que este palco seja um palco de encontro entre disciplinas artísticas diversas, que têm essa tábua, essa tabela de correlação entre o local, o regional, o nacional e, também, o internacional, e que possa ser garantia de diversidade de género, diversidade de pensamento, diversidade étnica, assim como garantia no que diz respeito a públicos com necessidades especiais, promovendo conteúdos que vão ao encontro daquela comunidade específica ou, melhor ainda, procurando, sempre, que vão ao encontro de todos.