Entrevista. IAN: “Gostava muito que a minha música chegasse a mais pessoas porque é honesta”

por Comunidade Cultura e Arte,    3 Março, 2023
Entrevista. IAN: “Gostava muito que a minha música chegasse a mais pessoas porque é honesta”
IAN / DR

Falámos com a IAN, antes dos espetáculos do Ático (dia 8) e do Lux Frágil (dia 16)

IAN é uma artista russa que vive no Porto há mais de 20 anos. Depois de lançar em 2020 o seu primeiro álbum, RaiVera, regressa agora com I AM, cujos primeiros espetáculos de promoção arrancam já este mês: dia 8, no Novo Ático no Porto, e, uma semana depois, no Lux Frágil em Lisboa. Saciámos a imensa curiosidade e expectativa em redor do conteúdo deste trabalho numa conversa em que IAN não se furtou a abordar o passado e o inquietante presente.

No meio musical é comum abordar o dilema do segundo álbum, a seguir ao sucesso do primeiro disco. Sentiste essa responsabilidade?

Sim, claro. Na verdade, a ideia do segundo álbum foi completamente diferente do resultado que temos agora. No início, queria fazer um álbum de dança e comecei a desenvolver a estrutura a partir do tema Turn Off The Light (cujo clip foi recentemente editado). Devo dizer que foi uma das maiores alegrias da minha vida. Senti uma imensa vontade criativa, pois tínhamos acabado de sair da pandemia e era um prazer enorme voltar a sair à rua sem máscara e poder ver os sorrisos das pessoas. Só que essa foi uma alegria que durou pouco tempo, pois, no dia 24 de fevereiro, começou a guerra na Ucrânia e, como sabemos, o rumo mudou completamente.

E qual foi o impacto da guerra no processo da criação? Tens alguma canção que tenha sido inspirada durante esse tempo de reflexão?

Sim, várias. Uma delas chama-se Dogs e foi escrita em Madrid. Quando lá fui já tinha algumas ideias e ia passar uma semana só para pensar nessas ideias. Entretanto, encontrei uma avó refugiada da Ucrânia, completamente perdida, que veio com dois netos, sem saber falar espanhol. Foi nessa altura que escrevi Dogs, logo de rajada. Pois, no fundo, é um tema sobre os cães que matam os próprios cães que são da mesma raça. Eu acho que as minhas músicas são muito cinematográficas. Pelo menos para mim. Pois vejo logo uma imagem. No caso de Dogs, imaginava rottweilers que estão a ser atacados por outros rottweilers. Só que são animais com corpo humano e uma cabeça de cão. Foi essa imagem que me veio, como se fosse um cartoon a preto e branco.

Já percebi que tens uma boa imaginação visual, não só musical…

É que eu gosto de “vestir” as minhas músicas. As roupas ou a maquilhagem que uso são reflexo daquilo que crio. 

Percebo que, para ti, o lado visual é importante? Gostas de fazer videoclips para as tuas músicas. Mas tudo isso dá trabalho e é caro… 

Porque acho que também é uma forma de transmitir as minhas ideias. É o tal lado ‘cinematográfico’ da minha criação. Claro que não tenho orçamento para fazer um cartoon ou fazer uma espécie de Moulin Rouge, com uma grande produção. Os meus vídeos são todos completamente low cost. Por exemplo, o último que saiu — não sei se é segredo, mas deixa de ser —, é o clip Turn Off The Light, que foi praticamente todo filmado com o telemóvel. Mas, mesmo assim, acho que consigo transmitir como vejo a minha música. 

Gostaria de voltar ainda à questão da guerra e dos refugiados. Sei que tu e a equipa que trabalha contigo apoiam famílias ucranianas cá em Portugal. Queres falar sobre isso?

Sim, sinto que é o meu dever. Muitas pessoas vêm para cá sem saber falar línguas, nem inglês falam. Foram forçadas para sair da sua vida habitual e têm de começar tudo de novo. Acho que é o dever dar uma mão de ajuda sempre que podemos.

O primeiro álbum chama-se RaiVera e é uma brincadeira com a língua russa [rai] é paraíso, [vera] é fé. O título do novo disco faz uma afirmação I AM, parece que encontraste ti própria. É isso?

IAN – I AM foi uma brincadeira do design também. O meu nome é Ianina. Então, de certa forma, foi um trocadilho. Mas realmente é aquilo que eu sou, sem tirar nem pôr. E também aquilo que fui num passado muito próximo. É um reflexo do passado que aconteceu agora e do presente que estamos a viver.  

IAN / DR

És violinista, a tua casa principal é a Casa da Música no Porto onde trabalhas na Orquestra Sinfónica. Como acabaste por parar no mundo da música eletrónica?

Desde os 5 anos toco violino, é o meu instrumento principal. Mas depois comecei a ouvir outros estilos musicais. Já em Moscovo, gostava muito de punk-rock, rock ou grunge. Adorava várias bandas, ia aos festivais. Na altura, gostava de imaginar que tocar violino é uma aproximação à guitarra eléctrica. Acho que foi assim que tudo começou. Entretanto, a vida fez com que conhecesse vários artistas e trabalhasse com eles. Lembro-me perfeitamente, em Espinho, de alguém me ter oferecido o disco Kennedy Experience, do violinista britânico Nigel Kennedy, com arranjos de Jimi Hendrix. Passei-me completamente. A partir daí apaixonei-me por aquele músico e pela combinação que faz mistura entre jazz e rock. Percebi naquele momento que queria ser como ele. Mas, ao mesmo tempo, quero também criar a minha própria identidade. Quando Nigel Kennedy toca tu sabes que é ele pela sua maneira um pouco ríspida de tocar. Entretanto, trabalhei também durante vários anos com os GNR e gravei três álbuns com eles. E tenho trabalhado com os The Gift. Experimentei vários estilos musicais, por exemplo, fado e guitarra portuguesa com o Custódio Castelo. E acho que o facto de ter trabalhado com esses músicos desencadeou a minha vontade de ser algo mais do que uma violinista a trabalhar com alguém. Na altura, já escrevia poemas, frases e trechos há muitos anos. Acho que tudo foi um culminar da procura daquilo que me faz mais feliz. 

Normalmente escreves, tocas e cantas. Desta vez vais também estar no palco sozinha, como no caso do primeiro álbum?

Não, desta vez vou estar acompanhada por um baterista que se chama Andrés Malta. Isso muda tudo. Para além de violino, piano e eletrónica que eu toco em tempo real, bem como da voz, terei ainda o acompanhamento da bateria e a projeção de vídeo, um complemento para vários temas do espetáculo.

Tanto o Novo Ático (Coliseu do Porto) como o Lux Frágil (Lisboa) são dois locais de culto. Sentes-te preparada para esse público exigente?

Sinto uma grande ansiedade, mas também uma grande responsabilidade. Tenho imensa vontade de mostrar a minha música ao vivo. Claro que estou a começar por grandes cidades, mas a minha vontade é continuar e tocar em vários sítios. Gostava muito que a minha música chegasse a mais pessoas porque é honesta, até porque mistura instrumentos da música clássica e eletrónica e até com grandes influências berlinenses, digamos assim. Sinto uma alegria por poder mostrar o que eu fiz nestes últimos anos.

Como apresentarias a IAN e como chamarias as pessoas que não te conhecem para o teu espetáculo? 

(risos) Diria que irão contactar com um estilo musical que não é muito comum aqui em Portugal. Além disso — não vou esconder — o meu projeto tem qualidade. Até porque é um espetáculo com elementos cénicos. Ou seja, não é só canção, tem o seu fio condutor. Tem também storytelling, tem uma narrativa. No fundo, se quiserem, será um pouco como ir ao teatro e a um espetáculo musical ao mesmo tempo. Eu vivo cá há muitos anos, por isso, considero-me portuguesa, mas venho de uma outra cultura que se nota no desenvolvimento do meu trabalho. É essa a minha história. É essa história que vos convido a conhecer. 

Entrevista de Ariuna Bogdan Portugal.

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