Entrevista: Ivandro: “Não preciso de estar a inventar histórias, mas sim ser verdadeiro com as minhas, para as pessoas ressoarem com a minha música”
Por não caber num só estilo musical, o cantor Ivandro sente-se um trovador, nome que dá título ao álbum de estreia, ontem editado, que conta com participação de Bispo, António Zambujo, Julinho KSD ou Vitor Kley.
“Não sou um cantor pop, porque também faço afro. Não sou um cantor afro, porque também faço pop. Não sou um cantor hip-hop, porque faço pop. Não sabendo encaixar-me, nem em que estilo é que caibo neste momento, sinto que sou um trovador. Eu só sinto a necessidade de fazer música para me expressar, para contar aos outros o que tenho para dizer, e gosto de fazer isso”, contou Ivandro, em entrevista à Lusa.
Aos 26 anos, Ivandro, soma milhões de visualizações em plataformas ‘online’ de música e vídeos. “Moça”, “Lua” ou “Como tu”, tema que gravou com Bárbara Bandeira, são algumas das suas canções mais populares.
Autodidata, quando era pequeno “chorou por uma guitarra” e os pais acabaram por comprá-la. Foi com ela que começou a tocar e a cantar músicas de outros artistas.
Foi em Algueirão-Mem Martins, freguesia do concelho de Sintra, para onde foi viver com aos 3 anos acabado de chegar de Angola, que conheceu os amigos a quem deve a inspiração e a motivação para se dedicar à música, bem como alguma da sorte com que foi bafejado no seu percurso.
“Tinha um amigo que fazia música, tinha um computador, um microfone e uma placa de som em casa, gravava as cenas dele. Estava em casa dele, comecei a cantar e ele disse-me que cantava muito bem. Deu-me motivação, gravámos uma cena e publicámos na internet, recordou”, afirmou.
Os primeiros temas foram partilhados há mais de dez anos no canal de Youtube que ainda mantém.
“Na altura, o canal chamava-se ‘why not records’ e entretanto troquei para o meu nome artístico, Ivandro [chama-se Joaquim Ivandro Paulo]. A reação foi logo fixe. Nessa época, ter mil visualizações era uma loucura e foi o que tive logo no primeiro dia. Aí pensei ‘será que consigo mesmo ser alguém no panorama musical?’”, partilhou.
Quando viu em palco artistas como Anselmo Ralph e Justin Bieber ficou “deslumbrado” com a forma como “a música deles fazia as pessoas sentirem coisas, tanto euforia como chorarem. Tudo por causa de uma música”. Nesses momentos, imaginava-se naquela posição questionava-se se algum dia tal seria possível.
Embora artistas famosos o fizessem pensar nisso, quem o inspirou a criar foram os amigos. “Tive sorte de estar no meio de gente que é apaixonada pela música. Por ter essa ligação através deles, mas também da religião”.
Em tempos, Ivandro foi Testemunha de Jeová — hoje mantém a fé, continua a acreditar em Deus, mas não é praticante — e as reuniões daquele movimento religioso incluíam o canto de louvores.
“Havia um livro de cânticos que tinha partituras e letras. Os meus amigos que percebiam mais ensinaram-me a ler partituras, a curiosidade foi surgindo daí. Havia sempre alguém com vontade, com disponibilidade, com espaço para fazer as coisas acontecerem”, recordou.
O percurso de Ivandro passou também por programas televisivos de talentos. Aos 17 anos, concorreu ao “Ídolos”, e dois anos depois participou no “Got Talent Portugal”.
No caminho até ao álbum de estreia, Ivandro destaca também o músico Firmino Pascoal, pai do também músico, e um dos grandes amigos de Ivandro, Tristany.
“Começo a investigar mais sobre a parte da produção, e a querer meter mais a mão na massa. Perguntei ao pai do Tristany se podia ir para o estúdio dele quando ele não estava lá. Esse é um daqueles momentos também importantes, para me dar aquela oportunidade de experimentar e poder crescer como músico”, referiu.
Foi por essa altura que largou a guitarra, passou para o computador e começou “a gravar pessoas e a produzir”.
“Gosto de acreditar que cheguei onde cheguei por causa de trabalho. Planear, imaginar, saber para onde vamos, apontar e tentar cumprir esses objetivos. Estando cá hoje e olhando para trás, o fator sorte também entra nesta equação”, admitiu.
O ‘rapper’ Bispo, que tal como Ivandro e Tristany, cresceu em Mem Martins, convidou o cantor para o acompanhar em concertos, nos coros.
“Mais tarde lançámos um tema juntos [“Essa saia”, em 2019], ele tornou-se meu ‘manager’, eu tornei-me artista da ‘label’ dele. Imaginar que do pedido dele vinha este caminho todo, não dá para ver instantaneamente”, disse.
Depois, surgiu a pandemia da covid-19: “Se a pandemia não tivesse acontecido tinha editado o álbum [de estreia] mais cedo. Mas seria outro álbum, não seria este. Estava em ascensão, tinha 2020 todo marcado, de repente cancelam tudo e fiquei receoso. Decidi lançar música na mesma, mas música solta que não faz parte do álbum”.
Em 2021, perdeu o receio e decidiu avançar com “Trovador”, divulgando os primeiros ‘singles’ do álbum: “Moça” e Lua”. Paralelamente foram sendo divulgados temas que gravou com outros artistas, como Bárbara Bandeira, Mizzy Milles ou Frankieontheguitar, “que funcionaram muito bem”.
Com o desconfinamento começou a ir para a estrada sozinho. Como já tinha feito concertos com Bispo, “já tinha bagagem”.
Até ter o álbum de estreia como queria passaram três anos, e pelo meio a participação no Festival da Canção (no ano passado como compositor convidado), nomeações e galardões nos PLAY – Prémios da Música Portuguesa e a música nacional mais ouvida em 2022 no Spotify (“Lua”).
A quem ouvir “Trovador”, Ivandro quer dar aquilo que sente que agora tem e consegue fazer: “apreciar a vida, não só nos momentos bons, mas também nos maus”.
“Vejo que não é uma batalha que passe por ela sozinho. Somos todos humanos, passamos todos pelas mesmas batalhas. Não preciso de estar a inventar histórias, mas sim ser verdadeiro com as minhas, para as pessoas ressoarem com a minha música. Quero ajudá-los com essas batalhas diárias que todos temos com os nossos sentimentos”, partilhou.
“Trovador” é composto por 21 temas, muitos com convidados – Bispo, Van Zee, Julinho KSD, Instinto26, M Huncho, Slow J, Pikika, Vitor Kley, Agnes Nunes, Marisa Liz e António Zambujo.