Entrevista. Ivo Canelas: “É um acto de coragem reconhecermos a fragilidade e pedirmos ajuda”
O ator português Ivo Canelas considera que reconhecer a fragilidade “é um ato de coragem”, a propósito do seu monólogo, em cena em Luanda, defendendo que o teatro serve também para abordar assuntos tabu como suicídio ou depressão.
Ivo Canelas falou em entrevista à Lusa a propósito da primeira internacionalização de “Todas as coisas maravilhosas”, que apresentou em Luanda na sexta-feira e no sábado, um espetáculo em que público e ator, juntos, refletem sobre temas complexos como a depressão, o suicídio e as doenças mentais, mas também estratégias de sobrevivência, como a música “que nos ajuda a definir quem somos ao longo dos anos”.
A música, um tema central neste monólogo escrito por Duncan MacMillan, é definidora da essência humana, e ajuda a transmitir o que não se consegue quando faltam as palavras, disse.
Sobre a apresentação da peça em Angola, país que visitou primeira vez, disse que apesar de ter sido escrita por um autor europeu, o britânico Duncan, fala sobre um tema que é universal e compreendido por todos os públicos.
“Não é um problema europeu, é um problema humano”, salientou, acrescentando que “talvez esteja mais claro e definido na cultura europeia”, pela forma como se está a construir uma sociedade,” mais afastada de um mundo natural”, mas realçando que estes temas — doenças mentais, depressão, suicídio — são transversais à humanidade.
O ator confessou que ao longo dos quatro anos em que tem realizado o espetáculo o tema do suicídio foi o que mais o surpreendeu, sendo ainda um tabu.
“Julgava que fosse algo mais distante de nós todos e fiquei muito surpreendido com a forma como a maior parte das pessoas me transmitiu que está muito perto, se não é a família, é um amigo, se não é um vizinho é um colega e só não está mais perto porque é um assunto tabu, não é algo que se partilhe com facilidade”, expressou.
Quanto à ideia de pedir ajuda, está ainda muito ligado à fraqueza, em vez de ser o oposto, notou.
“É um ato de coragem reconhecermos a fragilidade e pedirmos ajuda”, disse o ator.
Ivo Canelas disse acreditar que a arte, em geral, “tem o poder de ajudar a lidar com assuntos difíceis e complexos” que tocam a vida de todos, e, por isso, pode cumprir também uma função pedagógica.
“O teatro não tem de ser algo distante e frio, deveria representar a nossa vida e as nossas questões e obrigar-nos a pensar sobre elas”, adiantou à Lusa, sublinhando que a peça permite ao longo das duas horas “desligar a cabeça” dos problemas do quotidiano.
“Porque somos colocados em cheque quando estamos em contacto com a arte, com o teatro, com a literatura, com a música, mas de uma forma um pouco mais segura. Somos nós, mas não somos nós diretamente”, complementou o artista.
Quanto a futuras internacionalizações de “Todas as coisas maravilhosas”, diz que a apresentação está a acabar e é altura de fazer outras coisas.
“Foi uma viagem absolutamente incrível, mas estamos a chegar ao fim, fazemos agora Angola, ainda vamos aos Açores e à Madeira, mas não muito mais longe do que isso”, afirmou o ator, salientando que o espetáculo tem características especiais que tornam mais difícil “viajá-lo”.
Escrito por Duncan Macmillan, o monólogo estreou-se em Luanda através do Camões – Centro Cultural Português depois de mais de 250 espetáculos e cerca de 30.000 espetadores em Portugal.
O ator Ivo Canelas foi distinguido com o Prémio Espetáculo Solo pelo Guia dos Teatros 2020 e “Todas As Coisas Maravilhosas” integrou a lista dos 30 Melhores Espetáculos de 2019 pela Comunidade Cultura e Arte.