Entrevista. Joana Gama: “Gosto de improvisar, mas sinto que aos olhos dos outros isso me torna menos comediante”

por Gustavo Carvalho,    17 Agosto, 2021
Entrevista. Joana Gama: “Gosto de improvisar, mas sinto que aos olhos dos outros isso me torna menos comediante”
Joana Gama / DR
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A humorista vai levar a palco o seu “Diagnóstico”, num espetáculo de testes de stand-up comedy – e talvez com improviso e, quem sabe, pode também “apetecer cantar”. Nos dias 18 e 25 de Setembro, na Boutique da Cultura, em Lisboa, o objetivo será detetar os problemas (do texto, não da autora) e encontrar soluções. Partindo do sucesso (inesperado por parte da própria) do podcast “Psychoterapia”, espera ter uma narrativa relacionada com a saúde mental. O próprio cartaz tem dois balões que estão também tatuados no braço da humorista: “É tipo o Yin-Yang dos pobres. Um significa a tristeza outro a felicidade. E parecem uma pila ao contrário (risos).”

Conversei com a Joana para perceber melhor o que esperar destas sessões de “Diagnóstico” e de um futuro espetáculo a solo – já com todas as “soluções” no sítio. Os bilhetes para “Diagnóstico” custam 12€ e já estão à venda na BOL.

Estes testes vão servir para experimentares texto novo ou já tens o texto pensado para um espetáculo a solo e queres apenas limar?
Atualmente, pelo menos em Lisboa, não temos tido muitos espaços para atuar. Para ter uma boa rodagem tenho de repetir muito os sítios. Tenho de ir muito ao Lisboa Comedy Club, aos sítios da Pastilha Produções… E eu queria ter um espaço onde pudesse assegurar que, indo a cartaz, tenho o tempo que me apetecer para fazer texto. Porque tenho atuado, tenho testado texto, mas infelizmente ao não ir a cartaz só consigo testar dez a quinze minutos. Vinte se quiser ser mal-educada (risos). Não me sinto a evoluir tanto quanto gostaria nesse sentido, porque os meus textos têm uma lógica de narrativa, de opinião (pelo menos ultimamente, não estou a garantir que seja sempre assim). Estar a testar sempre só metade não me dá uma noção completa daquilo que eu gostaria de ter. A minha opinião fica a meio, não há o final do filme e isso tem-me enervado. Portanto estas sessões servem para testar durante mais tempo…

Quanto tempo mais ou menos?
Estou a pensar fazer por volta dos quarenta e cinco minutos. Em princípio teremos um ou dois convidados por noite, mas o objetivo é eu fazer a maior parte do tempo. Já deves ter falado com imensos comediantes, nós trabalhamos mais quando já temos as cenas marcadas (risos). Acho que só o Hugo Sousa é que trabalha diariamente… eu não. Quando tenho atuações dá-me a cena e bora. 

Então estás a escrever coisas agora, é isso?
Sim, basicamente ando aí a pensar o que quero fazer. Tenho imensos textos que guardo desde que comecei a fazer stand-up, mas a minha vida vai mudando, a minha cabeça vai mudando. Há coisas a que ainda acho graça. Há uma que li no outro dia. Foi a minha primeira piada em palco: “Sou tão organizada que quando nasci dobrei logo a minha placenta”. É estúpido, é uma das minhas primeiras piadas, mas eu penso… isto tem graça ou não tem!? Ainda assim eu gostava de me sentir motivada para pegar em todos os textos que já tenho e construir uma hora, mas não sei se tem qualidade suficiente. Portanto estas duas noites vão ser experimentação.

Uma das coisas que me lembro de teres dito quando falámos para o podcast é que quando lançasses um espetáculo a solo ias tentar ter algum tipo de narrativa. Já percebeste qual irá ser mais ou menos essa linha narrativa?
Estou muito aborrecida, porque tenho muito medo de ser um one-trick pony. Tenho vindo a descobrir dentro do meu humor a temática da saúde mental, daí o meu podcast se chamar “Psychoterapia” e isto se chamar “Diagnóstico”. Imagina, quando tiver um solo pode ser “Terapia”, ou “Cura”, ou a “Alta”, uma cena assim. Irrita-me um bocado eu andar sempre à volta do mesmo tema, mas o que é facto é que eu falo sobre mim e este é um tema ao qual eu me associo muito pessoalmente. Acho que a narrativa será sempre algo pessoal e que provavelmente terá a ver com a necessidade que todos nós temos de nos ajustar à realidade (mas não necessariamente com patologias mentais). Psicologia, filosofia, por aí. Portanto sim, há um tema que vai surgir de certeza, e estas noites vão servir um bocadinho para o encontrar. Eu já percebi que consigo fazer com que as pessoas se riam, será que consigo elevar um bocadinho o nível e sair um bocado da graça fácil? Isto na minha opinião extremamente crítica de mim própria. Será que consigo mostrar mais alguma coisa? Tenho de perceber e não tenho tido espaço para isso, infelizmente.

O que é que queres dizer com essa questão da “graça fácil”?
Eu gosto de fazer stand-up, mas se eu pudesse e conseguisse não ia com texto para palco. Fazia um Carlos Moura, estás a perceber? Que é: “Natal? Olha Natal… renas. Falemos de renas. Tenho aqui ideias de um texto que fiz em 1972.” E de repente vou buscá-lo. Porque o texto a mim espartilha-me, por ter o objetivo de o decorar para ter segurança. Eu quando tenho texto e estou em palco estou nervosa, e sei que a minha esponteinade e o meu improviso resultam. Mas o improviso é sempre muito mais rápido do que o resto. É normal que o nosso cérebro vá para o trocadilho, que eu adoro. Adoro trocadilhos, chamem-me Mariana Mota ou o que quiserem. Não me vão matar o trocadilho, caguei. Mas no improviso vou para coisas mais imediatas e às vezes gostava de ser um bocadinho mais elaborada. Como o Conan O’brien… Quando o monólogo não resultava ele fazia a dança dos mamilos e de cortar as cordas. Eu tenho essa se quiser, mas uso em caso de falha. Preferia que não houvesse falha.

Mas então achas que estar muito restrita ao texto é graça fácil ou não é isso?
Tenho de aprender a aceitar o meu estilo. Daquilo que sinto em stand-up comedy, hoje em dia, acho que estamos a julgar muito a diferença. Se é mais improviso, é porque é humor de improviso, são todos uma merda. Se é trocadilho é tudo uma merda. Se faz humor negro é ganda merda. Aqui no meio, uma pessoa que está a tentar criar e descobrir-se pensa: “Eu sou uma merda.” Ou faço isto da maneira clássica, que é apresentar um texto em que no final as pessoas pensam: “Conclusão do caraças”; ou então tenho de me aceitar exatamente como sou. Só que eu também sou uma pessoa que julga as outras. Como é que eu aqui no meio… Imagina, no outro dia tive uma conversa sobre “Banana-Papaia” e disse: “Aquilo é comédia de improviso.” E a pessoa respondeu-me que não, que é um podcast ao vivo. Isso ofendeu-me, percebes? Porque é que aquilo não é comédia de improviso? Porque antes foi um podcast de comédia de improviso? Agora como há imensos podcasts que vão a palco de repente o formato de humor que a Rita [Camarneiro] e eu criámos passa a ser só um podcast. Essa questão das etiquetas e dos formatos ainda me limita muito. Gosto de improvisar, mas sinto que aos olhos dos outros isso me torna menos comediante. Irrita-me que me importe com isso.

Acho que a expressão que usaste na altura em que te entrevistei era que querias criar um espetáculo que fosse “comédia em palco”, não necessariamente stand-up comedy. O propósito destes testes também vai ser descobrir exatamente o que é isto?
Sim, no fundo o que quero é tempo de antena para ter liberdade de criar. Quando marco atuações de quinze minutos, o que faço de emergência é ir buscar o último texto de meia hora que tenho, deito fora tudo aquilo em que estiver insegura e vou fazer estes quinze minutos até os decorar mais ou menos bem. Tendo quarenta e cinco minutos eu vou ter de pensar na minha vida, vou ter de pensar o que é que me vai dar gozo fazer; quem são as pessoas que vão comprar bilhetes. Apetece-me falar a sério? Apetece-me só fazer rir? Apetece-me cantar e ser o César Mourão? Apesar de estar em pânico acho que vai ser interessante ver o que é que me sai.

Estavas a dizer que vão ser quarenta e cinco minutos a atuares. Quanto é que pensas de levar de texto escrito? Tens noção ou ainda estás a definir?
Não faço ideia. Esta é a pior entrevista (risos). Das duas uma: ou tenho meia hora de cortes e recortes que já tenho, mas muito bem selecionados porque não quero dar às pessoas que me têm visto a atuar nos últimos tempos o mesmo texto. Posso fazer um pot-pourri de meia hora e os outros quinze minutos não faço ideia. Uma vez contei um episódio muito traumático da minha vida em storytelling e consegui explorar um trauma, fazer catarse em palco, mas ter muita graça também. Um bocadinho como a Hannah Gadsby, antes da Hannah Gadsby (risos). Sem a dicotomia do “agora é stand-up; agora já não é”. Eu queria falar a sério mas com esta disfonia do humor: tipo “Morreu-me o pai e a mãe, mas é fixe porque assim posso usar o carro deles sem ter de pedir”. Brincar aqui com a depressão e a dissociação. Queria experimentar nesses quinze minutos para já, mas a intenção é termos mais noites e se assim for o objetivo é ter tempo para experimentar tudo aquilo que quiser enquanto houver pessoas que queiram pagar.

Se gostavas de explorar esses momentos de catarse, de humor e drama, como queiramos chamar, porque é que são só quinze minutos?
Porque tenho medo caralho (risos). É já em setembro!

Okay! “Tenho medo” é uma resposta válida (risos)
Imagina que nestas duas primeira noites o texto que faço corre suficientemente bem para não me cortar em casa, mas os outros quinze minutos dão-me muito prazer. Imagina que eu faço isso e que saio de lá a pensar: “Este é o meu propósito enquanto humorista/comunicadora.” Nas outras sessões, se as houver, provavelmente os quinze minutos passam a trinta. Começo a desocupar espaço. Isto é que eu acho que são testes de stand-up. Não é malta que já tem o texto limadinho de há bué de tempo e depois fazem umas alterações antes do solo só para ter a certeza. Estou mesmo a testar puro e duro. Ao ponto de se calhar nem ir fazer mais sessões porque me mato (risos).

Esta é a tua última entrevista?
Exato (risos). É a primeira e última… deste mês.

Na sinopse diz que “todos pensarão em conjunto sobre qual o problema.” Isto significa que vai haver interação?
Se é uma noite de testes a reação das pessoas vai ser importante para perceber quais os problemas do texto. Poderá haver interação como poderá não haver. O que eu queria dizer nesse contexto era… Na história do “Psychoterapia”, que é a história da minha vida, os primeiros episódios sou eu a explicar os problemas que tenho na minha cabeça e a primeira temporada acaba comigo a dizer que vou ao psiquiatra. O primeiro episódio da terceira temporada (que a segunda é ao vivo, não interessa), sou eu a dizer que tive um diagnóstico. Desde que soube que tinha um diagnóstico que a minha maneira de ver a vida mudou por completo. Estou a tomar comprimidos e estão a existir muitas mudanças na maneira como eu vejo o mundo, como me comporto e tudo o resto. Fazia sentido depois de um “Psycho” haver um “Diagnóstico”. E o título também faz sentido tendo em conta que são testes de stand-up. Sendo uma noites de testes eu não estou a oferecer cultura às pessoas. Estou a fazer cultura com as pessoas. Se as pessoas não se rirem aquilo morre. Se se rirem aprofundo, depois podemos falar sobre isso no fim ou não. Não sei.

Para quando é que prevês depois teres mesmo o espetáculo a solo?
Neste momento a minha carreira é dirigida pela Setlist. Nuno Pires e Henrique Lourenço, que além de serem meus agentes são também meus pais e têm de cuidar muito bem de mim e de me disciplinar e educar. Eu por mim se vou estar agora a fazer quarenta e cinco minutos em noites de teste, porque é que não faço um solo para o ano? Agora é ver quem ganha, se a criança se os pais (risos).

Mais espetáculos de “banana-papaia” vão existir?
Sim, até eu e a Rita nos cortarmos todas ao meio. Estamos a estudar os próximos convidados. Vai haver em setembro e em outubro. Acho que para já queremos manter o registo mensal até por causa dos meus próprios espetáculos, para não canibalizar uma bilheteira e outra.

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