Entrevista. João Quadros: “Acho a condição humana muito triste”
Ainda não tenho a sorte de o conhecer pessoalmente – isso vai ficar para depois – mas sou um admirador confesso do trabalho daquele que é, sem grande margem para contestações e pelas palavras do próprio, o homem com “o melhor currículo como argumentista de humor em Portugal” e que escreveu, entre milhares de outras coisas, o guião e os textos de um dos pontos altos da carreira de Herman José – Herman Enciclopédia.
O meu primeiro convidado chama-se João Quadros e se há coisa que consegue sempre que abre a boca ou bate nas teclas (ou no ecrã do seu smartphone) do computador, é fazer com que ninguém fique indiferente ao que diz ou ao que escreve.
Foi a 1ª pessoa em que pensei quando tive a ideia de fazer isto e o primeiro a dizer que sim.
Pedi-lhe um perfil. Ou melhor, pedi-lhe que me escrevesse umas linhas para me dizer quem é o João Quadros e não o que é que o João faz.
E foi assim que se descreveu:
“O João Quadros é um tipo que não gosta muito de pessoas e da vida em geral. Adoro os meus filhos. Vivo em grande parte só por causa deles. São tudo para mim. Preciso muito de espaço e de estar sozinho. Odeio injustiças, o meu coração acelera. Não acredito em nada pós morte, nem tenho medo de morrer. Talvez por isso não tenha medo físico de nada. Tenho várias depressões. Na verdade eu nunca compraria um bilhete para a vida. Acho a condição humana muito triste.”
E assim, sem mais nem menos, na última frase, do seu perfil, o João deu-me o título desta entrevista.
Porque é que escreves e porque é que começaste a escrever?
É a minha profissão. Eu nunca gostei do que fazia – Gestão Financeira – e desde pequeno que escrevia pequenos contos. O meu pai é um grande leitor e eu herdei isso dele – até aos 40 não me lembro de ter passado um dia sem ler.
Quando é que sentiste que era isto que querias fazer da vida? Lembras-te?
Desde sempre. Desde que me lembro que sempre tive o sonho de escrever um livro, um filme, etc. Fui atrás disso.
Recordas-te da primeira vez que provocaste algum tipo de impacto em alguém com aquilo que escreveste?
Foi na quarta classe. Toda a gente achava que eu era maluco porque as minhas redações fugiam totalmente ao estilo que era esperado. Se havia a habitual redacção da vaca e do leite, eu fazia-a partindo do ponto de vista do leite. O leite era uma família num copo e vinha uma pessoa que bebia o avô e a avó, e por aí fora.
Quando é que começas a ser pago para escrever?
Assim que escrevi o primeiro sketch. O Nuno Artur Silva estava a fazer as Produções Fictícias e tinha começado a escrever para o Herman (José).
Tinha-me despedido da Gestão e depois inscrevi-me num curso de escrita criativa.
Para aí na quinta aula o Nuno perguntou-me se queria experimentar escrever um sketch para o Herman José. Claro que eu disse que sim. Escrevi o “Eu é que sou o Presidente da Junta” – o Herman adorou e no fim-de-semana seguinte o sketch estreou na RTP1, no Parabéns.
Recebi 150 contos. O que na altura era muito dinheiro.
O que é que fizeste ao dinheiro?
Gastei tudo na noite.
Tiveste algum mentor? Alguém que possas dizer que é a pessoa responsável por hoje ser esta a tua vida?
Foi o Nuno que me descobriu, mas foi o meu médico, pediatra – Doutor Ramos de Almeida – e que me fez nascer, que quando leu as minhas redações, porque pensavam que eu era doido, adorou e incentivou-me a escrever – Publicavam os meus contos no DN Jovem.
Já tiveste vontade de parar de escrever?
Gosto de parar durante um mês, ou assim. Mas não mais do que isso.
Se não fizesses isto da vida, o que é que estarias a fazer?
Não faço ideia. Eu fui o melhor aluno a matemática quando estava na Universidade. Talvez tentasse qualquer a ver com exploração espacial.
Qual foi o teu melhor trabalho até hoje?
O Herman Enciclopédia, o Último a Sair e alguns episódios do Tubo de Ensaio (Podcast na TSF, escrito por mim e narrado pelo Bruno Nogueira).
Já sentiste vergonha de alguma coisa que escreveste?
Claro. Tive de escrever coisas como a Gala da TVI. Não gostei. Tive vergonha. Mas dá dinheiro.
Por onde é que começas? Texto ou título? Porquê?
Texto. Eu não penso no que vou escrever. Começo e vou por ali fora. Vejo as imagens na minha cabeça e escrevo.
Há muito trabalho e dedicação, ou acreditas que o talento é suficiente?
Há muito, muito trabalho. Mas sem talento, não dá.
Disseste-me, há uns tempos, que escreves quase sempre à mesma hora. Para além disso, no teu dia-a-dia, tens alguma rotina, ou escreves quando calha?
Tenho muitas rotinas. Trabalhar em casa obriga a isso. Caso contrário arrastas o trabalho durante o dia todo.
Como é que reages às críticas?
Não ligo muito, nem às boas nem às más. Acho que tenho noção quando faço bem ou mal.
O que é que achas do teu trabalho?
Nessas coisas não tenho problema nenhum em dizer que tenho, de longe, o melhor currículo em Portugal como argumentista de humor.
Tens autores de referência?
Tenho, mas mais na escrita de romance, como o Joseph Conrad. Mas claro, a nível da escrita de humor há os Monty Python e o (Ricky) Gervais.
Há algum livro, texto, guião ou outro trabalho qualquer de outra pessoa que gostavas de ter sido tu a escrever?
Tudo o que o Conrad escreveu. Gosto sobretudo que os heróis dele tenham vários defeitos.
Tens quase 180 mil seguidores no Twitter. Qual é o papel da rede na tua vida profissional?
É como o pequeno bar onde vou testar piadas. É também um personagem que inventei – @omalestafeito – para ter contacto com as pessoas. Eu não gosto muito de aparecer.
Obrigado, João. Até breve.
Entrevista de Martim Mariano, originalmente publicada em O Que Dizes Tu?, tendo sido aqui divulgada com a devida autorização.