Entrevista. John Travolta: ‘Apenas sonhei em pagar as contas e manter o apartamento com o salário de actor’
Convenhamos que nem todos os actores se podem gabar de terem emojis feitos a partir de personagens suas. Algo de que diverte o actor de olhos azuis penetrantes que contagiou meio mundo em 1977 com o ritmo inebriante e os movimentos discoem Febre de Sábado e recuperou um novo estilo em Brilhantina. John Travolta veste agora a pele de vilão, mas sem deixar de ser simpático, ao assumir o semblante do extravagante John Gotti, o mobster do crime organizado muito amado pelo público, no filme biográfico Gotti – Um Verdadeiro Padrinho Americano,ao lado da mulher Kelly Preston, com quem vive há quase 30 anos, e dirigido por Kevin Connolly, o actor que fazia de agente na série Entourage/A Vedeta. Tivemos encontro com hora marcada em Cannes, para falar trocar impressões com John (mas também com Kelly e Kevin) horas antes de mudar de roupa e dançar na praia a celebrar o 40.º aniversário de Grease/Brilhantina. Ele que admite até conversações para ser um novo vilão na franquia Bond.
Seguramente, a penthouse do glamoroso Hotel Carlton, provavelmente o mais badalado da Avenida Croisette, terá testemunhado encontros históricos com figuras ímpares do cinena. Por isso mesmo, este era o setting perfeito para interrogar o ator que comemorará o ano que vem 25 anos da Palma de Ouro para o filme Pulp Fiction de Quantin Tarantino e produzido pelo agora infame Harvey Weinstein. Ei-lo a entrar na sala, de mão estendida exibindo o sorriso e tal olhar azul brilhante que tão bem conhecemos. Agora nem um vestígio do carácter sombrio com que o actor de 64 anos assumiu a personalidade de John Gotti.
Acabei de ver agora mesmo o comunicado de imprensa sobre os 40 anos de Grease/Brilhantina. Está pronto para dançar na praia?
John Travolta – Sim, lá estarei para apresentar o filme e convidar toda a gente para dançar na areia (risos). Não é incrível como este filme continua a criar toda este energia?
Sim, tal como Pulp Fiction, Saturday Night Fever ou Face Off, entre outros dos seus hits que parecem resistir ao tempo.
É verdade, todos esses filme são ainda muito vistos. Parecem ser intemporais. O Pulp Fiction tem 24 anos, mas muita gente ainda o vê na net. Tal como o Greasee o Saturday Night Fever. Existem mesmo emojis de mim nesses filmes!… Como poderemos prever um fenómeno semelhante?
Emojis? Não fazia ideia. Alguma vez sonhou que Pulp Fiction seria um fenómeno tão grande?
De maneira nenhuma. Pensei que até poderia ser alo como Reservoir Dogs/Cães Danados (1992). Talvez até um pouco mais popular, porque tinha o Bruce (Willis) e eu. Poderia ser talvez mais pop. Por outro lado, é um filme de 2h34m. É um filme longo.
Tem alguma percepção de quando um filme terá longevidade?
É uma boa pergunta, mas não sei se haverá maneira de prever isso. Sem tentar ser egocêntrico, acho que fui apenas afortunado. Mas acho que tenho mais filmes atemporais do que grande parte dos meus colegas. Talvez por razões de cultura pop parecem que continuam ligados e a interessar novas gerações.
Como é que um ator se revê nesses ícones? Consegue distanciar-se deles?
Sim, consigo. Consigo realmente, porque já foram afirmados há algum tempo. Encaro-os apenas como o vestido branco de Marilyn ou o blusão vermelho de James Dean, o boné do Brando ou o fato de banho da Elizabeth Taylor. Não os vejo de forma diferente que essas imagens visuais que definem um tempo ou um filme. Posso ter uma ligação mais próxima, mas encaro-os dentro da cultura com que cresci.
Percebe-se que gosta de assumir riscos. Houve algum papel que se sentiu tentado a rejeitar?
Terei de ser um pouco cauteloso com essa resposta. Existirá algum tipo de equilíbrio ou redenção nessas personagens, se não tivermos cuidado. Mas existe um arco. Mas houve muitos guiões em que disse: ‘não consigo resolver isto’.
O John Gotti é uma personagem muito sombria. É verdade que usou as sua roupas dele e até o mesmo seu perfume? Isso ajudou-o?
Sim, é verdade, usei o perfume dele. Tinha o casaco dele, os botões de punho, o relógio, a camisa. E serviu-me. É interessante porque ele é mais baixo do que eu. Realmente, gostei de usar essas coisas. Senti que me ajudaram.
É um pouco assustador, não acha?
Arrepiante, sim. Mas a família disse que podia usar o que quisesse. E eu aceitei. Eu queria isso mesmo.
Que recordações particulares tem sobre o John Gotti?
Acima de tudo gostava de pesquisar as razões pelas quais as pessoas gostavam tanto dele, porque era ele tão popular. Entretanto percebi que ele não deixava que os negócios dele entrassem na vida privada. Até porque ajudava muita gente, doentes, pessoas carenciadas. Apesar da vida criminosa regressava sempre à sua comunidade. Era o lado mais leal da ‘cosa nostra’. Ele era muito dedicado à família e ao seu bairro, ao mesmo tempo tinha aquela vida brutal e criminosa.
Qual será o segredo da sua longevidade? Pergunto, porque é um verdadeiro sobrevivente de Hollywood. Já fez de tudo e mantém toda a sua credibilidade.
Tal como o meu amigo Gérard Depardieu já sobrevivemos a grandes dramas na nossa vida pessoal, mas conseguimos permanecer consistentes na nossa devoção de fazer bons filmes, trabalhar bem. Mesmo que alguns deles não funcionassem. Sempre foi isso que senti. Um dia, fiz a mesma pergunta ao Warren Beatty, que me disse: “Faz apenas bons filmes”. O que ele quis dizer com isso não foi fazer filmes de sucesso, mas aqueles que achava que seriam de qualidade. Seria a forma de não comprometer o meu gosto e de me empenhar totalmente. Acho que o Gérard fez isso, o Warren fez isso.
Alguma vez pensou que se tornaria no ícone que conhecemos hoje?
Honestamente, não posso dizer isso. Mas sempre tive pessoas boas do meu lado que me ajudaram a sentir assim. E injetaram-me uma luz que me mostrou o caminho. Eu só queria representar e entreter as pessoas. E ao mesmo tempo divertir-me. Sinceramente, apenas pensei ganhar a vida como ator. Pagar as contas e manter o apartamento. Não sonhei com nada mais ambicioso. Bastava-me isso para ser feliz.
É verdade que quer fazer um filme de James Bond?
Sim, cresci a ver esses filmes. Eu tinha oito anos quando estreou o primeiro Bond e fiquei logo fascinado. É algo da minha infância que permanece comigo. Não fico impressionado com os filmes da Marvel, mas com os Bond sim. Acho que posso fazer um bom vilão da saga Bond. Isso concretizaria os meus sonhos de infância.
Entrevista de Paulo Portugal em Cannes, em parceria com Insider.pt