Entrevista. Jordan Rakei: “Quero inspirar as pessoas a olharem para dentro de si e a perceberem com o que estão a lidar”
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Na sua segunda vinda a Portugal, por força do EDP Cool Jazz (tinha cá estado em 2018), o neozelandês Jordan Rakei traz uma bagagem musical bem mais apetrechada. Então muito vinculado ao jazz, ao R&B e às fragrâncias de hip-hop com as quais polvilhava o seu trabalho, o músico foi dando outros ares da sua graça ao longo destes quatro anos. Foi mais nostálgico em “Origin” (2019), mais complexo em “What We Call Life” (2021) e ainda mais ritmado agora no mais recente EP, “Bruises” (2022). Entre estes anos, ainda teve tempo de criar o seu alter-ego eletrónico, Dan Kye (uma truncação do seu nome, JorDAN RaKEI, que se lê “Kye”); para além de, nas suas “Late Night Tales” (2021), ter incluído a própria representante portuguesa na Eurovisão, Maro, quando poucos a conheciam por cá. Não obstante o seu percurso já rico, ainda muitos estão por descobrir um universo musical que continua a ser tão fértil como expansivo.
Como é que nasceu a tua paixão pela música?
Bem, cresci num seio familiar em que a minha mãe cantava imenso pela casa fora e o meu pai também adorava música. De igual forma, tínhamos um vizinho que estava a tentar despachar um piano e nós ficamos com ele e aí foi o início. Tinha cinco anos e já o tocava [risos]; e o meu irmão lá dizia: “está calado!”. Tínhamos os instrumentos em casa e, como já disse, a minha mãe estava sempre a cantar e, apesar de ninguém ser músico, cresci num meio que adorava música.
És neozelandês e passaste a viver em Inglaterra no início dos teus vintes. O que é que achas que essa mudança de país trouxe para a tua vida e para o teu trabalho?
Quando fui para Inglaterra, sabia que ia colaborar muito musicalmente, mas não tinha a sensação de quanta gente vivia em Londres, em especial a fazer música neste mesmo mundo que eu. E faz sentido. Mal cheguei, nas primeiras duas semanas, já tinha trabalhado com o Tom Misch, com o Alfa Mist, até com o Yussef Dayes, na sua antiga banda [United Vibrations], com o Oscar Jerome, com o Joe Armon-Jones. Londres está repleta destes artistas e eu não sabia. Havia chegado e, numa questão de dois meses, já tinha colaborado com, para aí, uns cinquenta. Vê-los, agora, em meu redor e a crescer, cada um à sua maneira, é incrível. O Yussef, por exemplo, está ao rubro.
“A longo prazo quero ser um artista pouco ortodoxo e, para isso, tenho algumas aspirações. Quero escrever música para cinema — talvez uma comédia [risos] —, quero compor na íntegra para uma produção teatral, e, com isto, entenda-se teatro in situ, no momento.”
De que forma as tuas raízes maori [o povo nativo da Nova Zelândia], do lado do teu pai, influenciaram a tua personalidade artística?
O meu pai é das Ilhas Cook, um arquipélago no Pacífico perto da Nova Zelândia. Lá, o reggae é um género musical muito ouvido, é quase fundacional e foi fundacional para o meu pai. Foi no reggae que também comecei, mesmo com os ritmos que se ouve no bass and drums. Continua a ser importante para mim e, sim, teve influência.
A tua música começou por se fixar muito numa vibe de R&B e de hip-hop, misturada com toques de um jazz mais contemporâneo. Depois de já teres alguns álbuns gravados, e com o teu novo EP [“Bruises”], como é que a descreverias hoje?
A transformação é, basicamente, desde o início, quando lancei o meu primeiro EP, em 2013 [“Franklin’s Room”], em que defini que cada projeto tinha de soar diferente do seu anterior. Isto porque quis puxar por mim, criativamente. Assim, como disseste, comecei numa vibe mais soulful, com o hip-hop, e depois, mesmo no meu segundo álbum [“Wallflower”, de 2017], derivei um pouco mais para a música eletrónica; no terceiro, o “Origin” (2019), mais animado e contemporâneo, ainda com o soul, e agora no último [“What We Call Life”], enquanto estava a compor, queria fazer algo mesmo muito diferente do que já tinha feito. Por isso é que é mais abstrato, eletrónico, com o recurso a percussão, com sons estranhos, com o uso, também, de sintetizadores. Aventurei-me [risos]. Foi muito divertido, porque é algo que nunca tinha feito outrora e eu cresci a ouvir artistas, como o D’Angelo e o Stevie Wonder — é aí que bebo muito do soul —, mas também adoro a Bjork e os Radiohead. Foi aí que entrei mais pela eletrónica e pela música progressiva. É esta a jornada, não sei o que irei fazer a seguir.
Disponibilizas, no teu Patreon, uma série de possibilidades dos teus fãs interagirem contigo, desde conhecerem de perto a composição das tuas músicas até colocarem-te questões diretamente e assistirem a acústicos em exclusivo? Qual tem sido o feedback?
Tem sido incrível. É algo tão bom e apercebi-me agora, depois de ter criado o Patreon, de há dois anos para cá, adoro ensinar pessoas, a dar dicas. Quando comecei, não tinha tutoriais online ou quem ensinasse e tive de aprender tudo sozinho. Há imensa gente criativa no mundo, mas que depois esbarram na parede informática, já que não sabem usar o computador ou gravar analogicamente. Se eu conseguir ensinar os fundamentos, em especial no computador, qualquer um pode florescer criativamente, superando a tal barreira. É bom dar as ferramentas às pessoas para gravar melhor e mais rapidamente e tem sido incrível.
Ainda repescando o teu anterior álbum, “What We Call Life”, é um dos mais introspetivos que produziste e acompanha o teu desenvolvimento mental. Como foi esse caminho?
Definitivamente, acho que, quando a pandemia surgiu em março de 2020, e tinha acabado de gravar alguma música para o álbum, mas não tinha escrito as letras, essa pandemia, como a todos, levou-me a ficar fechado em casa, sozinho, sem ver os amigos. A minha mente começou a correr e a percorrer todo o meu passado, a infância, a minha relação e outras coisas, como a relação com os meus irmãos, com os meus pais e comecei a escrever sobre isso, a falar de alguns temas que descobri nessa altura. Liricamente, podes chamá-lo introspetivo e mais triste, porque enfrenta as coisas mais negras da minha mente. Foi um tempo de reflexão, porque o coronavírus assolou o mundo e toda a gente atravessou uma fase menos positiva.
Tens algum ritual quando fazes música ou quando sobes ao palco?
Sim, tenho, embora sejam um bocadinho entediantes. Faço aquecimento à voz por uns quinze minutos, quando faltam vinte para subir ao palco. De vez em quando, tento, também, fazer uma pequena meditação para, por exemplo, em Lisboa, situar-me: “estou em Lisboa, estou em Portugal”. Trazer-me para o momento para não estar no palco e num mundo distinto, mas aqui e agora. Faço-o bastante, porque, apesar de tudo, está um milhar de pessoas lá fora e é fácil enervares-te. E torno-me, tipo, “ok, acalma-te e relaxa” [risos]. É um break a leg para mim mesmo.
Tens alguma referência fora da música, seja no mundo artístico ou fora dele?
Gente que me inspira? [Sim]. É engraçado, porque me considero uma pessoa feliz e a música que ouço é uma mistura de feel good e um pouco menos bem; mas, visualmente, gosto de arte visual mais sinistra e funesta. Adoro pintura, especialmente o surrealismo, porque gosto do que as pessoas fazem que foge à norma. A mesma coisa para a música, adoro a que foge daquilo que já existe. Por exemplo, dentro do folk, adoro o folk alternativo, porque há ali algo que é diferente; a mesma coisa para o k-pop, que não é hip-hop puro. Adoro gente que faça essas coisas distintas. Existe um poeta chamado Saul Williams, que é mesmo estranho [risos], e não é um poeta convencional. É alguém em quem me inspirei liricamente, porque usa metáforas bem abstratas, fala do mundo e do universo. É uma inspiração, assim como essa arte surrealista.
Desenvolveste um alter-ego com traços bem mais eletrónicos e clubby, de seu nome Dan Kye. O que é que te deu para o criares?
Nessa altura — é engraçado agora, porque ainda ando a fazer música eletrónica como o Jordan —, eu andava a fazer música soul e queria fazer dance music. No entanto, não queria confundir os meus fãs e, como tal, criei este projeto paralelo e as primeiras músicas que compus — que estão no meu primeiro EP [“Joy, Ease, Lightness”, de 2016] — enviei-as para o meu amigo da secção britânica da editora que o lançou [Rhythm Section International] e ele pediu-me para fazer mais duas para lançar na forma desse EP. Eu, na altura, não sabia o que fazer, mas foi aí que nasceu o Dan Kye. De uma certa forma, adoro o Dan Kye da mesma forma que adoro a música do Jordan, a minha própria [risos]. Adoro EDM [electronic dance music, ou música eletrónica] e, provavelmente, será o próximo projeto que farei, um novo álbum do Dan Kye.
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Já colaboraste com bastantes artistas contemporâneos de grande qualidade, como o Tom Misch, o FKJ, o Bonobo ou os Disclosure, entre muitos outros. Com quem gostarias de colaborar no futuro?
É uma boa questão. Similar aos temas que explorei e à alteração que fiz da minha música, adorava fazer algo como o Pharrell [Williams] fez em 2003, quando andou a produzir álbuns de popstars, como o do Justin Timberlake [“Justified”, de 2002], com aquele som clássico incrível. Aí, ele conseguiu pôr a sua marca criativa. Mas gostava de colaborar com o Frank Ocean, seria brutal ou… nem sei, o Harry Styles? [risos]. Mas sim, adorava produzir álbuns de grandes estrelas, isso era porreiro.
Tens alguma mensagem ou causa social que queiras destacar com a projeção que tens conquistado com a tua música?
Aquilo que tento inspirar os outros a fazer é com que falem abertamente das suas dificuldades com outras pessoas e desempacotem o seu interior, porque nem nos apercebemos do que outros passam por algo. De igual forma, que se tornem mais empáticos na forma como veem o mundo, em vez de lutarem internamente com as suas adversidades. É isso que quero com a música que faço e com as letras que escrevo: inspirar as pessoas a olharem para dentro de si e a perceberem com o que estão a lidar.
Vens cá ao EDP Cool Jazz, mas já cá estiveste neste evento há 4 anos. O que conheces de Portugal e da sua música? (fora a Maro, que apresentaste nos teus “Late Night Tales”)?
Adoro a Maro! Conheci-a há uns anos, porque ela tocava na banda do Jacob Collier e, como referido, foi uma das minhas “Late Night Tales”. Mas o que eu adoro em Portugal é, sempre que eu vou aí, sente-se uma energia diferente, incrível, um bocadinho similar à Austrália, onde toda a gente está feliz, já que o tempo é tão bom, e onde estão sempre dispostas a boa música. Quando aí fui, o público foi fantástico, porque é tão feliz e eu fui feliz aí. Às vezes, metes-te num beco [risos] e, no resto da Europa, a gente é fria, mas, em Lisboa, é mais alto astral. Quando toquei aí, no EDP Cool Jazz, há quatro anos, lembro-me de ver toda a gente sentada, num ambiente bonito e incrível, num espaço amplo… foi tão bom, que mal posso esperar para voltar. Mas não, não conheço muita música daí.
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Existe alguma outra cultura em específico que te puxe ou que te encante?
Uma das coisas que gostaria de fazer era, precisamente, ir às Ilhas Cook, de onde o meu pai vem, e colaborar com os músicos locais. Fazer lá um álbum, como Dan Kye ou com umas músicas do Jordan. Um dos meus produtores de dubstep preferidos, chamado Mala [parte, ao lado de Coki, da dupla Digital Mystikz], que foi a Cuba e gravou com músicos de jazz locais. O resultado final [“Mala in Cuba”, de 2012] é incrível, repleto de energia. Gostava de fazer a mesma coisa nas origens do meu pai e de conectar-me com essa cultura dele.
O que é que queres fazer com a tua música no futuro?
Sinto que quero mudar. Não sei o que vem a seguir, mas, depois de ter lançado o “What We Call Life”, que foi um álbum mesmo muito cansativo, porque tem tantas camadas e é tão intenso, disse para mim mesmo: “quero que o meu próximo seja bonito e pacífico, calmo e leve de se ouvir, relaxante”. É o que estou a imaginar agora, compor um disco que seja agradável e bom de se ouvir. O meu anterior tem canções com muita trepidação e muito abstratas, de certa forma, duras, o que adoro, mas quero que seja relaxante e bom. A longo prazo quero ser um artista pouco ortodoxo e, para isso, tenho algumas aspirações. Quero escrever música para cinema — talvez uma comédia [risos] —, quero compor na íntegra para uma produção teatral, e, com isto, entenda-se teatro in situ, no momento. Posso continuar a lançar álbuns, mas quero desafiar-me sempre mais e fazer algo diferente. Estes são os meus sonhos, talvez mudar aqui e ali, mesmo com instrumentos novos, mas estou e estarei feliz com o que acontecer daqui em diante.