Entrevista. José Carlos Mota: “É importante transformar uma aula num permanente processo de inquietação, curiosidade e pesquisa”
José Carlos Mota é professor do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território (DCSPT), e considera que a Universidade de Aveiro atravessou três fases na relação com a comunidade: cooperação com o tecido industrial, relação com as autarquias da região e aproximação às comunidades locais. “A falta de cultura participativa dos portugueses é um ‘mito urbano’”, contesta.
Como define um bom professor? Na sua perspetiva, que caraterísticas deve ter um bom professor?
Não é fácil captar a atenção de um aluno ao longo de uma aula ou de um semestre. Há estudos que mostram que as metodologias ativas de aprendizagem baseadas em demonstrações e questões mantêm os alunos atentos e estimulam o interesse pelas matérias. Pelo contrário, as aulas em formato de palestra tendem a ser menos eficazes. Nesse sentido, é importante procurar transformar uma aula ou uma unidade curricular num permanente processo de inquietação, curiosidade e pesquisa. Para isso, um docente tem de ser um estudioso das matérias, um bom comunicador e alguém disponível para acompanhar o aluno nesse caminho longo e difícil da aquisição e sedimentação de conhecimentos.
O que mais o fascina no ensino e na função docente?
A vida académica tem desvalorizado a função docente em detrimento de outras como a investigação, por exemplo. Considero que a função docente é a mais nobre das atividades académicas pois é aquela que permite ajudar um aluno a crescer como pessoa, como profissional e como cidadão. Por outro lado, ajuda-nos também a nós docentes a evoluir e a apurar a clareza e a argumentação.
Como qualifica a formação que é dada aos estudantes no(s) curso(s) a que está (esteve) ligado?
Dou aulas há dezasseis anos na UA, sobretudo a estudantes da Licenciatura em Administração Pública e do Mestrado em Planeamento Regional e Urbano. São formações de natureza inter e transdisciplinar que procuram combinar os diálogos entre a teoria e prática, centradas numa reflexão crítica sobre a sociedade e o território e com um sentido de forte responsabilidade social e cívica com a comunidade onde nos inserimos.
Se lhe fosse pedido um conselho dirigido aos alunos, que conselho daria?
Sejam muito exigentes com os docentes, com os colegas, com a universidade e claro também convosco. Somos, infelizmente, uma sociedade pouco exigente.
Houve alguma turma/grupo de alunos/aluno que mais o tivesse marcado? Porquê?
Todas os alunos e turmas marcam. A apresentação dos trabalhos finais é sempre um momento importante. Ao contrário do que os alunos julgam, aquele momento é um enorme exercício de avaliação dos docentes. É ali que percebemos se conseguimos ou não fazer um bom trabalho ao longo do semestre.
Pode contar-nos um episódio curioso que se tenha passado em contexto de sala de aula ou com estudantes (constrangimento/situação agradável)?
Há um momento curioso que deu origem a uma causa que tenho de recuperar. Certo dia, uma aluna Erasmus queixou-se, no início de uma aula, dos colegas portugueses. Dizia ela que eles nunca chegavam a horas. Marcavam uma reunião e ou não apareciam ou chegavam atrasados e raramente davam satisfações. Isso incomodou-me e resolvi lançar uma campanha cívica chamada tolerância zero à falta de pontualidade. Considero que este é um dos problemas mais graves da nossa vida coletiva e um dos responsáveis pela nossa baixa produtividade. Um dia destes volto à carga com a campanha.
Tem centrado o seu trabalho de investigação nas estratégias de envolvimento dos cidadãos no processo de planeamento, ou em como tornar a cidade um espaço ainda mais dos cidadãos… Provavelmente, mais de 40 anos de ditadura em Portugal ainda estão a marcar a sociedade. Mesmo assim, haverá bons exemplos.
A falta de cultura participativa dos portugueses é um “mito urbano”. O que acontece é que tem havido poucos estímulos consequentes à participação e os que existem ocorrem quando os cidadãos pouco podem acrescentar. Nessas condições, até acho muito bem que as pessoas não participem. No sentido inverso, quando se usa as metodologias adequadas e as pessoas sentem que o seu contributo é útil, a participação acontece com uma intensidade e riqueza mágicas. E isso ocorre em territórios e condições tão diversas como Aveiro (Vivobairro, Aveiro Soup, Lab Cívico Santiago, Serras do Porto, Lousada ou Maia). Podemos estar descansados, os portugueses não possuem nenhum problema genético que os debilite para a participação cívica.
Como poderão as redes sociais facilitar o caminho para uma sociedade mais participativa?
As redes sociais que fazem a diferença não são as virtuais, são as de proximidade. O que falta é criar condições (espaços físicos, momentos temporais e oportunidades temáticas) para despoletar a energia cívica adormecida. As redes virtuais podem dar uma ajuda para divulgar e difundir oportunidades, para levar a mensagem e para criar o efeito “bola de neve”. Mas não são elas que fazem a ignição. São os diálogos presenciais entre pessoas e as causas que as movem que podem fazer a diferença.
Quem se forma na UA, nestas áreas, estará mais preparado para trabalhar em prol de cidades mais vividas e próximas dos cidadãos?
Julgo que sim. Eu diria que a UA tem algumas “bandeiras” e a relação com a comunidade é uma delas, como o prova a sua história. Se na sua origem esteve uma forte cooperação com o tecido industrial, num segundo fôlego ganhou destaque a relação com as autarquias da região. Mais recentemente, “surgiu” uma nova frente de aproximação com as comunidades locais, reforçando o carácter de “universidade cívica”. Há em vários departamentos da UA esse esforço de capacitação dos alunos com as competências de diálogo com a comunidade e de compreensão das suas necessidades e do papel que a ciência pode desempenhar na melhoria das suas vidas. Esse sentido de utilidade social do conhecimento é fundamental.
José Carlos Mota coordenou sessão, com alunos e residentes, sobre a rua de Espinho (bairro de Santiago, Aveiro)
Impressão digital
Traço principal do seu carácter
Inquietação
Ocupação preferida nos tempos livres
Fotografia
O que não dispensa no dia-a-dia
Telemóvel, para desespero da família.
O desejo que ainda está por realizar
Dar a volta ao mundo.
Esta entrevista foi originalmente publicada no site da Universidade de Aveiro.