Entrevista. José Silva (Retro Zeek): “O videojogo é uma expressão cultural da sociedade contemporânea”
Natural de Palmela, José Silva, mais conhecido por Retro Zeek no universo dos videojogos, é um colecionador de videojogos português. Com cerca de 300 jogos e 30 consolas, Retro Zeek é técnico de jogo no Casino de Tróia, um universo assim não tão distante dos videojogos, principalmente das antigas casas de arcade, famosas nos anos 80 e 90. Apaixonado pela Nintendo e pelo Mega Man 2, Retro Zeek vê na Dreamcast a consola com o maior potencial de sempre e pondera uma carreira relacionada com a venda e reparação de jogos e de consolas.
Com que idade é que tiveste o teu primeiro contacto com videojogos e que jogo e plataforma foram?
Tinha 9 ou 10 anos quando tive o primeiro computador ZX Spectrum 128k, onde tínhamos que escrever o famoso load “ ”, carregar play num leitor de cassetes, esperar a leitura da fita e só depois jogar. O meu primeiro jogo foi o Fantastic Dizzy, desenvolvido pela famosa empresa Codemasters. Trata-se de um jogo de aventura muito divertido, no qual o herói tem que resolver vários problemas que estão a acontecer aos familiares na vila onde vivem, mas cujo objetivo final é salvar a namorada que foi aprisionada por um feiticeiro num castelo situado nas nuvens. Tanto o ZX Spectrum como o jogo fazem parte da minha coleção atual.
Qual foi o jogo que marcou a tua infância?
O jogo que mais marcou a minha infância foi o Mega Man 2, um jogo de plataformas desenvolvido pela empresa Capcom. Poucos anos depois de ter tido contacto com videojogos recebi a Nintendo Entertainment System, mais conhecida por NES. Na minha opinião, esta foi uma das consolas que revolucionou o mundo dos videojogos, pois continha o famoso jogo Super Mario Bros. Porém, o jogo que mais me deixou viciado foi, sem dúvida, o Mega Man, pois adorava tudo nele, desde a jogabilidade e os gráficos até à espetacular banda sonora criada por Takashi Tateishi. Mega Man é um robô criado pelo Dr. Light e que tem como objetivo eliminar outros 8 robôs criados pelo vilão Dr. Willy. A dificuldade deste jogo era enorme, mas valeu a pena, pelo sentimento de realização que proporcionava, o que fez com que passasse muitas horas a jogar. Como não existia o comando save no jogo, cada vez que perdia, era-me fornecido um código para continuar na próxima vez que jogasse. Depois de muita “luta”, e com a ajuda de um amigo meu, lá consegui acabar o jogo. Para mim, Mega Man não é apenas uma personagem de um videojogo: ele é também um símbolo de dedicação.
Em que momento é que pensaste começar a colecionar videojogos?
Ao longo dos anos, guardei sempre todos os jogos e consolas que me foram oferecidos e que eu comprei. Porém, ficavam guardados no sótão da minha casa. Até que um dia, decidi trazer todo esse espólio para casa e organizá-lo. Comecei, em primeiro lugar, pelas consolas da Nintendo, optando por expô-las na sala, junto à televisão. Como fui adquirindo mais consolas e jogos, o espaço disponível começou a escassear. Por esse motivo, decidi utilizar uma divisão inteira da casa unicamente destinada à minha coleção.
Quais são os jogos mais raros que tens neste momento?
Tenho muito jogos para o ZX Spectrum, mas não sei se são raros, nem o seu valor. Quem sabe até poderei ter alguma relíquia, visto serem os mais antigos que tenho.
Quanto tempo do teu dia é que dedicas a jogar jogos?
Hoje em dia, não me considero um jogador. Só jogo às vezes e não por muito tempo. Passo mais tempo a olhar para a coleção do que a usufruir dela (risos).
Qual é a tua consola preferida ou aquela que consideras a melhor de sempre e porquê?
A minha consola favorita é a Nintendo Entertainment System, pelo facto de ter feito parte da minha infância e de ter uma biblioteca de jogos muito boa. No entanto, na minha opinião, a melhor consola de sempre foi a Dreamcast, a última lançada pela Sega, que, com ela, terminou os seus 18 anos de produção de consolas. A Dreamcast foi lançada na Europa a 14 de Outubro de 1999, tendo sido a primeira consola a ter um modem para acesso à internet e, dessa forma, criar a possibilidade de jogo online com outros jogadores. Parte dos jogos foram portados das conhecidas máquinas de arcade para a consola – era como se tivéssemos uma máquina de arcade em casa. Entre os jogos que continha, contavam-se o conhecido Crazy Taxi, o Virtua Cop 2, The House of the Dead 2 e o Virtua Tennis, apenas para mencionar alguns dos mais conhecidos. Esta consola estava, na verdade, muito à frente no seu tempo.
Qual é o maior desafio em ser colecionador de jogos? O preço, o espaço para os guardar, encontrar sítios onde os comprar?
Neste momento, existem vários desafios, nomeadamente o preço e o sítio onde os comprar. O preço dos jogos e das consolas retro inflacionou muito em Portugal, o que torna um pouco difícil a sua aquisição. No meu caso, recorro muito a páginas de leilões no Facebook, no eBay e no OLX.
Qual é o jogo que mais gostarias de ter na tua colecção e porquê?
O jogo que mais gostava de ter na minha coleção é o E.T., lançado pela Atari 2600 no Natal de 1982. O filme do E.T., nessa altura, estava a fazer muito sucesso e a Atari pensou que o jogo fosse ter o mesmo sucesso do filme. Todavia, aconteceu precisamente o contrário: a equipa de produção do jogo teve apenas 5 semanas para o desenvolver. O resultado foi um jogo sem história, com uma má jogabilidade e muitos bugs. O objetivo desse jogo era encontrar todas as peças de um comunicador para que o E.T. pudesse comunicar com a sua nave-mãe para o poder resgatar. Segundo a Atari, foram devolvidos à empresa cerca de 4 milhões de cópias que acabaram por ser enterradas num deserto no Novo México. Por ter sido um fracasso tão grande, adorava tê-lo na minha coleção.
Através da tua experiência, qual é a melhor forma de começar uma colecção de videojogos? Concentrarem-se inicialmente só numa consola?
Quando se fala em coleções, normalmente, as pessoas pensam logo em raridades, em peças com alto valor patrimonial. A meu ver, contudo, uma coleção é algo muito mais abrangente. Não pode basear-se apenas na busca de raridades e peças raras, mas sim na procura de juntar objetos de que gostamos. Trata-se de um repositório dos nossos gostos, é um elemento da nossa própria identidade.
Nunca pensaste seguir uma carreira relacionada com videojogos? Seja como crítico, streamer, youtuber, ou até mesmo programador?
A única carreira que pensei seguir relacionada com videojogos foi a venda e reparação de jogos e de consolas. Tal ainda não se concretizou, pois teria de me dedicar a 100% a essa tarefa. Neste momento, não é possível, mas ainda não está fora dos meus planos.
Partilhas as tuas novas aquisições com alguma comunidade? Fazes parte de algum grupo online de colecionadores?
Partilho apenas na minha página no Instagram. Faço parte de grupos relacionados com retro gaming no Facebook, sendo muito poucos deles portugueses. Existem muitos grupos, mas de outros países, nos quais se podem encontrar outros tipos de consolas e de jogos que nem sequer vieram para a Europa.
12 – Tens alguma história engraçada relacionada com algum dos jogos que compraste?
A única história engraçada e caricata que me recordo foi durante a minha adolescência. Um amigo meu ofereceu-me uma cópia de um jogo para o ZX Spectrum, o muito conhecido Paradise Café, desenvolvido por um português. Esse amigo apenas disse que era um jogo de aventura e que eu ia gostar, mas não era bem o tipo de aventura que estava à espera (risos). Não posso explicar aqui de que tipo de jogo se trata, mas nada como uma pesquisa na Internet para ficarem a conhecer.
Como colecionador, tens acesso a uma grande diversidade de jogos. Do teu ponto de vista, de que forma é que os videojogos podem influenciar positiva ou negativamente o crescimento das crianças?
Na minha opinião, a influência dos jogos está em quem os joga e não propriamente no jogo. Eu sempre joguei a todo o tipo de jogos e não cresci a querer ser um assassino, ladrão, um lutador, etc… Há sempre pessoas mais predispostas a serem influenciáveis que outras e, muitas vezes, as diferentes culturas, o estado de saúde da pessoa, os estratos sociais, as situações económicas ou sociais, entre outros fatores, têm grande importância. O essencial é ter em mente que o videojogo é uma expressão cultural da sociedade contemporânea como outras, tal como a música, as produções teatrais, os filmes, etc…
Qual é a tua ligação com os jogos mais modernos? Costumas comprá-los? Costumas jogá-los logo quando saem?
Neste momento, tenho duas consolas recentes, a Nintendo Switch e a Playstation 4. Apenas compro os jogos que estão mais relacionados, em certa parte, com o retro gaming, como o Super Mario, The Legend of Zelda, Pokémon e outros jogos que foram remasterizados. Acabo sempre por jogar um pouco a esse tipo de jogo só pela nostalgia.