Entrevista. Juan Gabriel Vásquez: “Feliza Bursztyn teve uma vida onde as forças sociais, da política e da história moldaram a sua vida privada”
Em Os Nomes de Feliza, Juan Gabriel Vásquez convida-nos a caminhar pelas margens incertas entre a memória e a invenção, entre o esquecimento e a permanência. A sua protagonista, Feliza Bursztyn — escultora, exilada, mãe, mulher de identidades móveis e nomes instáveis — surge não como heroína santificada, mas como uma figura intensamente humana, feita de contradições, claridades e penumbras. Vásquez não escreve apenas uma biografia: constrói o retrato de uma vida que se recusou a encolher perante as convenções, que resistiu a ser reduzida a um retrato prosaico.
O romance é também um gesto de procura: o autor refaz os passos de Feliza em Paris, inscreve-se em aulas de escultura apenas para se aproximar da sua experiência, e mergulha nos arquivos íntimos de Pablo, o último companheiro da artista. Nesse esforço quase obstinado, a ficção revela-se um idioma capaz de adivinhar o que a história não sabe. É nesse espaço que a obra nos prende — desde o mistério da morte de Feliza, relatada por Gabriel García Márquez em 1982, até à disputa em torno do seu nome, tantas vezes escrito de forma errada, inclusive na própria lápide.

A vida de Feliza foi atravessada por exílios, fugas e ditaduras, mas também por amores, por esculturas que ainda habitam o espaço público colombiano e por uma amizade leal com Gabo — aqui retratado não como mito, mas como ser humano, de gestos concretos, discretos, de uma generosidade firme nos momentos mais sombrios. No centro do romance pulsa uma pergunta romanesca, impossível de responder fora da literatura: pode alguém morrer de tristeza? A resposta, sugere Vásquez, está espalhada nas 275 páginas que erguem para Feliza uma casa feita de palavras.
Nesta entrevista, o escritor colombiano fala sobre esse acto de resgate, sobre a generosidade da memória e sobre a delicada arte de transformar vidas quase esquecidas em permanência literária.
Tudo começa com uma citação de García Márquez: Feliza morreu de tristeza. Quando percebeu que a verdadeira questão não era apenas como Feliza morreu, mas como ela viveu, que liberdades ela procurou e que correntes teve de quebrar?
A origem do romance está nestas três palavras [murió de tristeza], retiradas de um artigo de García Márquez. Mas isso é apenas o primeiro indício – como disse Nabokov – da origem, da semente do romance. E, a partir daí, a investigação dessa questão revelou uma vida imensa, uma vida como gosto de narrá-la nos meus romances. Uma vida onde as forças da história, as forças da política e as forças sociais moldam a vida privada de uma pessoa.
E, quando percebi que Feliza Bursztyn tinha vivido uma dessas vidas, soube que tinha encontrado um romance. A sua vida entrelaça a vida judaica do século XX, a vida no exílio, o exílio político sofrido por tantos latino-americanos, o lugar das mulheres num momento de transformação — uma transformação provocada pelas revoluções feministas da década de 1960 — e a vida de uma mulher de esquerda a crescer na América Latina após a Revolução Cubana. Assim, compreender a vida de Feliza Bursztyn como o palco onde se cruzam as tensões da política e as tensões da história tornou-se, para mim, o motivo perfeito para explorar a origem das minhas perguntas: a possível morte por tristeza.
No romance, vemos uma mulher que quer viver de acordo com seus próprios desejos, mesmo que isso signifique pagar preços altíssimos. O que descobriu sobre a maneira como Feliza se revelou contra os ditames da sua época, como ela transformou essa rebelião em arte e como a retribuiu na sua vida privada?
Bem, a descoberta da vida de Feliza Bursztyn foi, essencialmente, esta: a sua vida foi, passo a passo, um grito de liberdade, uma rebelião constante contra as restrições, contra as camisas de força que a sociedade lhe impôs. A sua vida foi uma tentativa de se definir perante forças que queriam defini-la, que queriam dizer-lhe como ser mulher, como ser judia, como ser artista, como ser uma cidadã comprometida. E, perante todas essas forças, Feliza disse: “Quero ser aquilo que sou”. Essa luta constante contra as restrições do mundo foi lentamente minando a sua energia, e acredito que o fim da sua vida seja resultado da longa cadeia de agressões do mundo. O romance é uma tentativa de compreender como isso aconteceu.
“A vida de Feliza Burszty foi, passo a passo, um grito de liberdade, uma rebelião constante contra as restrições, contra as camisas de força que a sociedade lhe impôs.”
É curioso porque ela trabalhava com ferro e fogo como se fosse uma analogia da sua vida.
Sim, é muito bem visto. A sua arte foi, para mim, uma metáfora da resistência que a vida lhe impôs, entre outras coisas porque a escolha de trabalhar com materiais descartados, usados, não foi apenas uma escolha estética: foi também uma necessidade económica. Ela não trabalhava com materiais nobres porque não tinha dinheiro para os comprar. E, a partir de certo ponto, descobriu que esses materiais — resíduos da vida industrial, da vida capitalista, da vida material — também podiam ser outra coisa.
É muito parecido com o que fez com a própria vida, ao resignificar a sua condição feminina, de mulher judia, burguesa. Também a condição de ser quase estrangeira, daí o título do livro, os nomes que ninguém acertava. Procurava sempre um lugar no mundo sem o encontrar. E isso reflete-se no seu nome. Os pais, judeus, quiseram chamá-la Feijele, que significa passarinho em iídiche, mas perceberam que não o poderiam fazer, porque a condenariam a uma vida inteira a explicar o nome num país como a Colômbia.
Então deram-lhe o nome de Felicia e, na adolescência, ela alterou-o para Feliza porque esse nome incluía a palavra feliz, e era assim que se sentia, uma criança, uma adolescente feliz e contente. E depois, toda a sua vida foi passada a testemunhar o mundo a interpretar mal o seu nome. Os jornais não conseguiam escrever corretamente o apelido. Até na lápide o nome foi escrito com erro. Isso rapidamente simbolizou a precariedade, a fragilidade do seu lugar no mundo, que sempre foi instável.
“Feliza Burszty nasceu no exílio dos pais e morreu no próprio exílio.”
O nome é o primeiro elemento que nos conecta a uma pequena parte do outro, depois o idioma, o sotaque… todas essas pequenas coisas são indicativas de quem a outra pessoa é. Acho que no caso da Feliza, quando vemos um nome diferente, um jeito de ser diferente, a outra pessoa fica mais cautelosa. Há uma desconexão.
Exatamente, uma desconexão. Mas, no caso de Feliza, interessava-me profundamente a tentativa de transformar as oportunidades e coincidências da sua vida em factos concretos. Em outras palavras, ela sabia que tinha nascido na Colômbia por acaso. Poderia ter nascido em São Paulo, Buenos Aires ou Havana, mas nasceu na Colômbia. E isso tornou-a numa colombiana mais militante, por assim dizer. No final da sua vida, um jornal entrevistou vários artistas colombianos e perguntou em que cidade do mundo gostariam de viver. Feliza foi a única que respondeu: Bogotá.
Quando era jovem e percebeu que em Bogotá não havia fundições de mármore ou bronze, explicou-o ao professor russo em Paris, e este disse-lhe para se mudar para outro país. Ela não quis sair e voltou à Colômbia para trabalhar com o que tinha, com o que conseguia encontrar. Por isso, teve sempre consciência da necessidade de encontrar um lugar, de se fixar, porque não o tinha. A sua vida foi instável nesse sentido. Nasceu no exílio dos pais e morreu no próprio exílio. Isso diz muito.
“Nos dois anos em que o escrevi, o mundo mudou. Todos os dias, um massacre em Gaza desenrola-se diante dos nossos olhos. Todos os dias nos questionamos sobre o lugar das mulheres no mundo, sobre a nossa relação com o passado político da América Latina. Isso está também muito presente na Colômbia. Na Colômbia de hoje, falamos diariamente sobre o legado da guerra. Tudo isso faz parte da linguagem de um romance. Um romance não é escrito no vazio, mas sob a influência do mundo em que é escrito, mesmo que seja sobre as décadas de 1940, 1950, 1960 ou 1970.”
Uma das decisões mais radicais de Feliza foi deixar as filhas para viver a sua verdade como artista. Como é que um romancista aborda a narrativa de um gesto tão íntimo e socialmente julgado? O que é que essa escolha nos diz sobre os dilemas que tantas mulheres ainda enfrentam hoje?
Gosto sempre de esclarecer que não creio que ela tenha deixado as filhas. Foi o marido que as levou, sem a sua autorização, traindo-as nesse sentido. Para ela, a sua vocação artística, a sua liberdade pessoal, o seu direito de procurar o amor e a beleza — tal como os entendia — levaram-na a escolher viver longe das filhas. Claro que foi incrivelmente importante para mim compreender isso. Uma das maravilhas do romance como género, da ficção como linguagem, é que a ficção é muito mais inteligente do que eu e, assim, permite-me interpretar a mulher que Feliza foi e de a tentar entender.
Acho que, em muitos aspetos, isso não mudou. As mulheres de hoje continuam a ser forçadas a decidir entre a sua vocação profissional e a sua vocação materna. Em todas as entrevistas que dei sobre este livro, pensei que nenhum homem jamais seria questionado por deixar os filhos para se tornar artista ou escritor. Nunca. Um homem não teria de justificar isso. Nem sequer seria assunto de conversa.
Ninguém jamais questionou os direitos de Pablo Picasso ou as decisões que tomou em relação à sua família. Por isso, penso que ainda há um longo caminho a percorrer.

O trabalho dela causou desconforto por causa do erotismo e da forma como ocupava o espaço público. Como interpreta esse desconforto? Seria o medo de uma sociedade patriarcal de uma mulher que não pedia permissão?
Sim, em parte. Era o medo de uma sociedade conservadora que desconfiava de Feliza por vários motivos, todos interligados. Por ser uma mulher livre, por exercer a sua liberdade sexual, artística e política. Era uma mulher que nunca dava a ninguém o que dela se esperava. Como artista, nunca praticou uma “arte feminina”. Trabalhou com sucata como se fosse mecânica de automóveis. Como judia, revelou-se contra as regras da sua comunidade. Como mulher burguesa, foi uma ativista de esquerda. Como esquerdista, nunca quis filiar-se no Partido Comunista e nunca apoiou a luta armada. Nunca foi aquilo que os outros esperavam dela. E essa liberdade tem sempre um preço. No caso de Feliza, quando, no fim da vida, precisou da ajuda de certas pessoas, não a recebeu. A sociedade colombiana, de certa forma, cobrou-lhe o preço da sua rebelião constante ao longo de tantos anos. Isso, receio, é algo com que as mulheres ainda hoje têm de lidar.
“Uma das maravilhas do romance como género, da ficção como linguagem, é que a ficção é muito mais inteligente do que eu e, assim, permite-me interpretar a mulher que Feliza foi e de a tentar entender.”
O Juan estudou em Paris, na Sorbonne. O que significou para si viver lá como colombiano? De que forma essa experiência o ajudou a entender melhor a vida de artistas como Feliza, que também procuravam uma liberdade parcial em Paris?
Cheguei a Paris pela primeira vez na década de 1990, na procura de uma ideia de literatura que tinha passado por duas gerações que eram importantes para mim: o boom latino-americano — Cortázar, García Márquez, Vargas Llosa, Carlos Fuentes — e, antes deles, a literatura de língua inglesa do período entre guerras: James Joyce, Hemingway, Fitzgerald. Todos viveram e trabalharam em Paris. Mas, de certa forma, fui também para Paris porque fugia de uma sociedade violenta. Em 1996, Pablo Escobar já tinha morrido há três anos. Mas a minha adolescência e a entrada na vida adulta foram marcadas por terrorismo, bombas, assassinatos e uma sensação de caos num país que se desintegrava. Nesse sentido, nesse sentido de fuga, compreendi muito bem a chegada de Feliza a Paris nos últimos anos da sua vida. Ela chegou após perseguição política, mas também estava a emergir da violência e a chegar a uma cidade acolhedora. A Paris de Feliza era uma Paris que acolhia estrangeiros. Para mim, a cidade teve sempre uma relação ambígua com os estrangeiros, entre o acolhimento e a tensão. Para um recém-chegado como eu, foi difícil. Com o tempo, reconciliei-me com a cidade, e hoje ela é uma presença muito significativa na minha vida. É uma das minhas cidades no mundo: onde tenho amigos, onde os meus livros são lidos, onde mantenho uma ligação com a cidade.
“A minha adolescência e a entrada na vida adulta foram marcadas por terrorismo, bombas, assassinatos e uma sensação de caos num país que se desintegrava.”
Paris, Bogotá, Nova York — cada lugar parece um espelho de um período da vida de Feliza. Até que ponto esses cenários não são apenas geográficos, mas também estados de espírito, a intensidade de sua procura pessoal e artística?
Sim, isso está muito bem observado. Paris é uma personagem do romance, tal como Jorge Gaitán Durán ou Marta Traba. É um espaço emocional, justamente porque é um lugar de duplo exílio. O primeiro é um exílio emocional: Feliza foge de um casamento desfeito e insatisfatório, sofre com a perda das filhas e chega a uma cidade onde tem o direito de se reinventar como artista. Mas é também uma cidade de exilados latino-americanos.
Na década de 1950, a América Latina era assolada por ditaduras, e García Márquez conta esta anedota fantástica sobre viver em 1956 ou 1957, num sótão no Quartier Latin, como todos os outros exilados latino-americanos. Às vezes alguém abria a janela e gritava: “O homem caiu!”. E todos os latino-americanos corriam a ver se era o seu homem tinha caído, porque toda a América Latina estava coberta de ditaduras.
No fim da vida de Feliza, Paris voltou a ser o destino de exilados latino-americanos. A ditadura brasileira, a ditadura argentina, a ditadura chilena estavam a produzir exilados, e Paris era um lugar acolhedor.
Bogotá, por seu lado, é a cidade do seu crescimento como artista, da sua invenção como mulher numa era de revoluções feministas e da sua descoberta da vida política depois da Revolução Cubana. Tudo isso se junta para formar um cocktail explosivo. Foi o que aconteceu nas décadas de 1960 e 1970 na Colômbia.
Eu estava muito interessado em tentar registar a explosão cultural de talentos que ocorreu na Colômbia na década de 1960. Percebi que, ao mesmo tempo que Feliza começava as suas primeiras aguarelas e esculturas, García Márquez escrevia os seus primeiros livros e Fernando Botero pintava os seus primeiros quadros. E havia também o poeta León de Greiff e a crítica Marta Traba. A explosão de talentos foi incrível. E perguntei-me: porquê? Porque é que isto acontece? E a minha resposta, que acredito estar no livro, é que sociedades problemáticas, sociedades em crise, produzem arte. Produzem-na porque a arte é o lugar onde colocamos certas perguntas e refletimos sobre certas preocupações ou ansiedades.
“As mulheres de hoje continuam a ser forçadas a decidir entre a sua vocação profissional e a sua vocação materna. Em todas as entrevistas que dei sobre este livro, pensei que nenhum homem jamais seria questionado por deixar os filhos para se tornar artista ou escritor. Nunca. Um homem não teria de justificar isso. Nem sequer seria assunto de conversa.”
Como foi entrar em contato com a história e os rituais da diáspora judaica na América Latina? O que o surpreendeu pessoalmente durante esta pesquisa?
Esta foi uma das partes mais exigentes do livro, a mais desafiadora em termos de pesquisa, porque eu precisava de acertar. Não havia margem para correr riscos. Falei com pessoas da comunidade judaica. Perguntei se era possível acontecer aquilo — uma família declarar a morte da filha e realizar um funeral [em vida]. E conheci pessoas que acharam estranho, mas possível. Outros lembraram-se de acontecimentos semelhantes nas suas próprias vidas. Outros disseram-me: “Isto acontece desde o século XVI”. Portanto, foi também um vislumbre de uma comunidade diferente da minha, o que achei extremamente interessante. E também uma daquelas coisas que só um romance consegue alcançar: mergulhar em vidas secretas, em vidas privadas. Creio que estas coisas não aparecem num livro de História, fazem parte da vida íntima e secreta de comunidades e indivíduos. A grande maravilha do romance é podermos aceder a esses lugares. Talvez fosse isso que Madame de Staël, a escritora francesa, queria dizer quando afirmou, no início do século XIX, que o romance era algo muito perigoso, porque nos permitia ver a vida secreta dos outros.
Foi o que Baudelaire fez.
Sim. Exatamente.
Nos seus romances anteriores, já explorou como o íntimo se entrelaça com o político. Mas em “Os Nomes de Feliza”, a vida de uma mulher solteira torna-se num espelho de uma época inteira. O que descobriu aqui que não tinha descoberto em “O Som das Coisas Caindo em Reputações”?
Acho que há uma dimensão neste romance que vai muito além dos momentos políticos que Feliza viveu. Há uma crónica do século XX, de boa parte dele. Feliza não chegou aos 50 anos, mas o seu meio século de vida continua connosco até hoje. Essa vida entre 1933 e 1982 está repleta de coisas que ainda hoje vivemos. Por outro lado, sempre me interessou recontar o passado como comentário sobre o presente, como lente através da qual se pode ver o presente. Entre outras coisas, porque se aprendemos algo com a leitura de romances, é que o passado nunca é realmente passado. O passado acompanha-nos; o passado continua a acontecer. E um romance é uma forma maravilhosa de o ver e compreender.
Acredito que, no caso de Feliza, a semente do livro seja sempre uma curiosidade pessoal. O mistério de um indivíduo, o mistério de uma pessoa, transformou-se rapidamente numa exploração de um terreno social e político que moldou a América Latina, e durante muito tempo. Essas vidas atraem-me. Foi o mesmo que aconteceu com Sergio Cabrera, a personagem do meu romance anterior. Ele também é uma pessoa real, e a sua vida também contém todos os mecanismos do século XX: da Guerra Civil de Espanha às revoluções armadas dos anos 1960. São essas vidas que me interessam contar. Agora que o romance foi publicado há alguns meses, não me surpreende nada tê-lo escrito. Porque responde a todas as minhas obsessões.

Durante anos, Feliza esteve ausente dos relatos oficiais da arte latino-americana. O que significa para si trazê-la de volta à memória coletiva por meio da literatura? É também uma forma de fazer justiça?
De certa forma, sim, espero que sim. Feliza existiu, ou melhor, a obra de Feliza sempre existiu na consciência colombiana. Não creio que a sua presença artística tenha desaparecido. Mas penso que a sua vida era completamente desconhecida. E nessa figura, nessa vida, há um esforço de realização pessoal, de luta contra restrições, de procura da liberdade, que não é apenas belo de observar — é um espetáculo. O espetáculo de uma mulher a gritar pela sua liberdade pareceu-me fascinante enquanto escrevia o romance. Mas também é um comentário sobre o nosso presente. É por isso que o romance está construído desta forma. Está construído como uma investigação, e convida o leitor a uma descoberta, a uma investigação sobre um mistério que é a vida de outra pessoa. É por isso que eu sou o narrador, por isso o narrador confessa desde a primeira página que é difícil compreender Feliza, que ela é um mistério, um lugar sombrio, e que vamos usar o género do romance para a investigar. É um convite ao leitor para algo cada vez mais raro hoje: sentir curiosidade genuína por outro ser humano.
Sente que Feliza o transformou? Que novas perguntas gostaria que os seus leitores fizessem a si mesmos depois de encerrarem o livro com “Os nomes de Feliza”?
Não creio que tenha terminado este romance da mesma forma que o iniciei. Sou uma pessoa diferente, não só porque já passaram vinte e tal anos desde que descobri a personagem Feliza, mas também porque escrevi o romance em circunstâncias muito especiais. Nos dois anos em que o escrevi, o mundo mudou. Todos os dias, um massacre em Gaza desenrola-se diante dos nossos olhos. Todos os dias nos questionamos sobre o lugar das mulheres no mundo, sobre a nossa relação com o passado político da América Latina. Isso está também muito presente na Colômbia. Na Colômbia de hoje, falamos diariamente sobre o legado da guerra. Tudo isso faz parte da linguagem de um romance. Um romance não é escrito no vazio, mas sob a influência do mundo em que é escrito, mesmo que seja sobre as décadas de 1940, 1950, 1960 ou 1970.
Que perguntas quero que os leitores façam? Para mim, um romance não é mais do que uma fábrica de perguntas. Um romance precisa de ser um questionamento constante do mundo. Sempre gostei de uma carta em que Tchékhov, o escritor russo, se defende das acusações de não tomar partido, de não defender uma causa nas suas histórias. Ele diz: “Está a confundir duas coisas: dar respostas e formular bem as perguntas.” É isso que se exige do artista, diz ele. É isso que quero com este romance: dar ao leitor uma maneira de formular corretamente perguntas sobre o mundo. E depois, cada um encontrará as suas próprias respostas.

