Entrevista. Kátia Semedo: “Espero conseguir voltar a conectar a relação musical entre São Tomé e Cabo Verde”
Kátia Semedo nasceu em São Tomé e Príncipe e está há quase 10 anos em Cabo Verde, onde viveu o sonho de lançar o primeiro trabalho de estudo, em músicas que quer usar para unir os dois países.
“Anteriormente nós tínhamos o Camilo Domingos, o Juca, Jorge Neto, que representavam um bocadinho essa ligação entre São Tomé e Cabo Verde. E nos últimos tempos nós podemos ver que essa relação foi um bocadinho quebrada até a Kátia chegar”, disse a jovem cantora, em entrevista à agência Lusa, na cidade da Praia, um mês após o lançamento do seu primeiro trabalho de estúdio, um EP intitulado “Caminho de São Tomé”.
“Eu espero realmente conseguir voltar a conectar a relação musical entre São Tomé e Cabo Verde”, vincou Kátia Semedo, de 28 anos, nascida em São Tomé, filha de pai cabo-verdiano e mãe são-tomense.
Depois de algumas experiências em Cabo Verde, desde 2014 reside na cidade da Praia, capital do país, onde conseguiu “dar continuidade ao sonho de ser cantora”, tornando-se numa das sensações da música cabo-verdiana.
“E com todo esse processo, com toda essa caminhada, nós chegamos aqui hoje”, frisou, recordando que desde menina que tem uma “paixão muito grande” por Cabo Verde e pela música, tendo representado a diáspora cabo-verdiana numa gala internacional de pequenos cantores em 2005, e participado no concurso de vozes da diáspora em Portugal e Luxemburgo, em 2011 e 2013.
“Eu costumo dizer que já está incumbido no ADN, então não tem como fugir”, brincou a cantora, que em Cabo Verde se licenciou em Enfermagem, e ao mesmo tempo cantava nas noites da capital do país.
“Fiz isso por longos quatro anos”, referiu, dizendo que em 2019 surgiu a oportunidade de fazer uma parceria com a produtora Harmonia, começando a trabalhar no EP que saiu em junho e que já está disponível nas plataformas digitais.
Composto por oito faixas da sua própria autoria, com músicas tradicionais cabo verdianas, como morna, coladeira, batuque, funaná, “Caminho de São Tomé” traz também sonoridades de São Tomé, nomeadamente puíta, em forma lenta.
“Como sou de São Tomé, também gostaria de trazer alguma coisa do meu país”, afirmou, explicando as duas razões para o título do trabalho: a primeira é porque, tal como muitos cabo-verdianos, os seus avós tiveram que partir para São Tomé nos anos 1950, na época dos contratados, à procura de melhores condições de vida.
“E a segunda razão, pelo facto de eu ter um sonho de ser cantora e ter que sair de São Tomé para Cabo Verde atrás da realização desse sonho que agora veio a concretizar-se”, explicou na entrevista à Lusa, onde fala da música dedicada à avó e de muitos outros sentimentos que a inspiram a subir aos palcos.
Agora que está feito o “ponto de partida”, Kátia Semedo continua a sonhar, esperando reforçar a ligação entre os dois países, que a nível musical praticamente não existe, por diversas razões e circunstâncias, mas tenta sempre colocar música africana nos seus repertórios.
“Então, eu acho que tenho contribuído de uma certa forma para diminuir essa rotura. Eu penso em continuar e penso que essa ligação pode vir a renovar-se com o “Caminho de São Tomé’”, traçou a jovem cantora.
A artista defendeu que essa ligação entre os dois países poderia aumentar se houvesse trocas de experiências entre músicos.
“Se nós repararmos, em festivais em Cabo Verde e em São Tomé dificilmente há artistas cabo-verdianos em São Tomé e vice-versa. Então, eu acho que se partirmos daqui desse ponto, a ligação seria restaurada, nesse caso”, considerou.
No seu primeiro trabalho, Kátia Semedo canta muito sobre o mar, um “símbolo de saudade” do povo cabo-verdiano, mas também de dor, de separação, o mesmo mar que separou os seus avós e também a distanciou durante algum tempo do seu filho.
“O meu filho nasceu cá, mas infelizmente ele teve que ir para São Tomé ficar ao cuidado dos meus pais. Eu falo do mar numa conversa, numa tentativa de entender o porquê da separação, porque é que as várias circunstâncias da vida fazem com que nós separamos dos nossos entes queridos. É uma conversa numa tentativa de buscar uma explicação para essa dor, para essa saudade que parece não ter fim”, explicou a cantora à Lusa.
Numa das praças mais emblemáticas da cidade da Praia, o Cruz de Papa, não para de cantar, e fixa os olhos no horizonte, não vendo a hora de abrir caminho para levar pessoalmente o EP a São Tomé, onde tem tido muito carinho dos seus conterrâneos.
E prometeu lançar “dentro de algum tempo” o seu primeiro disco, mas por agora vai saboreando o sucesso do EP.
“É tudo novo para mim, mas tem sido uma experiência única, parece ser um sonho, que está a ser concretizado. Mas eu tenho estado de braços abertos, tenho acolhido todas as oportunidades, as parcerias que têm estado a aparecer e tem sido mágico”, descreveu.