Entrevista. Livro “Babylon’s Burning, de Rick Blackman, estuda 60 anos de música contra o racismo no Reino Unido

por Lusa,    10 Março, 2023
Entrevista. Livro “Babylon’s Burning, de Rick Blackman, estuda 60 anos de música contra o racismo no Reino Unido
Capa de “Babylon’s Burning – Music, Subcultures and Anti-Fascism in Britain 1958-2020”

O livro “Babylon’s Burning” do britânico Rick Blackman sobre movimentos musicais que confrontaram o aumento de organizações fascistas no Reino Unido, nos últimos 60 anos, conclui que a música e a subcultura urbana contribuíram para uma consciência política que perdura.   

Primeiro, a tradição socialista — interveniente e efervescente nos anos de 1950 — continua viva na política atual, usando a arte nas atitudes políticas na luta contra o neofascismo. Em segundo lugar, a riqueza das correntes do estilo e da subcultura musical abundante na segunda metade do século XX continua a ser influente junto da atual juventude britânica” (página 249), conclui Rick Blackman.

O livro “Babylon’s Burning – Music, Subcultures and Anti-Fascism in Britain 1958-2020”, que vai ser apresentado pelo autor em Lisboa no próximo dia 18 de março, detalha os acontecimentos iniciais relacionados com as agressões de organizações fascistas contra a primeira vaga de imigração das Caraíbas, sobretudo da Jamaica, em Notting Hill, Londres, em 1956.

O movimento de artistas e jornalistas prolongou-se durante um ano numa campanha muito localizada na capital contra os duas organizações neofascistas, e foi a primeira a contrariar, no final dos anos 1950, a legislação segregacionista que ainda vigorava em bares e salas de espetáculos em Londres“, explica Rick Blackman.

O estudo trata igualmente o movimento Rock Against Racism (RAR) entre 1976 e 1981, que envolveu diretamente, “lado a lado, a ‘subcultura’ Punk e New Wave e a força dos músicos de Reggae” contra o aumento da força organizativa dos “neonazis” da National Front; assim como estuda as ações da campanha Love Music, Hate Racism (LMHR), entre 2002 e 2019, em todo o país, pela tolerância e oposição ao racismo demonstrado pela nova extrema-direita britânica contra os emigrantes das Caraíbas, de vários países de África e do continente asiático. 

Em perspetiva é particularmente interessante o estudo e o enquadramento dos acontecimentos de 1958, em Londres.   

O livro recorda os milhares de ex-soldados das colónias (nomeadamente das Caraíbas e da Índia) que serviram na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e nota que a nova legislação sobre nacionalidade aprovada em 1948 pelo Partido Trabalhista passava a conceder passaportes britânicos “a cidadãos de todas a cores, das colónias e das ex-colónias“.

No dia 22 de junho de 1948, a chegada do navio Empire Windrush com 492 cidadãos das Caraíbas (Barbados, Trinidad e Jamaica) a bordo marca um “virar de página” na História contemporânea do Reino Unido, ao nível político, económico, social, cultural e artístico. 

Trata-se da primeira vaga de ex-soldados que passam a ser “mão-de-obra barata” no período de austeridade e de reconstrução do pós-guerra e que são destinados sobretudo a Londres, para os setores da construção, transportes e hotelaria.

Mas os novos “emigrantes do império” (mais tarde conhecidos como Geração Windrush) não são bem recebidos pela “população branca britânica” fazendo com que os movimentos neofascistas de Oswald Mosley e Arnold Leese, declaradamente apoiantes britânicos do Partido Nacional Socialista (Nazi) alemão, nos anos 1930, exigissem a reforma da legislação da nacionalidade e da emigração, numa altura em que a nova lei de atualização de rendas de casa, em áreas particularmente afetadas pelos bombardeamentos, permitia aos proprietários “expulsar” os inquilinos.

 Os novos emigrantes, residentes na então zona degradada de Notting Hill, passam a ser alvo da extrema-direita ultranacionalista que manipula os Teddy Boys — um novo movimento juvenil, surgido, em 1949 como agressores.  

 Os tumultos começaram na noite de 30 de agosto de 1958 quando um grupo de Teddy Boys confrontou uma “cidadã sueca casada com um cidadão jamaicano“, residente na zona, atacando-a com barras de ferro por se oporem ao “casamento misto“.

De acordo com os relatos da época, citados no livro, “uma multidão de 400 brancos, com bombas incendiárias, começaram a atacar as casas dos caribenhos generalizando os confrontos” que se prolongaram até à primeira semana do mês de setembro.

Os principais relatórios da Polícia Metropolitana de Londres sobre os confrontos de 1958 foram mantidos secretos até 2002, altura em que foram publicados pelo jornal The Guardian. 

A poucos meses das eleições gerais de 1959, o caráter racista do ataque fez aumentar a popularidade dos movimentos de extrema-direita. 

No combate aos movimentos de extrema-direita surge então um grupo inorgânico de músicos, jornalistas e artistas de teatro e cinema que se mostrou mais efetivo do que o Partido Trabalhista ou que o Partido Comunista da Grã-Bretanha.

Pr causa da “caça às bruxas” contra os comunistas nos Estados Unidos, muitos artistas norte-americanos “exilaram-se” no Reino Unido e imediatamente organizaram o grupo Stars Campaign for Interracial Friendship (conhecido como SCIF) que integrava, no princípio, “27 celebridades“, entre como os músicos Lonnie Donegan e Ronnie Scott e o ator Peter Sellers.

Para a campanha foi fundamental o apoio do jornal New Musical Express (NME) e, dos Estados Unidos, o cantor Frank Sinatra que publicou propositadamente, na revista Melody Maker, um artigo a favor da campanha anti-racista britânica. 

Paralelamente foi organizado pelo SCIF o primeiro Carnaval (Carnival) de Nottin Hill (1959), promovendo mudanças através da música e dança e que ainda se mantém até hoje, assim como ajudou a popularizar as expressões musicais das Caraíbas: o Ska e o Rocksteady e, mais tarde, o Reggae, assim como o Calipso de Trinidad e Tobago.     

A influência da “música negra” e a força da campanha SCIF marcou a natureza da subcultura dos anos 1960 através do movimento Mod e Skinhead, inicialmente uma subcultura que misturava “brancos e negros“, antes de ser desvirtuado pelos neo-fascistas da National Front, cujo crescimento veio originar em 1976 o Rock Against Racism.

Para Rick Blackman, as três campanhas, totalmente distintas entre si na composição, mas comuns no propósito, começaram em 1958 usando a música, a arte e a intervenção dos jornalistas como argumentos de mobilização antifascista, anti-racista e contra a violência.

As três campanhas não acabaram com o racismo no Reino Unido mas o certo é que a luta contra o racismo também nunca deixou de estar presente“, tendo sido gerada — por causa destes três movimentos — uma “consciência política” (não partidária) e uma “mentalidade” contra o racismo e o fascismo que marcou as diversas subculturas das gerações do pós-guerra, “até hoje“. 

O livro deve o título ao tema de 1979, “Babylon’s Burning” da banda britânica Ruts.

A música faz parte do álbum “The Crack”, editado em Portugal pela Virgin no mesmo ano. 

“Balylon’s Burning – Music, Subcultures and Anti-Fascism in Britain 1958-2020” vai ser apresentado e debatido pelo autor na editora Groovie Records, na rua Angelina Vidal, em Lisboa, no próximo dia 18 de março. 

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