Entrevista. Luis Lobianco: “O teatro tem mecanismos únicos para gerar empatia, reflexão, senso crítico”

por Linda Formiga,    13 Novembro, 2018
Entrevista. Luis Lobianco: “O teatro tem mecanismos únicos para gerar empatia, reflexão, senso crítico”
Luis Lobianco / Fotografia de Isabella Pinheiro – Gshow
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Há doze anos, Portugal era surpreendido pelo homicídio de Gisberta, uma transsexual brasileira, seropositiva, trabalhadora sexual, sem-abrigo, marginalizada, residente no Porto, agredida e assassinada por 14 adolescentes. A crueldade do fim da vida de Gisberta ocupou os jornais e noticiários durante semanas e a morte de Gisberta tornou-se, de certa forma, um ponto de viragem nos direitos da comunidade LGBT. Em Matosinhos foi fundado o Centro Gis, assim chamado em homenagem a Gisberta, que luta contra a discriminação, intolerância e homofobia.

Luis Lobianco (Porta dos Fundos) ouviu falar de Gisberta vários anos após a sua morte, e inspirado pelo tema “Balada de Gisberta” de Pedro Abrunhosa para o álbum “Luz” (2007), editado por Maria Bethânia no álbum ao vivo de 2011, procurou mais sobre Gisberta e dedicou-se à criação de uma obra capaz de fundir política, história, música, teatro, humor, poesia e ficção.

Numa entrevista por e-mail, Luis Lobianco fala-nos mais sobre a peça que chega ao Porto, a 27 e 28 de Novembro, no Teatro Sá da Bandeira, e a Lisboa, de 4 a 6 de Dezembro, no Teatro Tivoli BBVA.

O caso Gisberta chocou Portugal, chegou a Maria Bethânia e a Elza Soares, mas não foi largamente debatido no Brasil. De que forma é que é que o Luís e a comunidade brasileira tiveram conhecimento deste caso reagiram ao mesmo?
O Brasil é um dos países que mais comete crimes de transfobia e homofobia, números que não param de crescer junto com uma onda conservadora de intolerância com as diferenças. Se não conseguimos mudar as leis que não nos protegem, que a justiça seja feita no teatro, com música e luzes de Cabaré. Que venham as identidades de humor, gênero, drama, música, tragédia e redenção. O caso de Gisberta não era conhecido no Brasil e decidi que Gisberta iria reviver a partir da arte e será amada pelo público.”

O teatro é um grande parceiro, tem mecanismos únicos para chegar às pessoas e gerar empatia, reflexão, senso crítico. Através da história de Gisberta estamos falando sobre tolerância, transfobia, inclusão, políticas públicas, infância, gênero, sociedade, História… O teatro é sempre uma ponte para o sensível e também pode ser para a informação, para a transformação da sociedade.

O público que em sua imensa maioria desconhecia essa história sai muito emocionado, transformado, algumas esperam para me dar um abraço, sempre recomendo que elas tomem um copo depois para relaxar. E acaba que essa discussão vai para as ruas, a abordagem e as críticas são cheias de entusiasmo e mostram o quanto é importante falar sobre tolerância, compaixão, empatia. Nossas temporadas no Rio aconteceram no centro da cidade, onde há muitas travestis nas ruas, circulando e trabalhando, então não era raro que algumas pessoas dissessem que após sair da peça, passavam a ver essas pessoas com outros olhos. Outra coisa que aconteceu, foi que muita gente que não tinha contato com esse universo pôde se aproximar e se aperceber de nuances sobre a transexualidade que até então elas não conheciam. E foi muito comovente ouvir das pessoas trans que assistiram à peça o quanto elas se sentiram representadas, o quanto a peça tem sensibilidade para retratar, através da Gis, a vida de tantas delas.

Embora a morte a Gisberta tenha sido um ponto de viragem no reconhecimento dos direitos LGBT, sendo até hoje relembrada e homenageada, dando nome ao Centro Gis, um centro de apoio à população LGBT, a realidade da Gisberta revela uma problemática ainda maior, de prostituição de rua, de ausência de cuidados de saúde e, por fim, de humanidade. Esta peça é uma homenagem em forma de sensibilização?
Ao ouvir diversas mulheres trans durante a criação desta peça, todas apontaram para um fato em comum: o processo de desumanização a que suas trajetórias foram ou são submetidas. Por causa disso, muitas vezes lhe restam poucas escolhas de vida e acabam empurradas para a marginalidade. Não é raro, por exemplo, que alguém associe a mulher travesti unicamente à prostituição, como se fossem sinônimos. Isso é destituir uma pessoa de sua humanidade. Há na raiz disso o preconceito, consequentemente a violência, mas mais do que isso faltam políticas públicas que modifiquem essa situação, passando a gerar oportunidades e amparo para pessoas trans.

Na Europa, e até no continente asiático, os direitos das populações LGBT têm sido cada vez mais reconhecidos, com abertura até das populações mais idosas. Porém, o mesmo parece não estar a acontecer na América (Norte e Sul), com a subida ao poder de personalidades que defendem manifestamente um retrocesso nos direitos LGBT conquistados (e refiro-me ao novo Presidente do Brasil e ao Presidente dos Estados Unidos), é agora mais urgente do que nunca sensibilizar, educar e informar? É também esse o objectivo desta peça?
Urgentíssimo. A partir do momento em que o Estado abre mão de suas responsabilidades e passa a fomentar o privilégio de determinados grupos, seja por motivos religiosos ou ideológicos, é preciso que a sociedade entre em ação e questione esses rumos, incluindo aí a arte. Uma de nossas consultoras durante o processo de criação foi Giowana Cambrone, advogada, professora universitária e primeira mulher transexual a integrar a Executiva Nacional de um partido no Brasil, e ela nos ressaltou o quanto é importante ativar o sensível através da arte para que a sociedade se reveja e se transforme. E acredito que todo o debate gerado a partir dessa peça contribuiu para trazer o assunto à tona, tirando-o da periferia das discussões.

Como foi recebida esta peça no Brasil e o que podemos esperar nos palcos de Lisboa e Porto?
A peça tem um  retorno extremamente positivo no Brasil, temos uma ocupação média de público de 85%  o que é muito bom dentro de um panorama de crise e de uma competitividade com a internet, Netflix e outras atrações que puxam o espectador para ficar em casa . O  público comparece e sai emocionado, transformado, algumas esperam para me dar um abraço, sempre recomendo que elas tomem um copo depois pra relaxar. E acaba que essa discussão vai para as ruas, a abordagem e as críticas são cheias de entusiasmo e mostram o quanto é importante falar sobre tolerância, compaixão, empatia. Nossas temporadas no Rio aconteceram no centro da cidade, onde há muitas travestis nas ruas, circulando e trabalhando, então não era raro que algumas pessoas dissessem que após sair da peça, passavam a ver essas pessoas com outros olhos. Outra coisa que aconteceu, foi que muita gente que não tinha contato com esse universo pôde se aproximar e se aperceber de nuances sobre a transexualidade que até então elas não conheciam. E foi muito comovente ouvir das pessoas trans que assistiram à peça o quanto elas se sentiram representadas, o quanto a peça tem sensibilidade para retratar, através da Gis, a vida de tantas delas. Tenho certeza que Portugal vai ser muito emocionante e revelador já que tudo aconteceu aqui.

Informações:

Porto – Teatro Sá da Bandeira, 27 e 28 de Novembro
Horário: 21h00
Preço dos bilhetes: entre 12 e 20€Lisboa – Teatro Tivoli BBVA – 4, 5 e 6 de Dezembro
Horário: 21h00
Preço dos bilhetes: entre 16 e 22,5€

Bilhetes à venda nos locais habituais, bilheteira da sala e na ticketline

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