Entrevista. Luís Paixão Martins: “Ser querido pelo BE e pelo PCP para um dirigente do PS é um lapso”

por Adriana Cardoso,    1 Março, 2023
Entrevista. Luís Paixão Martins: “Ser querido pelo BE e pelo PCP para um dirigente do PS é um lapso”
Luís Paixão Martins / Fotografia de Rui André Soares – CCA
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O marketing e a campanha eleitoral não são ciências exatas, mas Luís Paixão Martins fá-las parecer exatamente uma arte no seu novo livro “Como Perder Uma Eleição”. Esperamos que os leitores não se deixem enganar pelo título irónico, o livro apresenta as diferentes componentes que permitiram ao consultor político entregar duas maiorias absolutas ao Partido Socialista, a de José Sócrates e a de António Costa, tal como a vitória das Presidenciais à primeira volta de Aníbal Cavaco Silva. O cuidado e tenacidade das notas de rodapé no fim das páginas deixam a nu o sentido de humor sagaz do autor, que aconselhamos que sejam lidas, para melhor entender as referências escritas pelo mais conhecido “spin doctor” português. 

Fez campanha para duas maiorias absolutas, a de José Sócrates em 2005, e a de António Costa em 2022. É verdade o fenómeno de que o eleitorado que pode entregar uma maioria tanto ao PS como ao PSD é disputado ciclicamente pelos dois partidos?

Atualmente não é assim. De facto, na história da nossa democracia só existiram e existem dois partidos que concorrem para liderar um governo. Nós temos sensivelmente 20 propostas eleitorais em todas as legislativas, em que dessas 2/3 são falsas propostas eleitorais, ou seja, são partidos que na prática estão a aproveitar a atenção mediática e dos cidadãos, e depois sobram 7/8/9 que são realmente partidos candidatos à Assembleia da República. Em relação a todos estes, exceto dois (os dois grandes partidos), a cruz que colocam só vale para uma coisa, que é para eleger um deputado. 

Com os outros dois, na prática os eleitores estão a fazer duas coisas ao mesmo tempo, que é eleger deputados, e quem o Presidente da República vai chamar para formar governo. Por isso é que os cartazes dos partidos que só concorrem ao Parlamento normalmente não têm rostos, basta ver os da CDU, por exemplo, e os do PS e do PSD têm sobretudo rostos, porque estão a atrair eleitores para votar não necessariamente no partido, mas nas pessoas que são candidatas a primeiro-ministro. 

No final dos anos 80, início dos anos 90, havia apenas um partido que se posicionava para formar governo que era o PSD de Aníbal Cavaco Silva. Agora passa-se isto com o PS. Ou seja, nas eleições de Janeiro passado, na prática, havia apenas um partido que garantia aos portugueses que do seu resultado eleitoral ia nascer um governo com programa. Isto porque o PSD entretanto perdeu eleitores, há uma reorganização da direita, e naquele dia das eleições as pessoas não sabiam se votavam num governo PSD, se num governo PSD com a Iniciativa Liberal, ou num governo PSD + IL + Chega. Contudo, sabiam que ao votar no Partido socialista era num governo socialista que estavam a votar. 

Sendo verdade que os eleitores sempre optaram por um ou outro partido, as maiorias absolutas ocorrem quando um deles é no fundo o único que se apresenta para formar governo. 

“A transferência direta de eleitores é algo que não existe. A maioria das pessoas vota sempre no mesmo partido, e quando querem penalizar esse partido abstêm-se, porque esperam uma nova oportunidade para votar nesse partido.”

Luís Paixão Martins, consultor de comunicação e relações públicas.

Não há então aquela transferência futebolística de votantes entre os partidos?

Isso é um daqueles mitos que o jornalismo cria, e que não tem nada a ver com a realidade. O BE e o PCP perderam 300 mil eleitores em Janeiro de 2022, e o PS ganhou 300 mil eleitores, mas não são os mesmos. Esses dois partidos perderam votantes sobretudo para a abstenção, e o PS ganhou sobretudo da abstenção. Eu não consigo quantificar a transferência direta de votos, porque não tenho uma varinha mágica, nem nenhum observatório em especial para isso, mas nós fizemos uma sondagem a um mês das eleições em que perguntámos aos eleitores que nas eleições anteriores tinham votado BE e PCP como iriam votar nestas legislativas e o anúncio das intenções de voto no PS era apenas de 6%. Estudiosos do comportamento do eleitorado disseram-me que ao aproximar das eleições este número aumentou, mas de forma residual, de 6% por exemplo para 10%, não de 6% para 100%. 

Este exemplo serve para dizer que a transferência direta de eleitores é algo que não existe. A maioria das pessoas vota sempre no mesmo partido, e quando querem penalizar esse partido abstêm-se, porque esperam uma nova oportunidade para votar nesse partido. 

Capa de “Como Perder uma Eleição”, de Luís Paixão Martins (ed. Zigurate)

O que acha que foi mais impactante para o resultado da última maioria absoluta? O voto útil provocado pela última semana de campanha ter sido passada a falar de empate técnico, ou o facto de António Costa ter um perfil pessoal de líder muito mais favorável que Rui Rio?

Estamos a falar de 2,1 milhões de eleitores, que votaram com motivações diferentes. Há 1 milhão, 1,2 milhões que votaram no PS porque o consideram o seu partido, e o balanço que fazem do partido é suficientemente bom para ir votar. Depois, há um contingente de pessoas que votaram por ser António Costa, num voto altamente pessoal, e há ainda um conjunto de pessoas que votaram por variadíssimas questões. Algumas porque consideram que o PS é o partido que tem melhores condições para gerir o SNS, versus a direita, ou porque é o partido tampão contra a extrema-direita. Há várias motivações que somadas dão a maioria absoluta. É isso que são as eleições. Identificar quais são os grupos de eleitores, perceber as suas motivações, e tentar falar com eles. 

A maioria absoluta, é feita de uma decisão final de 200 ou 300 mil eleitores que é decisiva. Ao contrário de muitos jornalistas e comentadores, nos últimos dias de campanha uma grande porção do eleitorado já está farta do ambiente de campanha. Centenas de milhares de eleitores não queriam que o governo tivesse caído, e não gostam da ideia de que o país não é governado. E, portanto, decidem votar porque consideram que a única forma de resolver esse ambiente de intranquilidade é votar, e no candidato que confiam para formar governo. Digamos que os últimos eleitores, que deram o salto para a maioria absoluta, na minha perspetiva, fizeram um voto de confiança no único candidato capaz de terminar com a instabilidade.

Creio que considera que sem António Costa esta maioria absoluta não tinha sido possível. 

Não consigo responder a essa pergunta porque não trabalho em cenários hipotéticos. Podia lá estar uma pessoa melhor que António Costa. Não endeuso os candidatos com quem trabalho. 

“O BE e o PCP fazem campanha contra o PS, não contra a direita. Do ponto de vista eleitoral, essa presunção de ser querido pelo BE e pelo PCP para um dirigente do PS é um lapso.”

Luís Paixão Martins, consultor de comunicação e relações públicas.

Vê em algum dos putativos futuros candidatos do PS um candidato ou candidata capaz de originar uma futura maioria absoluta?

Dou-lhe um exemplo, José Sócrates foi eleito líder do Partido Socialista seis meses antes de obter uma maioria absoluta, uma inclusive maior do que a de António Costa. Portanto, estamos a três anos de distância do próximo ato eleitoral. A essa distância na altura ninguém diria que Sócrates ganharia uma maioria absoluta, aliás ele nem era líder. Não me importo com a especulação, mas não contribuo para ela. 

Luís Paixão Martins / Fotografia de Rui André Soares – CCA

O que achou do célebre discurso de Pedro Nuno Santos em Aveiro, sobre a meritocracia e o liberalismo? 

Provavelmente quem o tornou célebre fui eu, que mais ninguém falou dele. Durante a campanha não o fiz, porque não contribui para a mesma. É um discurso egocêntrico, e na campanha o que é suposto é falar de outros, não do próprio. Depois da campanha falei, porque é de facto um discurso interessante do ponto de vista ideológico.

Mas a pergunta é mesmo essa. Acha que o futuro do PS deve ser aquele combate ideológico? Tão aguerrido?

O problema não é ser aguerrido. O líder do PS que suscite aplausos do Bloco de Esquerda e do PCP nunca terá maioria absoluta no Partido Socialista. Isto para mim é lapidar. Tanto faz ser a pessoa A, como B, é irrelevante. Naquilo que me é possível analisar, à luz dos estudos que conheço, o apoio do BE e do PCP é um apoio que retira votos ao PS. A política é uma ciência nobre que permite às pessoas defender as suas causas, e as pessoas devem fazê-lo apesar da opinião dos consultores. O que estou a dizer, na área que conheço, comunicação eleitoral, é que o Partido Socialista disputa eleitorado com o BE e o PCP, não complementa. Há uma rivalidade, não há uma complementaridade. A hostilidade entre os partidos próximos acentua-se na campanha eleitoral. O BE e o PCP fazem campanha contra o PS, não contra a direita. Do ponto de vista eleitoral, essa presunção de ser querido pelo BE e pelo PCP para um dirigente do PS é um lapso.

Se já ficou claro que o eleitorado no geral, e o do PSD em particular, reagem muito negativamente a uma possível coligação com o chega, até mais do que uma solução de Bloco Central, porque é que acha que as atuais e anteriores lideranças do PSD foram e continuam a ser propositadamente ambíguas em relação ao tema?

Não devem ler as sondagens. Neste momento o PS tem uma vantagem competitiva contra o PSD, que é a ideia de que o PS consegue criar governo sozinho e o PSD não. Eu compreendo que é difícil para o PSD anular esta vantagem competitiva do PS. Agora, é estranho pensar-se que a anulação dessa vantagem competitiva seja feita com uma narrativa centrífuga. O que aconteceu nas últimas semanas é que o PSD saiu do centro para a direita. Procura conquistar terreno ao Chega, e apropriar-se de certos atributos do Chega. E isso entendo como uma tentativa de voltar a captar o eleitorado da direita, mas do ponto de vista do resultado eleitoral geral, e na minha opinião, não produz bons frutos. 

“A Iniciativa Liberal é um partido diferente, por exemplo nos rendimentos. Quando fazemos estudos eleitorais, verificamos que os partidos têm sensivelmente a mesma distribuição de eleitores por rendimento, ou seja, não é por ser do PCP ou do CDS que em média tenham um salário maior. A primeira vez que encontrei uma diferença foi com a Iniciativa Liberal, onde a média de rendimentos é superior.”

Luís Paixão Martins, consultor de comunicação e relações públicas.

Os dois grandes partidos do sistema político, o PS e o PSD, podem ter um problema de renovação do seu eleitorado, sendo que os últimos dados disponíveis indicam que da totalidade dos votantes do PS só 15% são jovens. Concorda que isto seja um problema?

Não estou certo de que esse número seja mau, só se vota a partir dos 18 anos. Esses dados têm de ser confrontados com a percentagem da população portuguesa que é jovem, e só aí confrontados. Os dois grandes partidos até têm umas organizações de juventude. Se cumprem bem ou não, é outro assunto. Aliás, têm iniciativa política e influência nos próprios partidos. Como o Partido Socialista tem muitos governantes no governo, não sei bem quantificar, mas se fizer um estudo das bancadas parlamentares o PS tem provavelmente a bancada mais jovem.

Luís Paixão Martins / Fotografia de Rui André Soares – CCA

Porque em vários estudos é identificado que, por exemplo, a Iniciativa Liberal, tem como percentagem de votantes os jovens com um peso bastante elevado

Certo, mas isso pode não ser mérito da Iniciativa Liberal, pode significar que não consegue ter uma representação noutro eleitorado. Eu sou do tempo em que os jornais eram muito lidos, e atravessaram um problema de fundo que era que os jovens não liam jornais. E uma vez perguntaram a um editor americano o que se podia fazer para atrair os jovens americanos para a leitura de jornais, e ele respondeu esperar que chegassem aos 30. Aplicado à política, eu diria que não é muito apelativa para jovens dos 18 aos 25 anos como é para pessoas com mais de 40 anos. 

Antes do 25 de Abril não tínhamos eleições livres, e muitos portugueses só descobriram as eleições livres aí. Essas pessoas têm uma relação com o escrutínio eleitoral muito mais cuidada, porque veem no voto uma conquista. É, portanto, natural que as pessoas mais idosas acabem por votar mais que os mais jovens. Não estou a ver como é que o PS pode ter uma deficiente representação de jovens comparativamente com outros partidos. 

A Iniciativa Liberal é um partido diferente, por exemplo nos rendimentos. Quando fazemos estudos eleitorais, verificamos que os partidos têm sensivelmente a mesma distribuição de eleitores por rendimento, ou seja, não é por ser do PCP ou do CDS que em média tenham um salário maior. A primeira vez que encontrei uma diferença foi com a Iniciativa Liberal, onde a média de rendimentos é superior. 

“A política é uma ciência nobre que permite às pessoas defender as suas causas, e as pessoas devem fazê-lo apesar da opinião dos consultores. O que estou a dizer, na área que conheço, comunicação eleitoral, é que o Partido Socialista disputa eleitorado com o BE e o PCP, não complementa.”

Luís Paixão Martins, consultor de comunicação e relações públicas.

A Geringonça foi uma solução governativa relativamente popular. A sua queda não penalizou o PS, e pelo contrário deu lhe uma maioria absoluta, mas causou um tombo eleitoral enorme ao BE e ao PCP. Considera que o eleitorado da falecida geringonça penalizou estes dois partidos pelo seu fim? E se sim, como é que foi possível vender esta ideia?

Não sei se a narrativa de campanha correspondeu ao resultado eleitoral. O PCP e o BE tiveram a mesma oportunidade de fazer campanha no outro sentido, e fizeram. O António Costa deve ficar na história da democracia portuguesa porque criou a Geringonça, que foi a primeira vez, fora da experiência na Câmara de Lisboa, que o BE e o PCP integraram o arco governativo. O que isto significa, a meu ver, é que há um conjunto de pessoas que votaram no BE e no PCP porque votavam na geringonça. Ou seja, a Geringonça é uma espécie de coligação informal, em que pessoas votavam nos partidos votando ativamente na geringonça. Caindo a Geringonça, essas pessoas deixaram de votar nos partidos. E o PS provavelmente também perdeu eleitores da Geringonça mas ganhou outros, os que pertencem ao nosso centro político e que não votavam PS durante a Geringonça e passaram a votar PS quando caiu a Geringonça. 

Luís Paixão Martins / Fotografia de Rui André Soares – CCA

Porque é interessante ver que em 2015 o BE teve um excelente resultado eleitoral, e quando caiu a Geringonça perdeu muitos eleitores

Exatamente, porque provavelmente esse grupo de votantes era emprestado. Os partidos passam a vida a ter eleitores de oportunidade. Neste caso, tinham um conjunto de eleitores que votavam BE para pressionar o PS, caiu a Geringonça e eles migraram de novo.

Qual foi o papel do Orçamento de Estado que não foi aprovado devido à queda do governo que foi levado impresso consecutivamente aos debates? 

Acho que foi muito relevante. Uma campanha eleitoral é uma coisa muito dinâmica. Há eleitores que decidem ao primeiro dia em que partido votam. Neste caso, estamos a falar de um momento em que a grande maioria dos eleitores já tinha decidido. Existiam à volta de 20% dos chamados indecisos, e nós tínhamos uma proposta para eles que os outros não tinham. Os eleitores atualmente estão muito desiludidos e descrentes, portanto um candidato ter um documento que já tinha sido apresentado e discutido, e que se tivesse maioria absoluta seria aprovado, faz do documento uma peça fundamental da campanha.

Escreve no penúltimo capítulo do livro que, e estou a parafrasear, se um candidato tem boas ideias e projetos deve fazer-se eleger primeiro para os pôr em prática, e que a campanha é raramente o lugar acertado para estas serem apresentadas. Isto não é em certo sentido uma admissão velada que para ser elegível um candidato a primeiro-ministro deve ser o menos disruptivo politicamente possível?

Estamos a falar de um país que tinha acabado de sair de uma pandemia. Tinha iniciado uma Guerra, e o mundo já estava tão complexo em tantos aspetos, que a última coisa que as pessoas queriam era disrupção. De facto, nas primeiras fases considerámos se o facto de António Costa ter sido a cara do combate à pandemia era positivo ou negativo. E pensámos se usar isso na campanha seria benéfico ou não, porque não sabíamos se as pessoas estavam tão fartas da pandemia que isso inspiraria um discurso de mudar de página. O que nós explicámos foi que mudar de página era avançar para além da pandemia, e não trocar quem a tinha combatido. E o que verificámos foi que as pessoas valorizaram o papel de responsabilidade do candidato.

Agora, isto não se aplica a todas as alturas. O José Sócrates foi um candidato disruptivo. As pessoas estavam fartas da instabilidade. Depois do Professor Cavaco Silva tivemos vários governos muito curtos. E as pessoas apostaram num candidato disruptivo. José Sócrates era relativamente desconhecido antes de se candidatar contra Santana Lopes, e a diferença não era só em notoriedade, era também na apreciação como futuro primeiro-ministro. No livro eu publico um meme que fiz na altura, em que dizia que aparentemente as pessoas já decidiram que aquele primeiro-ministro não querem, Santana Lopes, mas ainda não sabem quem é este (José Sócrates), para que possam aderir a ele. 

Fizemos uma coisa na campanha que chamámos a Arena, em que pusemos José Sócrates pelo país, em que ele se colocava no meio e as pessoas em volta, e ouvia os problemas das pessoas. Isto passava na televisão e aumentava a popularidade dele. Ou seja, para cada problema temos de arranjar uma solução. Pode parecer ridículo hoje porque toda a gente conhece José Sócrates, nem sempre por boas razões até, mas na altura não era assim. 

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