Entrevista. Luís Trigacheiro: “O meio artístico é tão pequeno que se não nos entregarmos uns aos outros isto não tem piada”
Depois de “Fado do Meu Cante”, o seu álbum de estreia, eis que chegou a vez de Luís Trigacheiro dar a conhecer o sucessor “Ela”, que apresentará no Coliseu dos Recreios, a 25 de outubro de 2025, tendo como foco principal o feminino. Como o próprio revelou em entrevista à Comunidade Cultura e Arte, “a maior parte dos temas dirige-se à figura feminina, à mulher. Foi produzido, também, por uma mulher [Luísa Sobral] e, depois, faz uma homenagem à minha avó paterna“.
Desde MARO a Miguel Marujo, “Ela” conta com um leque diversificado de colaborações, assim como os duetos com Milhanas, Salvador Sobral e Irma. Sobre o cante alentejano afirma que “é uma das minhas bases e, por isso, é difícil arrancá-la de mim“. Confessa também na entrevista que se segue que é “muito apologista da composição em grupo porque isso transporta-nos para outros sítios para os quais, se calhar, não conseguimos ir sozinhos“.
Podes começar por explicar como o feminino influenciou a temática do teu novo álbum?
Trata-se de uma homenagem à figura feminina por três fatores. A maior parte dos temas dirige-se à figura feminina, à mulher. Foi produzido, também, por uma mulher e, depois, faz uma homenagem à minha avó paterna. São estes os três motivos que dão nome ao disco.
O disco conta com variadíssimas participações, desde MARO até Miguel Araújo. O que levou à escolha destes artistas? Mostraram-se todos receptíveis?
Sim, os artistas mostraram-se todos receptíveis a participar no disco, a fazer canções, alguns até a colaborar em dueto. Foi muito bom e o resultado que temos é o que está à vista.
O álbum, como já referiste, teve a produção de uma mulher, a Luísa Sobral. Como foi o trabalho com ela na produção deste disco?
Foi muito bom trabalhar com a Luísa, ela é uma pessoa muito versátil, sabe ouvir, é generosa, aceita opiniões diferentes e as opiniões dos outros. É também muito assertiva, muito focada e comprometida. Enquanto produtor, estes são critérios muito interessantes a ter-se em consideração. Gostei muito de a conhecer na parte mais séria, mais focada no trabalho, mas também gostei muito de conhecer a parte mais pessoal dela. Isso foi muito bom.
Mas já tinhas trabalhado com ela desde o primeiro álbum, certo?
Sim, a Luísa conta com um tema no primeiro álbum e essa parceria cresceu. Neste disco não tem apenas um tema, tem também a produção de 14 temas e, portanto, foi muito bom.
No caso especial da MARO, a música já seria para ser gravada no álbum anterior. Porque é que foi gravada só agora, neste álbum? É importante para ti saberes que cada música tem o seu próprio espaço no álbum?
Esta música já era para ter sido antecipada e gravada no primeiro disco. Como não fazia sentido no “todo”, em conjunto com o resto das canções, então optámos por guardar e deixá-la ficar a repousar. Agora decidimos gravá-la.
O que valorizas mais nos temas que escolhes para interpretar?
A letra é uma das coisas que tem muito impacto para mim, tem de me chegar, tem de ter conteúdo. A parte melódica também tem de fazer sentido e tem de me tocar. Acho, portanto, que são os dois pilares de qualquer canção e são as duas coisas que me fazem agarrar mais ou não a ela. A canção pode ter uma melodia muito bonita e a letra não fazer jus a essa melodia, ou pode acontecer não me identificar com a letra. Questiono, então, se é possível a alteração. No caso de não ser, acabo por não me identificar com a canção e por não a gravar.
Mas como é que fazes a escolha do repertório a constar num álbum? Leva o seu tempo até chegares à decisão final do alinhamento?
Leva. Temos de ouvir bem os temas todos, temos de imaginar como é que irão ficar ou não, e fazer uma escolha coerente porque não podemos ter temas, ainda que diferentes, que falem sempre do mesmo ou que contenham as mesmas coisas porque, caso contrário, isso não faz sentido: o interessante é ter um fio condutor, mas também ter alguma originalidade e alguma diferença pelo meio. Conto com a ajuda do produtor para essa decisão, até porque a Luísa tem muita mais experiência do que eu nessa parte e é um bocado por aí.
Que ferramentas do curso Superior de Jazz e Música Moderna te deu?
Deu-me algumas, mas poder-me-ia ter dado mais se me tivesse aplicado muito mais. Por falta de compromisso, de motivação e também por falta de tempo, acabei por me afastar um bocado, mas deu-me alguma liberdade criativa e isso foi ótimo.
O disco também conta com temas da tua autoria e de amigos teus. Gostavas de explorar mais a via da composição?
Sim, tenho vindo a explorar aos poucos e dentro das minhas limitações. Sou muito apologista da composição em grupo porque isso transporta-nos para outros sítios para os quais, se calhar, não conseguimos ir sozinhos: duas ou três cabeças pensam melhor do que uma. Sou muito apologista em compor em grupo com pessoas com que me identifico em termos de sonoridade e, até, de personalidade. É algo que estou a começar a descobrir e que está começar a dar-me algum gozo.
Tens encontrado um bom espírito de colaboração entre a comunidade artística portuguesa?
Sim. O meio artístico é tão pequeno que se não nos entregarmos uns aos outros isto não tem piada. O giro da música, também, é podermos partilhar as nossas ideias com os nossos colegas, ainda que sejam diferentes de nós e que tenham interpretações e sonoridades diferentes das nossas. O giro é essa mescla.
De que forma as raízes do Alentejo acabaram por te moldar? Foi por causa destas raízes que começaste a gostar de música também?
O primeiro impacto que tenho com a música, mais a sério, é o canto alentejano. Diria, portanto, que é uma coisa que se enraizou, que se manifestou e que se irá manifestar nos próximos tempos, ou até ao fim da minha carreira. É uma das minhas bases e, por isso, é difícil arrancá-la de mim.
Achas que é importante, ao mesmo tempo que se dá destaque à música tradicional portuguesa, reinventá-la, dar-lhe outras roupagens, ao mesmo tempo que se respeitam as suas bases?
Sou muito apologista de dar novas roupagens à música porque, caso contrário, ficávamos onde estávamos há muitos anos. Acho que o giro da música é isso, é não existirem essas barreiras que nos prendem e nos agarram àquele estilo musical, somando-se o facto de podermos ser livres, pegar num estilo musical para o moldar e adaptar, torná-lo mais atual ou, até, mais inovador: isso é ótimo. Pode até levar a que esse estilo passe a ser mais escutado a nível mundial, como acontece em outros estilos musicais, em outros lados do mundo.
No disco também contas com a colaboração da Milhanas, Salvador Sobral e Irma. Como é que correram essas colaborações e porquê estas escolhas?
A única que queria mesmo logo de início e que já tinha em mente, até antes de fechar os temas do disco, era a Milhanas, porque somos amigos e admiro muito o trabalho dela, assim como a ela também. Queria mesmo muito que ela participasse neste disco. O Salvador Sobral surgiu por intermédio e sugestão da Luísa Sobral, tal como a Irma, arriscámos e fez-me logo sentido. Correu muito bem, muito bem mesmo.