Entrevista. Marina Costa Lobo: “A homogeneidade nas eleições é inimiga dos ganhos eleitorais”

por Ana Monteiro Fernandes,    8 Outubro, 2025
Entrevista. Marina Costa Lobo: “A homogeneidade nas eleições é inimiga dos ganhos eleitorais”
Marina Costa Lobo / DR
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O livro “O eleitorado Português no Século XXI”, organizado por Marina Costa Lobo – investigadora coordenadora em Ciência Política e diretora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa – e Ana Espírito Santo – professora associada no Departamento de Ciência Política e Políticas Públicas do Iscte e membro da direção do Consortium of National Elections Studies (CNES) desde 2023 – tem como objetivo fazer o retrato do eleitorado português ao mesmo tempo que procura resposta a estas três questões: “O que explica a abstenção em Portugal?”; “O que influencia o sentido de voto”; e “Quem são os eleitores dos diferentes partidos?”.

Para tal, foram utilizados dados recolhidos através de inquéritos pós-eleitorais, de 2002 a 2022, duas décadas que têm como divisor de águas o ano de 2009, a crise Europeia. Tendo em conta os períodos eleitorais que se avizinham, Marina Costa Lobo falou com a Comunidade Cultura e Arte (CCA) sobre as mudanças do eleitorado português a partir das eleições legislativas de 2024 e 2025 — os períodos em falta na análise do livro cuja primeira edição remonta a Maio de 2024 — o esvaziamento do centro político português e quais as questões mais preponderantes debatidas e tidas em conta para o eleitorado. 

Quanto às eleições autárquicas a terem lugar neste mês de Outubro, Marina Costa Lobo revela: “A grande questão das autárquicas é que o PS é quem tem o maior número de câmaras, mas com larga distância, e como o PS tem vindo a descer desde 2024 e agora, significativamente, em 2025, a grande questão é saber se isso se vai repercutir a nível das autárquicas ou não, apesar de existir o contexto local de cada lugar. Em contrapartida, veremos se esta ascensão do Chega a nível legislativo também se vai repercutir ou não.”

No livro está expresso que a recolha de dados dizem respeito a sucessivos inquéritos pós-eleitorais de 2002 a 2022, mas as eleições de 2024 a 2025 foram bastante significativas. Acha que estes resultados posteriores conduzem a novas leituras ou esta evolução já era previsível pelo apontado pelos capítulos do livro? 

Destacaria a eleição de 2024, sobretudo, como sendo muito decisiva para a transformação do sistema partidário português porque, nessa eleição, o Chega ganha 50 deputados e, a partir do momento em que um partido tem 50 deputados, isso representa um milhão de votos. Aquilo que muda em 2024 é a consolidação dessa mudança no sistema partidário uma vez que temos uma direita muito mais consolidada, com dois partidos fortes, e uma esquerda bastante mais enfraquecida, uma tendência consolidada em 2025. O ano de 2024 é muito decisivo tendo em conta esse ponto de vista, embora essa tendência já fosse visível. Não incluímos no livro porque foi publicado em 2023, as eleições de 2024 foram antecipadas e tínhamos de o publicar mas, entretanto, preparámos um especial de uma revista em inglês que se chama “South European Society in Politics”, onde estes capítulos foram revistos, já incluindo os dados de 2024. 

Capa do livro / DR

Pode-se dizer que 2008 e 2009 foram anos decisivos que estabeleceram um marco, uma linha de viragem para o que foi a evolução do eleitorado português até agora? Porque no livro chega-se mesmo a referir a importância de abranger duas décadas: uma relativa à  estabilidade até 2009 e outra de crise. Chega-se mesmo a referir no livro que “é um fator distintivo da democracia portuguesa.”

Começámos os inquéritos em 2002 e havia uma enorme estabilidade no sistema partidário português e, em consequência disso, no comportamento eleitoral marcado por uma grande abstenção e um domínio dos dois partidos centristas, o PS e o PSD. A partir de 2009, Portugal vive uma série de crises, começando pela crise da zona euro que durou até, sensivelmente, 2014. Depois, temos também uma crise da pandemia, posteriormente, a partir de 2020, e temos também outras crises na Europa mais relacionadas com os imigrantes e com a questão da guerra na Ucrânia. Destacámos, portanto, essas diferenças entre as duas décadas.

Temos um período inicial de relativa estabilidade e, depois, temos um segundo período que fica marcado pelas crises. No entanto, detectámos que o sistema partidário português resiste relativamente bem às crises e só tardiamente, a partir de 2019, é que notámos, de facto, o início desta transformação do sistema partidário, que vem da transformação do comportamento eleitoral, começando com o facto de, entre 2015 e 2019, terem entrado quatro novos partidos para a Assembleia da República, algo que não acontecia desde a democratização. Em 2024 é que temos, então, a maioria absoluta fragmentada da direita na Assembleia da República. Portanto, este período, a partir de 2019, fica marcado por fragmentação e também por uma crescente força da direita na Assembleia da República, mas uma força também ela fragmentada, o que suscita várias questões sobre a estabilidade do sistema e a estabilidade governativa. 

Em 2008 e 2009 passámos por uma crise. Nessa transição para a crise, o PS estava no governo, mas depois o PS saiu: houve eleições antecipadas, na altura, por causa do chumbo do PEC4, e o PSD de Passos Coelho ganhou essas eleições. Depois do PSD, que acompanhou a fase mais forte da crise, voltámos outra vez para o PS: a primeira vez o PS não ganhou mas, com uma maioria parlamentar de esquerda, formou-se a “Geringonça”. Conseguiu ganhar as eleições seguintes, mas com maioria relativa e fez acordos pontuais com cada partido da esquerda. Em 2022 é que passa para uma maioria absoluta. Mas há aqui algo interessante. Mesmo com a maioria absoluta do PS, será que depois de Passos Coelho este esvaziamento do centro e do PS não seria já previsível? Não estaria já em curso? Porque mesmo depois de um PSD em plena crise não conseguiu ganhar as eleições, mesmo assim, e quando ganha pela primeira vez é com maioria absoluta. 

Na verdade, o sistema português é um sistema híbrido e isso é interessante, até no panorama europeu porque, por exemplo, em países como o Reino Unido, que tem um sistema eleitoral maioritário, de maioria relativa, as eleições resultam, praticamente, sempre em governo de maioria absoluta. Isso tem a ver com o sistema eleitoral que favorece muito mais apenas dois partidos. Depois, a maior parte dos outros países europeus vive sempre em coligações e países como a Bélgica, a Holanda, a Suíça e a maior parte da Escandinávia têm sistemas eleitorais de representação muito proporcional e não existem maiorias absolutas monopartidárias: tendem-se a fazer sempre governos de coligação. Portugal é um caso híbrido, temos um sistema eleitoral proporcional, mas não é tão proporcional assim e isso também favoreceu a emergência do sistema bipartidário que, no entanto, não garantia sempre maiorias monopartidárias para os partidos.

Isso aconteceu com o PS de 1987 e 1991, aconteceu com o PS em 2005, com José Sócrates e, agora, mais recentemente, em 2022, com António Costa, ao longo dos 50 anos de democracia. De resto, não houve maiorias monopartidárias. O que é que não havia antes que passou a haver em 2015? Foi a tal geringonça. É que as coligações que se faziam ou faziam governo, ou formavam governos minoritários, seja o PS mas também o PSD: ou era o PSD que fazia coligações com o CDS, ou o PS que chegou a fazer coligações com o PSD ou com o CDS. Qual foi a grande mudança que ocorreu em 2015, com a formação da geringonça? O PS fez uma aliança à esquerda que não é de incidência parlamentar mas, de qualquer forma, é uma geringonça que depois dura até 2022. Dura de formas diferentes, em formatos diferentes. A diferença é que Portugal tem tido muitas ocasiões de governos de coligação e de governos minoritários. Raramente tinham ocorrido governos de maioria absoluta. A novidade, a partir de 2015, é este tipo de coligação que se implementa.

Se me diz que 2022 foi um pouco contracorrente, é verdade, foi contracorrente a maioria absoluta que foi dada ao Partido Socialista, se olharmos para a força dos partidos socialistas em toda a União Europeia, porque a verdade é que os partidos socialistas em toda a União Europeia têm sofrido uma queda muito significativo. Já nesta altura, meados da segunda década do século XXI, estava estabelecida essa crise social-democracia e o PS resistiu bastante obtendo, inclusivamente , em 2022, uma maioria absoluta e não foi assim há tanto tempo, entretanto tornou-se o terceiro partido da Assembleia da República, apesar de ter a mesma percentagem de votos do Chega mas, em termos de assentos, tem menos assentos e, portanto, simbolicamente isto é uma reviravolta muito grande para o Partido Socialista. 

“Portugal era um país de emigrantes, tornou-se um país de imigrantes e, entretanto, a questão da imigração, que nunca foi um tema político importante — a corrupção sim, sempre — mas o tema da imigração vai surgindo como mais importante, assente numa realidade que também está a mudar. Portugal tem um nível de imigração bastante mais elevado hoje do que tinha há duas décadas.”

Mas o que é que poderá explicar o surgimento do fenómeno da extrema-direita já tardiamente em Portugal? 

A verdade é que este tipo de partidos defendem temas como o combate à corrupção, o combate à emigração, a discriminação de algumas minorias étnicas como a questão da segurança: esse tipo de temas. Quando realizámos os inquéritos ao longo destas duas décadas perguntando qual era a preocupação que as pessoas tinham, por exemplo, com a corrupção e qual era a perceção que os indivíduos tinham sobre os níveis de corrupção política em Portugal, eles eram muito elevados. Quando se colocavam questões sobre alguns indicadores para aferir o nível de discriminação de pessoas que não são nascidas em Portugal, aí também tínhamos uma indicação elevada de que, em Portugal, havia indícios elevados de racismo, isso estava lá. Constatámos o mesmo em relação à perceção da necessidade de segurança, isso também estava lá. O que é que mudou? Não foi exatamente o eleitorado português. Aquilo que mudou foi o contexto político para estes temas sobressaírem. Estes temas foram articulados por um deputado que entrou em 2019, André Ventura, porque estes temas não eram articulados previamente pela classe política, isso não ocorria, e há aqui um conjunto de fatores.

André Ventura surge em 2019 numa conjuntura mediática totalmente transformada, porque a conjuntura mediática da primeira década que analisámos, portanto, do século XXI, é uma conjuntura mediática em que a televisão e os média tradicionais dominam, totalmente, os temas que são discutidos, mas estamos, agora, a viver num mundo crescentemente dominado pelas redes sociais e pelos algoritmos: a ligação que os partidos tradicionais têm com os média é muito mais fortes com os média tradicionais do que com as redes sociais, até pela natureza das redes sociais, que é muito mais fragmentada. Então, essa conjuntura nova permitiu a entrada de atores novos no terreno político, que tinham muita dificuldade em conseguir aceder ao espaço público e, isso, facilitou a fragmentação. Depois há questões objetivas. Portugal era um país de emigrantes, tornou-se um país de imigrantes e, entretanto, a questão da imigração, que nunca foi um tema político importante — a corrupção sim, sempre — mas o tema da imigração vai surgindo como mais importante, assente numa realidade que também está a mudar. Portugal tem um nível de imigração bastante mais elevado hoje do que tinha há duas décadas. 

É mais fácil manipular a opinião pública?

É mais fácil politizar o tema, atualmente, do que era em 2009. Isso tem a ver com as transformações sociais que também estão a ocorrer. Há aqui, portanto, uma dimensão política e mediática que tem a ver com a capacidade dos atores políticos politizarem estes temas, mas assenta numa realidade social que também está em mudança e que tem impacto na forma como as pessoas olham para a política e para a sociedade.

Marina Costa Lobo / DR

Podemos dizer que as redes sociais contribuíram para a fragmentação do eleitorado? 

Se virmos o percurso, por exemplo, do PAN, vemos que se trata de um partido que nasce no Facebook, praticamente, e o PAN é um dos primeiros que surge quando a fragmentação começa. A própria IL, o Chega e o Livre, todos eles beneficiaram do acesso ao eleitorado direto que pode ser mobilizado pelas redes sociais sem passar pelos interlocutores tradicionais dos média. 

Foca-se no livro que enquanto aqui as questões económicas continuaram a ser preponderantes, em outros países as questões ideológicas tinham mais peso. Atualmente, as questões económicas ainda continuam a ser preponderantes para o eleitorado e ainda continuam a dominar o discurso dos debates? 

Penso que o debate político em Portugal tem sido marcado, por razões óbvias, por temas socioeconómicos e referentes ao papel do Estado na economia e sociedade. Isso marcou toda a democracia e, também, o primeiro quarto do século XXI. Mas a questão da imigração tem surgido mais recentemente como um tema que, sendo um tema económico também — porque é um tema económico — também tem a ver com a nossa sociedade e os nossos valores culturais. Quanto mais destaque for dado a esse tema, menor é a centralidade nos clássicos temas da economia, que continuam a ser discutidos. Por exemplo, a questão da saúde: vemos que tem sido absolutamente central neste governo e no anterior. A questão do funcionamento do SNS tem sido sempre central. A economia continua a ser debatida, mas a questão é que há outros temas que têm surgido e que se têm tornado importantes, enquanto que há uma década os temas económicos dominavam sozinhos. 

“Em relação à escolarização, a nível europeu, aquilo que foi detectado é que os partidos sociais-democratas tendem a perder os menos escolarizados para a direita, mas a mobilizar os mais escolarizados ao assumir posições progressistas e cosmopolitas.

E quanto às classes sociais e à escolarização, ainda contribuem para a fragmentação do eleitorado? Classes sociais, diferentes níveis de escolarização ainda têm peso na forma como o eleitorado português se comporta? 

Tanto o PS como o PSD são partidos interclassistas: agregam vários níveis de classes sociais e também de vários níveis educacionais. Dentro dos fatores sociais, a religiosidade era o que distinguia mais a esquerda da direita do que, propriamente, a educação ou as classes sociais. Falaste dos blocos de esquerda e blocos de direita. O que aconteceu e que, de certa forma, é novo foi que nos últimos anos a esquerda, e sobretudo o PS, que é o partido maior da esquerda, tem vindo a perder a juventude, os jovens. Quando vemos a distribuição etária dos votantes do PS, a percentagem de votantes que têm entre 18 e 24 anos é muito baixa, menos de 5%. Enquanto que à direita tem subido: tem subido no PSD um pouco, e tem subido no Chega, por exemplo.

Quanto à distribuição etária de 2025, há mais jovens a votar no Chega do que no PS.

Isso está relacionado com a escolarização, porque os mais jovens são os mais escolarizados da sociedade e, portanto, o que vemos? Vemos que o PS é um partido que não só está envelhecido, como também não mobiliza os mais escolarizados. Isto é um sinal preocupante para o PS não só porque, obviamente, os jovens são o futuro da sociedade e, portanto, é fundamental mobilizar os jovens, como sinaliza um certo distanciamento da parte dinâmica da sociedade, que são as gerações mais novas. Do ponto de vista dos fatores sociais, já estão a acontecer mudanças. Em relação à escolarização, a nível europeu, aquilo que foi detectado é que os partidos sociais-democratas tendem a perder os menos escolarizados para a direita, mas a mobilizar os mais escolarizados ao assumir posições progressistas e cosmopolitas. O que vemos em Portugal, pelo menos nas eleições de 2025, é que o PS mantém o eleitorado mais envelhecido. Mantém, tendo perdido eleitorado, mas aquele eleitorado que tem é mais envelhecido, não é um eleitorado, tendencialmente, mais escolarizado. Isso não está a acontecer.

Podemos falar de uma maior radicalização do eleitorado jovem? 

Sim. Penso que há aqui um fenómeno novo: a juventude tem-se sentido recentemente atraída pelo Chega, há muita juventude no Chega, e isso poderá estar relacionado com duas questões: a questão do perfil antissistémico do Chega e a forma como o Chega se posiciona como sendo antissistémico. Em segundo lugar, também parece que o Chega mobiliza muito a abstenção e os jovens abstêm-se muito. Portanto, este movimento dos abstencionistas que têm vindo a votar no Chega poderá explicar um pouco esta atração, este movimento do apoio dos jovens ao Chega.

Mas também aqui podemos falar de uma divisão. Há vários estudos que indicam que enquanto os homens tendencialmente votam mais à direita, as mulheres votam mais à esquerda. Qual será o motivo? 

O Chega começou por ser um partido com tendência para atrair sobretudo homens mas, entretanto, tem vindo a tornar-se um partido que não tem significativamente mais homens que mulheres. As mulheres também já aderiram ao Chega. Em relação à questão do gender gap, as razões pelas quais isso pode acontecer poderá ter a ver — não sei se é o caso em Portugal — com o facto de, pelo menos nos outros países, a direita radical politizar temas como o papel das mulheres na política, o papel das mulheres na sociedade e questionar os direitos que foram adquiridos pelas mulheres. Isto não está a ser politizado em Portugal, mas a direita radical noutros países questiona o papel das mulheres na sociedade no século XXI e tem um modelo muito mais tradicional para as mulheres. A direita radical enfatiza muito, também, a questão da segurança, a questão da necessidade de mais recursos para forças de segurança, enquanto que as questões ligadas ao reforço do Estado social acabam por ser mais defendidas pela esquerda: são temas para os quais as mulheres são mais sensíveis. Estas poderão ser as explicações para este gender gap. Quando não há Estado social, as mulheres são convocadas para tarefas de cuidado em muita maior proporção do que os homens. Por isso, a questão do Estado social interessa muito mais às mulheres em diferentes fases da sua vida, e isso pode ter impacto na forma como olham para as políticas públicas e as políticas públicas mais importantes. 

“A direita radical noutros países questiona o papel das mulheres na sociedade no século XXI e tem um modelo muito mais tradicional para as mulheres.”

Quando se aborda o eleitorado de direita no livro, refere-se que o PSD tem um eleitorado mais religioso que o do Chega. Surpreendeu-me. 

Acho que isso tem a ver com o facto do Chega ter um eleitorado não tão religioso, que também não é assim tão escolarizado e que, muitas vezes, vem da abstenção. São, portanto, pessoas que não têm esses laços institucionais tão fortes como uma direita conservadora clássica, de ligação à igreja. Portanto, o discurso de ligação à igreja que o André Ventura tem desenvolvido ao longo do tempo, não encontra assim tanto eco no seu eleitorado. 

Vamos para eleições autárquicas. Há, por exemplo, a ideia de que nestas eleições o eleitorado tende mais a votar por caras, ou seja, na pessoa em si, do que propriamente nos ideais do partido. O eleitorado comporta-se de forma diferente consoante o tipo de eleições? 

As autárquicas são locais, os problemas são locais e há uma grande vantagem do incumbente, porque muitas vezes, nos concelhos, o Estado e a Câmara Municipal, muitas vezes, são um grande empregador e dinamizador da terra. Quem é eleito acaba por criar uma relação que lhe dá uma grande vantagem para a reeleição, por isso é que quando se fez a lei que impedia a eternização dos presidentes de Câmara, acabou por ser uma grande revolução, porque passou a permitir alguma alternância, uma vez que a relação é cultivada e normalmente funciona e leva à reeleição. Essa mudança na lei abre um pouco a competitividade eleitoral a nível autárquico, mas há uma grande personalização, até porque votamos diretamente para o Presidente da Câmara, portanto, o sistema eleitoral também é diferente. No entanto, apesar de haver uma competição Câmara à Câmara que tem a ver com a personalidade e com os problemas que existem naquela Câmara — tudo é específico e local — também há uma tendência nacional daquilo que vemos na televisão à noite, daquilo que se vê nas redes sociais, dos debates, e que têm um impacto sobre o território e que influenciam. Nos conselhos maiores, como no caso de Lisboa, a dinâmica nacional acaba por ter um certo impacto e, normalmente, aquilo que se vê é que o Governo que está em funções sofre algum desgaste eleitoral a nível das autárquicas, porque é uma forma de passar algum descontentamento numa eleição que é tida como menos importante. Dito isto, a grande questão das autárquicas é que o PS é quem tem o maior número de câmaras, mas com larga distância, e como o PS tem vindo a descer desde 2024 e agora, significativamente, em 2025, a grande questão é saber se isso se vai repercutir a nível das autárquicas ou não, apesar de existir o contexto local de cada lugar. Em contrapartida, veremos se esta ascensão do Chega a nível legislativo também se vai repercutir ou não. 

“Quando não há Estado social, as mulheres são convocadas para tarefas de cuidado em muita maior proporção do que os homens. Por isso, a questão do Estado social interessa muito mais às mulheres em diferentes fases da sua vida, e isso pode ter impacto na forma como olham para as políticas públicas e as políticas públicas mais importantes.”

É mais fácil conseguir um eleitorado mais homogeneizado à esquerda ou à direita? Qual, a seu ver, é o eleitorado que acaba por ser mais homogéneo, ou que se comporta de forma mais homogénea? 

Do ponto de vista ideológico, só o PCP é que me parece que anda à procura de um eleitorado muito homogéneo. Normalmente, os partidos procuram atrair o maior número de eleitorado e isso leva à heterogeneidade. Quanto mais os partidos crescem, mais heterogéneos eles são. Acho que todos os partidos pretendem isso, mas quanto mais pequenos, mais homogéneos. O que se viu, por exemplo, agora em 2025, foi que o PS tornou-se um partido mais homogéneo do ponto de vista ideológico: 60% das pessoas que votaram em 2025 no PS diziam-se de esquerda, mas esse número era de 49% em 2024.  Existiam muitas mais pessoas de centro ou de direita a votar no PS. A homogeneidade nas eleições é inimiga dos ganhos eleitorais.

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