Entrevista. MARO: “A minha ideia é contrariar sempre o movimento mais competitivo e tentar mostrar como é a realidade ao sermos parceiros”

por Ana Monteiro Fernandes,    11 Abril, 2024
Entrevista. MARO: “A minha ideia é contrariar sempre o movimento mais competitivo e tentar mostrar como é a realidade ao sermos parceiros”
Fotografia de Simão Pernas
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No dia 7 deste mês [abril], “hortelã”, o último disco de MARO fez, exactamente, um ano, mas a artista não deixou de assinalar a data com um documentário disponível sobre os bastidores de gravação do álbum. Segundo explicou à Comunidade Cultura e Arte (CCA): “Quanto a destaques do documentário acho que, na realidade, achei interessante fazer este apanhado e mostrar um bocadinho do behind the scenes, dos bastidores, porque acho que é um álbum bastante sério e com algumas músicas mais tristes, mas a verdade é que, ok, as músicas são assim, mas o processo não foi assim de todo. Éramos todos amigos e sempre com piadas e brincadeiras“, revelou. Destacou ainda como a colaboração é sempre muito superior à competitividade.

Vai iniciar a sua digressão já no dia 13 e confessa que é “uma pessoa que gosta imenso de viajar e de conhecer cidades.” Está, portanto, “também curiosa com essa parte de, como é que é realmente a cidade e chegar lá, pela primeira vez“, revela. Em Portugal MARO estará, também, no Cool Jazz, dia 19 de julho, e dia 3 de maio apresentará um novo single, Lifeline, em conjunto com Nasaya, artista com quem já colaborou. Pelo que referiu, “vamos lançar um projeto, uma música de cada vez“, anunciou MARO à CCA, na entrevista que se segue.

No dia 7 deste mês [abril] saiu o documentário do “hortelã”, exatamente um ano depois do lançamento do álbum. O que é que destacarias deste documentário e que memórias te traz da gravação do “hortelã”?
Memórias incríveis. Acho que a gravação de um disco, para muitos artistas, não digo para todos, não sei com certeza, mas para muitos artistas é onde está a parte mágica do processo, porque há a parte de começar a sonhar com as músicas quando elas nascem e são escritas e, depois, sonhar com a produção e o que é que se quer fazer, a parte mais da logística, organização e, de repente, há momentos em que ficou tudo tratado e as coisas acontecem, de facto. Especialmente para mim que fui para um outro sítio, neste caso Barcelona, para um estúdio com amigos em que gravámos. São amigos naquela bolha, ali, durante três dias em estúdio e, portanto, claro que agora as memórias, voltar a viver e pensar, “uau, já se passou um ano desde que saiu o álbum, um ano e uns meses desde que gravámos”, é especial. São memórias incríveis.

Quanto a destaques do documentário acho que, na realidade, achei interessante fazer este apanhado e mostrar um bocadinho do behind the scenes, dos bastidores, porque acho que é um álbum bastante sério e com algumas músicas mais tristes, mas a verdade é que, ok,  as músicas são assim, mas o processo não foi assim de todo. Éramos todos amigos e sempre com piadas e brincadeiras, com uma cumplicidade enorme, então acho que o documentário acaba por mostrar um bocadinho, também, das nossas personalidades e o que é que acontece, realmente, quando estamos juntos, o que acaba por dar uma outra personalidade ao projeto.

“Acho que nos falta muito a noção de companheirismo, olhar para as pessoas que passam na rua e pensarmos que dividimos todos um espaço e que podemos dizer bom dia, ajudar com um saco.”

O “hortelã” foi gravado com o recurso a três guitarras, penso, tu e mais dois guitarristas de flamenco, sendo mais despido do que os teus trabalhos anteriores. O que é que aprendeste com esse lado mais cru, digamos assim? O facto dos outros dois guitarristas serem também de flamenco ajudou-te a perceber outras facetas, ainda, da guitarra?
Essa compreensão das outras facetas, essa descoberta, mesmo, já se tinha dado antes. Tanto que o eu imaginar este projeto com eles e o eu guardar estas músicas para eles foi porque, realmente, já tinha tido esse primeiro impacto de, uau, o que eles fazem com os instrumentos, e como é que conseguem criar um outro mundo sonoro a partir de um instrumento que eu conheço, mas pronto, de maneira tão diferente. Essa descoberta, portanto, já tinha sido.

Isto de voltar ao acústico foi mais ou menos como comecei, os primeiros álbuns ainda têm bastantes coisas muito acústicas. Acho, portanto, que esta coisa de voltar a este lugar depois de, por exemplo, o álbum anterior ser mais eletrónico e muito mais produzido, com montes de vozes e faixa, em cima de faixa em cima de faixa, agora, de repente voltar a esta versão mais crua da minha música, acho que é um bocado a confirmação de que eu, realmente, adoro também quando a música está mais despida. Não acho que precise sempre de imensas coisas, é como nós servimos cada música.

Desde o “Itsa me, MARO” até recentemente, com o Munir Hossn, as colaborações, este desafio constante de trabalho em parceria, tem sido uma marca tua, também. Por que razão é tão importante este trabalho de partilha, no teu caso, com outros artistas?
Acho que, no geral, a começar pela indústria da música — acho que em todas as indústrias do mundo inteiro, daí até as guerras — mas acho que nos falta muito a noção de companheirismo, olhar para as pessoas que passam na rua e pensarmos que dividimos todos um espaço e que podemos dizer bom dia, ajudar com um saco. Não custa nada dar um passo à frente e, a partir destas colaborações, eu consigo reforçar esse lado, pelo menos a começar na minha indústria, que é uma indústria que, muitas vezes, apela mais à competição, se calhar. Mesmo até entre mulheres, esta coisa de, se vai uma, as outras já não têm oportunidade. Gosto, por isso, de reiterar um bocado esta ideia — vamos fazer as coisas juntos, vamos juntos e vamos colaborar — e ainda por cima fazemos música, que tem o lado criativo. O que posso dar a uma canção, não é o mesmo que um guitarrista ou uma flautista podem dar. Ou seja, acho que toda a gente tem um input e, portanto, a minha ideia é contrariar sempre este movimento mais competitivo e tentar mostrar como é a realidade ao sermos parceiros, formarmos equipa com as pessoas que nos rodeiam. Não só é uma coisa positiva a nível do ambiente, mas a nível de resultados. O “hortelã” nunca seria o “hortelã” sem o talento do Pau e do Darío, nunca iria ressoar a mesma coisa, nunca iria ser o “hortelã”.

Então és da opinião que a complementaridade que cada um pode dar é muito melhor do que a competição em si.
Sempre, sempre. Para a vida inteira, não é só dentro da música, para o mundo e para todas as situações em geral. É aquela frase cliché de que a união faz a força.

Tens ido ao Brasil, confessaste numa entrevista há um ano que o Brasil tem já um peso na tua vida. Mas musicalmente como te transformou e o que te ensinou?
Acho que musicalmente essa mudança já começou, também, desde criança. Cresci a ouvir tudo, desde Milton [Nascimento], Caetano [Veloso], Chico [Buarque], Tom Jobim. Uma grande parte da história da música brasileira fez parte da minha vida, logo no começo da minha infância e acho que, depois, o ter encontrado uma casa, mesmo, uma família lá e ter começado a ir todos os anos solidificou um bocadinho isto porque, de repente, foi também ter acesso à parte mais cultural, mesmo, não só musical, mas tudo: como é que eles falam exatamente, o que é que eles comem, o que é que eles dizem, como é que eles pensam. Significou, portanto, o ter este outro acesso à cultura brasileira. Acho que reafirmou ainda mais a importância que a música brasileira teve na minha vida.

“Não acho que a música tenha de ter um certo número de camadas para ter mais impacto a nível nostálgico.”

Aliás, vi numa entrevista em que tu disseste que decidiste que querias ir para música assim de uma forma mais profissional quando ouviste Milton Nascimento.
Sim, exatamente!

Já vem daí, portanto. Mas esta possibilidade também de explorar e estar sempre aberta a mais géneros de outras culturas, ou seja, esta abertura cultural também é algo que já está em ti, certo?
Sim, e acho que, por isso, por ter crescido a ouvir música, por o meu pai pôr música de Madagáscar, da Bulgária, por exemplo, fez com que, realmente, eu fosse exposta a novas descobertas. Lembro-me da primeira vez em que o meu pai pôs um disco de vozes búlgaras, O Mistério das vozes búlgaras, a tocar. A primeira música chama-se Kaval Sviri, trata-se de coro de vozes inacreditáveis, e eu lembro-me que chorei a primeira vez que ouvi o disco e houve muitos momentos desses marcantes, em criança. De já sentir uma força muito grande em ouvir música de outros países, de outras culturas, outras maneiras de viver a música.

Mas achas que a tua geração, a nível musical, também tem essa facilidade maior em explorar, em estar mais aberta a outros mundos musicais, outras culturas musicais?
Acho que sim, nem que seja agora com a internet, com as redes, com as plataformas, com os instagrams e assim. Abriu, de certa forma, essa porta de uma pessoa em Portugal conseguir aceder a um cantor do Azerbaijão, porque sim. Posso estar num sofá, no telemóvel, a ouvir uma búlgara a cantar no quarto dela. Hoje em dia isso acontece. Acho que, felizmente, esse lado da Internet e destas plataformas realmente foi muito positivo nesse aspeto. Abriu uma grande porta, deu-nos acesso a um monte de culturas.

Falámos como o “hortelã” é mais despido a nível instrumental e também foi associado a uma melancolia, mesmo que seja uma melancolia sem parar de olhar para o futuro. Mas instrumentalmente o “hortelã” teria de ser assim ou também achas que música com mais camadas, ou até mesmo com um outro ritmo que possa soar alegre, também pode conter essa melancolia?
Sim, sim. Nunca tive essa ideia, quase pretensiosa, de achar que há um tipo de música que é o certo. Acho isso, se calhar, até meio arrogante. Acho que há maneiras diferentes de expor sentimentos diferentes e não acho que uma música seja mais verdadeira por estar mais despida de produção. Acho que uma música do Justin Bieber pode ser, se calhar, mais pesada emocionalmente do que uma canção do Hortelã, por exemplo. Depende da música do Justin [Bieber], depende da minha música. Nunca achei tanto isso. Por exemplo, no “Can you see me”, que lancei antes do “hortelã”, a última faixa do disco que se chama, I’m  just afraid, i’m so afraid, é capaz de ser mais vulnerável do que qualquer uma do “hortelã“. Não acho que a música tenha de ter um certo número de camadas para ter mais impacto a nível nostálgico.

Mas achas que a música pode funcionar como um veículo para exorcizar sentimentos que, embora mais melancólicos, também podem oferecer uma via de partilha com o público?
Isso, completamente. Na verdade, a minha música só é isso. Por exemplo, sei que há artistas que escrevem sobre histórias pensadas, quase como escritores. E há escritores que escrevem sobre o pessoal e histórias pessoais, ou pessoas que escrevem histórias, imaginam coisas e personagens. Acho que a música é um bocadinho assim. Realmente, sempre fui mais de utilizar a música para o que eu vivo, o que eu faço, o que eu sofro, o que eu adoro e me faz feliz. Isso tudo passa pela minha música. Agora se para isso passar tem de ser em músicas mais despidas, acho que não, pode ser a música mais pop de sempre e passar sempre para o público esse sentimento. Mas sim, acho que é um veículo não só para o artista que escreve como, depois, para quem ouve se conectar com o que também sente e pôr lá a sua história, que é uma das coisas que eu acho mais incríveis na música. Se estou triste, sou capaz de ir ouvir uma música de alguém — que um artista escreveu sobre a vida dele — e eu realmente posso identificar-me. Sei que as pessoas também fazem isso com a minha música e com músicas de outros artistas, e eu acho isso das melhores coisas que a música tem.

Partilhaste há pouco um reels que anunciava uma novidade para breve. Queres partilhar essa novidade?
Sim, tenho um projeto com um músico absolutamente incrível, chama-se Nasaya. Ele é de Reunião, uma ilha francesa ao pé do Madagáscar e nós, em 2021 ou 2022, lançámos um projeto, um EP com quatro canções, mas a verdade é que mesmo nessa altura já tinham nascido muitas, muitas outras canções que nunca lançámos. Entretanto, agora voltamo-nos a encontrar e escrevemos mais músicas novas e, por isso, vamos lançar um projeto, uma música de cada vez, e é isso. Esta que anunciei chama-se Lifeline, é a primeira, e vai sair no dia 3 de maio.

Vais começar a digressão muito em breve. Estás entusiasmada? Gostas de novos sítios e novos públicos?
Adoro fazer shows. Tenho muita sorte, mas tenho apanhado sempre públicos absolutamente maravilhosos que ouvem, que respeitam, que aderem e que cantam junto. A parte da experiência para mim é sempre gratificante, portanto, adoro fazer shows no geral. Nesta turné, nesta primeira parte da turné este ano, vamos chegar a muitos países onde eu já lá fui mas nunca toquei. Isso vai ser maravilhoso porque não conheço o público e vai ser giro, e vamos a muitos países onde nunca fui. Nunca fui a Copenhaga, à Dinamarca, por exemplo.

Há vários sítios onde nunca fui: nunca fui à Lituânia, nunca fui à Polónia, nunca fui à Finlândia, fui à Noruega, mas não fui a Oslo, nunca fui à Suécia. É isso, há vários sítios agora que eu estou animada para ir porque não só nunca fiz concerto como também nunca fui. Sou uma pessoa que gosta imenso de viajar e de conhecer cidades e, portanto, estou também curiosa com essa parte de, como é que é realmente a cidade e chegar pela primeira vez.  Sim, portanto, acho que vai ser giro, vai ser giro.

A música também tem este pendor de chegar a mais gente sem importar a língua ou o entendimento da língua.
Sim, o que eu já percebi foi que há gente portuguesa que comenta: “Ah, mas não percebo, se és portuguesa porque falas em inglês na página?” Mas é isso, a única coisa é que, portanto, consigo fazer músicas em português e as músicas chegam e as pessoas gostam, mas claro que depois, em comunicação nos concertos e, normalmente, no Instagram, com o inglês consegues aceder a qualquer pessoa de qualquer país, em princípio. A maior parte das pessoas, hoje em dia, fala em inglês. Claro, quando vou a sítios onde se fala em espanhol, consigo fazer uma apresentação em espanhol, há sítios onde se fala francês, mas claro que não falo 60 línguas. Nas redes tem de ser inglês mas, no geral, o que tenho sentido é que com a música, e no “hortelã” tenho sentido isso, é que realmente posso cantar em português, fazer um projeto que está, praticamente, na íntegra em português, e as pessoas conectam-se, gostam e cantam e isso é maravilhoso.

Mas também estudaste nos Estados Unidos, não é algo em ti que esteja descontextualizado.
Estudei, vivi, ainda vou voltar a viver e, todos os dias, trabalho com pessoas com quem tenho de falar em inglês, portanto, sim. Não é aquela coisa da minha vida inteira ser em Portugal e depois, do nada, dizer, “Hi Guys” [risos], só no instagram.

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