Entrevista. Miguel Loureiro: “Um director artístico não serve para estar atrás de uma secretária a fazer calendário”
O novo diretor artístico do Teatro Municipal São Luiz, em Lisboa, Miguel Loureiro, quer mais música, mais dança e mais festa, para fazer do teatro um lugar habitado, como disse em entrevista à Lusa.
Sem gostar de “transições radicais”, Miguel Loureiro disse que vai pegar no que está feito por Aida Tavares, a quem sucedeu na direção artística da instituição, para apenas substituir “o que lhe parecer que não serve”.
Quanto às apostas para o mandato iniciado em junho, Miguel Loureiro quer “mais música, incluindo ópera, opereta ou ópera de câmara, e não o grande repertório romântico clássico e neoclássico” e jazz, que terá um festival anual no Largo do Picadeiro, nas traseiras do teatro e transformado agora “na sua quarta sala”.
Outra das novidades na direção de Miguel Loureiro no S. Luiz é o regresso desta sala de Lisboa à parceria com o Festival de Teatro de Almada, que deverá concretizar-se já no próximo ano, adiantou à agência Lusa.
Enquanto estrutura de acolhimento e de produção, o novo diretor artístico da sala da Rua António Maria Cardoso disse que irá manter os “parâmetros”, mas terá mais oferta de música e dança, o que se justifica por se tratar de um teatro municipal.
Certo é também que vão continuar a dar atenção às companhias de teatro, até porque “normalmente o teatro é um tecido mais fragilizado”, além de ser o que “emprega mais pessoas e o que tem mais representação ao nível das artes performativas em Portugal”.
Daí que terá “especial atenção” a essa questão, nomeadamente numa altura em que muitas companhias estão “mais fragilizadas” por terem sido excluídas dos apoios da Direção-Geral das Artes.
“E é para isso que eu acho que também serve um diretor artístico, não é para estar atrás de uma secretária a fazer calendário”, frisou.
Manter-se atento às realidades do Chiado, onde o teatro se localiza, de Lisboa e do estrangeiro é, pois, o que importa para Miguel Loureiro, já que vão continuar a programar espetáculos internacionais, o que é possível por integrarem a rede Prospero e agora também a International Theatre Convention (ITC).
Ao nível da música, outra das novidades que o S. Luiz vai oferecer é a apresentação de um maestro por ano — em 2024 o cargo caberá a Martim Sousa Tavares — o que se traduzirá em “quatro, cinco ou seis momentos musicais ao longo do ano”, disse ainda Miguel Loureiro.
O novo diretor artístico do S. Luiz não quer, todavia, avançar grandes novidades, até porque conta apresentar a programação de janeiro a julho de 2024 em dezembro.
Apesar de essa programação ainda ter sido gizada pela anterior diretora artística do espaço, já lhe permite “ir introduzindo uma série de gestos de programação”.
Um deles é precisamente haver um maestro diferente por ano e um pequeno festival com duos, trios ou quartetos de jazz a realizar no Largo do Picadeiro na altura do verão e que vão tentar fazer coincidir com a altura das Festas de Lisboa.
Outra das apostas do novo diretor artístico é a realização de um ciclo de pensamento, que vai decorrer ao longo do ano, com uma conferência por mês.
“O nosso futuro ainda humano”, frase glosada de uma obra do cientista político Francis Fukuyama, será o título da iniciativa que terá curadoria do ator e investigador Carlos Pimenta e para a qual Miguel Loureiro conta com a presença de especialistas portugueses e estrangeiros.
Outra das novidades que será apresentada em dezembro será a programação especial para as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, ainda com “muita mão da Aida Tavares”.
Miguel Loureiro adiantou ainda que, a partir de 2024, a programação do teatro será dividida consoante as estações do ano, pelo que haverá a programação de outono, inverno e primavera.
Questionado sobre se tem ideias novas a concretizar na sala Bernardo Sassetti — também conhecida como Jardim de Inverno —, o ator diz que sempre “associou muito aquele espaço à palavra”.
Pelo que aí irão realizar-se ciclos de música, de poesia ou até conferências. Outras iniciativas terão de ser estudadas porque o espaço “sofre de contaminação acústica” se for usado em simultâneo com as salas Luis Miguel Cintra e Mário Viegas, referiu.
De uma coisa Miguel Loureiro não pretende abdicar, que é “manter o teatro um local habitado mesmo depois de terminados os espetáculos”.
“Fazer do próprio teatro um sítio mais habitado”, com pequenos mimos como “receções ou beberetes para segurar o público no local” é uma aposta do novo diretor artístico que também pretende alargar as carreiras dos espetáculos na sala Luis Miguel Cintra de duas a três para as quatro semanas.
Em “ocasiões especiais” Miguel Loureiro não pretende deixar a carreira de ator durante o mandato que iniciou.
Em breve começará a ensaiar “Mourning becomes Electra”, a trilogia de Eugene O´Neill que se estreará no Teatro Experimental de Cascais (TEC) com encenação de Carlos Avilez, seu “mestre” e por quem nutre “imenso carinho”.
Sobre o desafio que aceitou aos 53 anos, Miguel Loureiro considera estar na função que desempenha “fundamentalmente para dialogar com os artistas e saber que espetáculo é que eles querem apresentar”, prometendo apostar numa programação “o mais abrangente possível”.
A escassos dias da reabertura do teatro, que vai ocorrer no sábado com uma festa de entrada livre com Suzie and the Boys, num espetáculo de cabaret concerto, e com “Zabra Soundscapes”, performance de João Pedro Fonseca e Manuel Bogalheiro, Miguel Loureiro gostava que as pessoas ficassem cientes “de que o S. Luiz é uma casa que quer receber em festa”.
“Gostava que fosse uma casa de alegria depois de alguns tempos de escuridão — estou a falar da pandemia — que não fosse um daqueles sítios respeitáveis onde se vai cumprir a agenda. Não, venham aqui também um bocadinho para celebrar a festa”, frisou.
“Os teatros precisam dessa vida. Se não, os fantasmas crescem”, concluiu.