Entrevista. Miguel Luz é uma “Montanha-Russa” entre o hip-hop e o rock alternativo
No dia em que faz 24 anos, Miguel Luz oferece ao público um novo tema. “Montanha-Russa” é um ponto de viragem no estilo musical: a partir de agora vai ser “na linha do rock alternativo”, sem esquecer o hip-hop que o fez nascer na música. Os riffs de guitarra ficaram na cabeça de Miguel Luz algures entre os primeiros álbuns de Arctic Monkeys, músicas de The Strokes e The Kooks. Mostram-se agora na construção do seu segundo álbum, em que já não entra humor. Para já, a música de Miguel Luz só sobe ao palco nas sessões ao vivo do podcast “Janela Aberta”, que deseja tornar num espetáculo “e não em mais um episódio.” Vai passar por Aveiro, Lisboa, Leiria e Coimbra, mas outras datas serão anunciadas brevemente.
Como “Montanha-Russa” é um tema completamente diferente daquilo que já fizeste, estás mais nervoso para perceber qual vai ser a reação do público?
Não estou nervoso, estou entusiasmado. Quero muito ver o que é que as pessoas acham. Eu sei que há malta que vai curtir, sei que há malta que vai pensar: “Curtia era a cena mais rap que ele fazia.” Mas isso também aconteceu quando parei de fazer vídeos de YouTube e comecei a fazer música, hip-hop. Acontece sempre que experimento alguma coisa diferente.
Mas dirias que estás mais entusiasmado com o lançamento desta música do que com outras?
Ya, estou mais entusiasmado com esta do que com a “Meditação”. Aliás, eu até fiz esta antes da “Meditação”, só que pensei que faria mais sentido lançar depois, para fazer a transição. Porque sendo o segundo single do meu próximo disco, em que eu já saio da vertente de humor e música, decidimos que fazia mais sentido lançar a “Meditação” primeiro, porque é mais easy listening, e esta é mais: “O que é que é isto?” Por isso, acho que estou mais entusiasmado por ser mais diferente, no fundo.
Imaginando este álbum, que ainda estás a fazer, temos a “Meditação” que segue mais o estilo musical que já tinhas feito. Da “Montanha-Russa” para a frente vai ser sempre a tentar transgredir aquilo que já costumas fazer?
Não, o álbum não vai ser só sons tipo “Montanha-Russa”. Vai ter mais sons pesados, mas eu gosto de discos que têm músicas com níveis de energia diferentes. A “Montanha-Russa” é para partir. A “Meditação” é calminha, estás no carro a ir para a praia. Mas o álbum vai ter outros ambientes, que vão à “Meditação” e à “Montanha-Russa”, mas também a outros lugares. Por isso vai ser uma mistura, mas agora sempre na linha do rock alternativo. Não quer dizer que não vá buscar alguns elementos de hip-hop, como a maneira de cantar, por exemplo, só que instrumentalmente será mais para o rock alternativo.
Então será um álbum mais próximo da “Montanha-Russa” do que da “Meditação”. Ou ali no meio?
Provavelmente ali no meio. Ainda estou a descobrir porque não tenho as músicas todas. Estou a sentir que vai ser no meio, porque estes dois temas são completamente os extremos. Não estou a dizer que não vou ter músicas mais calmas do que a “Meditação”. Posso ter. Mas é interessante porque só comecei a ouvir hip-hop no secundário. Antes só ouvia Arctic Monkeys, The Strokes, The Kooks. Aquela altura das bandinhas.
Aqueles riffs de guitarra porreiros.
Exato. Sempre curti bué disso. Sempre foi o tipo de música que mexia mais comigo, só que nunca pensei sequer em fazer isso. Na altura pensei em fazer hip-hop porque parecia-me até relativamente simples aprender a produção. Agora foi muito mais complexo, porque estive com o Charlie Beats a gravar guitarras em amplificadores, pedi ajuda um amigo que toca bué, gravámos bateria verdadeira – que nunca tinha feito para nenhuma música. Nunca pensei fazer algo assim, imaginava que isto eram bandas que gravavam em estúdio com bué material – e é um bocado. Eu não decidi propriamente começar a fazer um som rock. Estava a fazer um beat de trap e fiz uma transição para rock. Pensei: “Era fixe um som que começa em trap e passa para rock a meio.” Apesar de ser estranho era bueda fixe. Só que não estava a conseguir escrever para a parte inicial de trap e consegui logo escrever a parte de rock, então decidi que isto ia ser um som.
Houve versões desta música que ainda tinham a parte de trap? Leva-me ao processo de construção desta música.
Fiz esta música na quarentena, na primeira, em abril de 2020. A ideia de ser uma montanha-russa também foi puxada daí, não sei. Tinha partes de letra para o trap, só que não estava a ter a sensação de que aquilo era uma música. Depois a parte de rock começou a entusiasmar-me, pedi a um amigo meu para gravar bateria. Ainda tentei gravar com o computador, mas não fica com aquele groove que o rock tem. Depois essa bateria até foi substituída, gravámos outra vez. Quando comecei a escrever saiu-me logo o refrão do rock. Normalmente quando tenho um refrão sei que estou fixe. Nos versos e na bridge estou ali mais a batalhar, a experimentar, mas se tiver um refrão com o qual estou contente já é logo um grande ponto de partida. Os versos fui experimentando ao longo de algumas semanas até que acabei.
Foi mais difícil para ti a junção de todos os instrumentos, comparando com músicas anteriores em que se calhar não tinhas tanta complexidade?
Foi muito mais complicado. Até estava a falar com o Charlie Beats e ele disse que esta foi a música que sofreu. Fui ter com ele com a música já feita no computador. Só que fica com poucas frequências para o power que queremos que tenha. Eu nem sequer entendia nada disto antes e percebi que precisava de regravar cenas. Foi desafiante ter uma música feita e mudar a base intrumental toda, ou regravar. Houve coisas que mantivemos, alguns riffs de guitarra. Mas os acordes de guitarra, a bateria e o baixo… foi tudo mudado. Foi um bom exercício para me desapegar da primeira versão.
Quanto à letra, tinhas dito que gostavas da forma como o Alex Turner, dos Arctic Monkeys, escrevia. Muito em metáforas visuais. Qual é a tua parte favorita desta letra?
Esta letra anda toda à volta de uma metáfora principal: ser uma montanha-russa. Foi a primeira vez que experimentei escrever com mais metáforas, mas gosto muito do segundo verso em que falo da “Paz a saltar à corda no quarto das visitas.” É um conceito estranho e gosto porque pinta uma imagem na tua cabeça. Ou a parte a seguir em que digo que tenho “clones na sala de estar” e não sei qual é que sou. Imagino logo bué “eus” numa sala, acho surrealista de certa forma. Curto bué disso.
Estão mais em linha com a forma como ambicionas continuar a escrever.
Sim, estou a escrever mais assim. Acho que há uma diferença muito grande, não é que seja melhor ou pior, mas estou mais interessado nesta maneira de escrever para rock. Experimentei começar a escrever este som como se fosse rap. Percebi que nos sons de rap escrevo muito mais direto ao assunto. É mais: “Estou-me a sentir assim, isto é assim.” Rap para mim, pelo menos, sempre foi muito assim, no que ouço noto que é muito straightforward. No rock tentei fazer isso e ficou bué “Morangos com Açúcar.” Então percebi que preciso de pintar isto de uma maneira diferente. Arctic Monkeys é a minha banda favorita, estive a estudar um bocado as letras e percebi que existem muito essas metáforas, essas figuras de estilo.
Ideias como essa dos clones na sala de estar, que estavas a realçar, são normalmente coisas que no dia a dia percebes que pintam uma imagem interessante, anotas e quando estás a escrever puxas, ou surge-te quando estás no processo de escrita?
Tenho um caderninho cor-de-rosa, muito fofo, e estou sempre a escrever lá ideias. Andava à procura de um caderninho porque precisava de apanhar essas ideias, a cena de escrever no telemóvel não sei… estou a sentir que é fixe voltar um bocado ao papel. Muitas vezes esqueço-me do caderno em casa porque ainda não estou habituado a usá-lo. Quando estou a escrever tenho esse caderno ao lado e vou tirando cenas quando faz sentido, mas às vezes também aparecem essas ideias quando estou a escrever. Foi o caso dessa dos clones.
Fizeste duas datas de “Janela Aberta” que serviram de teste, no festival Recreio, em Lisboa, e no Sá da Bandeira, no Porto. Para as próximas datas tens uma ideia fixa do que vai ser o espetáculo, tendo em conta o que conseguiste testar aí?
Sim, em Lisboa foi a primeira experiência e foi mesmo gravar um episódio do podcast. Gostei, mas percebi que era mais interessante transformar aquilo num espetáculo e não em mais um episódio. Por isso é que os outros ao vivo também não saíram como episódio. Fui buscar mais interação com o público, certos momentos que aconteciam. Dentro da dinâmica que costumo ter – a falar de temas – mas quase como se fosse uma conversa com quem está ali. No segundo já tive momentos diferentes e acho que irá sempre evoluindo e mudando. Nas próximas datas estou entusiasmado para ver o que vai acontecer. Ou seja, tenho programado o que vou dizer, do que vou falar, mas se acontecem coisas uso para o espetáculo. No Porto pus umas miúdas a fazer uma competição de quem é que comia mais rápido um pastel de nata, porque elas queriam oferecer-me uns. É usar os momentos com as pessoas para criar uma dinâmica que torne todas as datas diferentes. Temos estas datas para já, mas vamos abrir mais brevemente.
Vais ter convidados?
Acho que não, em vez de trazer convidados trago pessoas do público para o palco. As pessoas dizem que quando ouvem o podcast querem-me responder e não podem. Aqui podem dizer alguma cena e criar algo.
Música ao vivo vai ter?
Sim, tem sempre.
A “Montanha-Russa”?
Acho que não. Eu toco em acústico, portanto a “Montanha-Russa” vou guardar para quando for mesmo um concerto. A não ser que faça um arranjo interessante, tenho de ver com os meus amigos do jazz. Se for eu só a tocar power chords acho que não funciona muito bem. Mas quem sabe… obrigado por falares nisso (risos).
Vais continuar a ir de fato?
Vou manter. Agora já não estou de sapatinho, vou de Nike branco, para ser mais casual. Mas acho giro usar o fato, porque é um momento nada formal e eu estou vestido como se fosse. Acho giro esse constraste