Entrevista. Nicholas Krgovich: “À medida que fico mais velho, levo a vida menos e menos a sério”

por Bernardo Crastes,    17 Fevereiro, 2022
Entrevista. Nicholas Krgovich: “À medida que fico mais velho, levo a vida menos e menos a sério”
Fotografia de Alistair Henning / Discorder
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Nicholas Krgovich é um músico e compositor canadiano que, ao longo dos seus 20 anos de carreira, tem revelado uma feracidade ímpar, tendo feito parte de várias bandas da cena indie de Vancouver e colaborado com muitos outros artistas, incluindo o aclamado Mount Eerie. Em 2018, lançou “Ouch”, um fantástico álbum sobre o primeiro término de namoro da sua vida (aos 35 anos!), e colaborou com Joseph Shabason e Chris Harris no álbum de new age contemporânea Philadelphia (ao qual demos 5 estrelas). E no ano passado, lançou This Spring, disco de versões de Veda Hille, artista conterrânea com a qual partilha uma amizade há largos anos.

Foi neste contexto que falámos com o artista. Recordamos agora a entrevista feita durante os dias mais quentes de sempre no Canadá, em que Nicholas nos falou do seu percurso, influências e sobre música em geral. Vale a pena conhecer este artista.

Como descreves a tua música a pessoas que não a conhecem?
Hmm, isso é sempre um pouco complicado. Eu digo apenas “pop“, só porque é mais geral e abrange tudo, pelo que cada pessoa pode tirar as suas próprias conclusões. Não é o descritor mais útil, mas digo só “pop“. Mais recentemente, tem-se inclinado para adult contemporary ou algo assim [risos], coisas dos anos 80 e 90, talvez um pouco mais próxima do jazz, mas ainda dentro do domínio de uma pop suave. No entanto, em geral, eu não penso demasiado em termos de género nem atribuo muita importância a fazer algo classificável, o que não torna as coisas fáceis para os iniciantes, mas é assim que o meu cérebro funciona.

Pegando no que disseste sobre ser mais adult contemporary e pop suave, tens-te inclinado mais para uma sonoridade new age [no álbum Philadelphia, de Shabason, Krgovich & Harris]. O que atrai nela?
Aconteceu mais ou menos naturalmente. Acho que prefiro sentir-me acomodado e calmo quando estou a fazer coisas. Não penso tanto na new age como um género. Para além disso, esse projecto foi com o meu amigo Joseph [Shabason] e usámos mais isso como um conceito solto para o que íamos fazer. Mas acho que, em general, a minha atracção é mais pelo sentido de calma e paz.

Lançaste três discos desde o início da pandemia e soam todos muito tranquilos. Isso reflecte o teu estado de espírito no último ano e meio?
Penso que sim, mesmo que só o This Spring tenha sido gravado durante os primeiros meses de confinamento. O Pasadena Afternoon e o Philadelphia já estavam acabados antes de tudo isto acontecer, mas tenho-me sentido muito estável. Sinto que, apesar de as gravações terem sido antes de o COVID acontecer, ainda reflectem o meu estado actual, sim. Há muito a acontecer, mas sinto-me sortudo de muitas formas.

O Philadelphia foi o meu álbum favorito de 2020. Sinto que o criaste junto a um riacho, a escutar a água e a ver os pássaros, ou a observar um quarto vazio… Poderias falar-me sobre o processo de composição e escrita do disco?
O Joseph tinha criado muitos dos instrumentais para as faixas e o Chris [Harris] e eu fomos de Vancouver para Toronto por quatro dias. Fizemos tudo no pequeno estúdio do Joseph e eu escrevi mais ou menos todas as letras e melodias num canto enquanto eles trabalhavam nas faixas, por isso não houve realmente um riacho balbuciante, mas talvez na minha mente eu estivesse lá [risos]. Simplesmente escrevinhei no meu caderno e mantive-me aberto e receptivo, sem tentar fazer nada, só a deixar o que estava acontecendo acontecer. Por sorte, eu terminava algo, gravava a voz, olhava para o Chris e o Joseph, perguntava “está bom?” e eles diziam “sim, está óptimo!”. Não houve tensão, foi uma experiência muito tranquila, natural e fluida para todos nós. Esse foi o objectivo, de não lutar contra nada, só relaxar e ver o que acontece.
Eu, propositadamente, não queria escrever coisas que fossem específicas de relações interpessoais, só queria cantar sobre coisas quotidianas e domésticas. Essa foi a ideia base que eu mantive em mente. Eu não tenho uma abordagem consistente, mas o [disco] que eu fiz antes foi o “Ouch”, que é muito específico e muito sobre uma relação humana. Isso é uma coisa consistente comigo: quando faço algo de uma maneira, normalmente a coisa que faço a seguir é quase o oposto.

Como é que te relacionas hoje em dia com o “Ouch”, sendo ele um álbum tão específico e muito do seu tempo?Felizmente, ainda me sinto bem com ele. Mesmo a nível de escrita e composição, estou feliz com ele e gosto da atmosfera que cria. Sinto que o conteúdo está completamente no passado, mas estou contente por ter uma recordação disso. Felizmente não estou embaraçado pela sua existência, o que poderia ter acontecido [risos]. Estranhamente, ouvi algumas versões de outros artistas — a minha amiga Kacey Johansing tocou a “Rosemary” e a Madeline Kenney a “Belief” — e fiquei surpreendido com o quão bem se traduzia vindo de outra pessoa. Mesmo sendo incrivelmente específico, tem uma certa abertura para que outras pessoas possam dar-lhe o seu toque, é fixe.

Já fazes música há muito tempo. Como é que começaste a tua carreira?
A minha mãe inscreveu-me em aulas de piano quando estava no infantário e continuei a tê-las até ser adolescente. Pelo meio, inventava canções e gravava-as em cassetes, tive bandas de garagem na escola secundária, até na escola básica… tenho uma cassete de vídeo de um concurso de talentos do 7.º em que tocamos duas canções dos Hole [risos]. Depois, na altura em que estava na escola secundária, criei uma banda chamada P:ano, em 2002 lançámos um CD e simplesmente foi continuando.

Sei que és um grande fã da Sade. Que outros artistas tens como influência?
Por algum motivo, o Stephen Sondheim vem-me à mente. Com a Sade, adoro a atmosfera da sua música, as nuances e a voz bela, claro, mas acho que sou mais influenciado por coisas que não fazem tanto sentido para mim ou que estão fora da minha área, como o Stephen Sondheim. Ele tem tanto material, mas muito dele comove-me monumentalmente sem que eu saiba como ou porquê. Acho que é isso que me atrai, quando algo me toca no coração e eu não sei porquê. São essas coisas que mais me inspiram.

Baseado nas tuas redes sociais e na forma como comunicas, diria que és uma pessoa alegre, mas a tua música e letras podem ser bastante profundas, tristes ou deprimentes. Como equilibras esses dois lados?
Acho que sou como uma Pollyanna, sou muito optimista e geralmente positivo. À medida que fico mais velho, levo a vida menos e menos a sério, o que me parece bastante útil. Mas acho que, como em qualquer pessoa, há luz e escuridão. Mesmo que tenha algumas letras mais pesadas, normalmente gosto de as colocar numa canção que soe alegre, para criar uma certa tensão brincalhona. Isso é comum na música, como com os Steely Dan, por exemplo. Gosto quando as coisas podem parecer uma coisa, mas quando as exploras um pouco, descobres que há algo mais a acontecer.

Tens algumas memórias queridas de Portugal?
Uma memória que salta à mente é quando estava em tour com o meu amigo Phil [Elverum], dos Mount Eerie, e acho que voámos da América do Norte para tocar três espectáculos na Europa, o que era pouco usual para mim. Tocámos dois concertos em Portugal — Lisboa e Porto. Lembro-me que ele tinha dois amigos com quem íamos ficar na primeira noite. Nós aterrámos super cedo, encontrámo-nos e uma deles estava a carregar uma abóbora gigante. Eles levaram-nos a passear e ela carregou a abóbora todo o dia, porque ia preparar um prato de marisco dentro dela. Acho que vocês comem muito tarde aí… eu lembro-me de o apartamento estar cheio de gente às 3 e meia da manhã e ela a tirar a abóbora do forno. Estavam 15 amigos à volta da mesa, a meio da noite, finalmente a comer esse jantar. Lembro-me de sentir que era algo tão estranho e especial [risos].

Li uma entrevista tua sobre a importância da cena local de música, de os artistas se apoiarem entre si e criar no local em que se encontram.
De certa forma, sinto que o mundo se tem inclinado mais a apelar a uma escala global, enquanto que isso acaba por reflectir o teu pequeno canto do mundo, por isso sou fã. Mesmo que não seja explícito, mesmo que tentes só transmitir a atmosfera e sensação de onde és e imbuir a música com isso. É bom partilhar isso, as pessoas podem viajar sem terem de sair de onde estão.

O que é que o futuro reserva para ti e para a tua carreira?
Para o futuro próximo, acabei de terminar algo esta manhã, mas ainda não sei o que vou fazer com isso. Depois, no Outono [de 2021] vamos fazer mais um disco de Shabason, Krgovich & Harris e voltar a Toronto. Divertimo-nos tanto que queremos fazê-lo de novo. Depois… não sei se isto é algo que posso capturar de novo, mas tenho saudades de tours longas nos EUA, em que são só amigos num carro, a não ganhar muito dinheiro, a dormir em chãos estranhos… [risos] Algo nisso me soa apelativo, por isso posso tentar fazer uma tour longa e modesta… não sei, estou meio a inventar coisas agora.
Mencionaste carreira musical várias vezes, mas por alguma razão — e eu não acho que seja uma coisa boa em mim — eu não penso nas coisas dessa forma. Eu tenho um trabalho diurno como jardineiro e é disso que dependo para pagar contas e assim. Por isso tenho tentado colocar a música num lugar especial, em que não gire à volta de ter de fazer algo. É só parte do que eu sou.

Esta entrevista foi conduzida em Julho de 2021.

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