Entrevista. ProfJam: “A minha música deu-me esperança. E quero passar essa mensagem a quem me ouve”

por Miguel de Almeida Santos,    3 Março, 2019
Entrevista. ProfJam: “A minha música deu-me esperança. E quero passar essa mensagem a quem me ouve”
ProfJam
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Fábrica da Pólvora, Barcarena. O sítio escolhido para a listening session de #FFFFFF, o novo álbum de ProfJam, não poderia ser mais adequado. Um dos pistoleiros de bangers mais consistente dos últimos anos apresentava o seu imaginário criativo num sítio que parecia ter sido batizado para o efeito. Parecia algo engendrado por uma equipa profissional de marketing para dotar de ainda mais hype um dos álbuns de hip hop português mais antecipados deste ano. Mas simplesmente “foi a vida”, começou por afimar Mário Cotrim. “Podia ser por aí mas não foi por isso. Nós trabalhamos mesmo aqui.” Vestido de branco da cabeça aos pés, ProfJam recebeu-nos na casa da Think Music, o epicentro artístico de um colectivo que conta com Mike El Nite, Fínix MG, Sippinpurpp e benji price entre outros artistas.“Quisemos trazer aqui as pessoas para as trazer para dentro do meu universo criativo.” Notava-se que estava em casa: ao longo da sessão vimo-lo concentrado, sussurrando por vezes alguns versos, treinando a pose para os espectáculos ao vivo ou explicando alguns pormenores sobre este ou aquele tema, uma tour sonora com o melhor guia possível.  

Nem de propósito, benji price surge no estúdio. O artista da Think Music perscrutou o amplo e pardo espaço para ultimar à última da hora o set que ia apresentar no Musicbox. Curioso, procurava entre o equipamento uns fones para se abstrair no seu trabalho. “A maior parte das cenas que estão aqui são minhas e do benji. Agora é irmos substituindo. Vamos fazendo algum dinheiro, vamos investindo, as ferramentas também são importantes”. Aos 27 anos, ProfJam é um dos nomes mais falados no universo do hip hop português e o líder de uma das editoras responsável por impulsionar o trap em Portugal. E #FFFFFF é o seu manifesto definitivo. Depois de uma introdução ao mundo com a mixtape The Big Banger Theory e do projecto Mixtakes num registo mais introspectivo e caseiro, bem como um exército de singles cirurgicamente construídos para testar os limites dos sistemas de som, a estreia de Cotrim soa como o culminar de um percurso, uma viagem musical que o trouxe até este momento, desde a Liga Knock Out até ao topo das tabelas.

O título do álbum é uma referência a um código hexadecimal de cor utilizado no desenho de páginas web, que representa o tom mais branco do espectro de cores. É um título digital para algo mais transcendente, um conforto binário adaptado a uma existência terrena que por vezes não é tão lógica: “Por um lado, o branco simboliza a minha parte espiritual. Eu tenho um factor religioso inserido [na minha música], nem que seja a nível de referência. O branco da batina, a pureza, a hóstia, a luz que te encandeia no final de tudo. Por outro, o nome do álbum é branco mas não é a cor. Quando vês o branco é como se estivesses a ver a junção de todas [as cores], e é isso que quero, unir as cores, unir as pessoas, união na diferença. E finalmente é também uma referência à folha branca, escrever a partir daqui. Às vezes estás preso a coisas que não tens de estar e é preciso recalibrar a cabeça, e o álbum é uma chamada a isso. É um novo capítulo para mim a nível artístico, e para quem ouve ou para quem cria também se inspirar por isso”.

Produzido na sua maioria por Lhast, #FFFFFF surge de uma relação especialmente frutuosa entre ProfJam e o produtor residente em Los Angeles, depois de uma primeira colaboração que ficou na memória dos dois: “Realmente a “Xamã” foi uma cena diferente, do que eu fazia e do que ele fazia, teve um impacto fixe. Ao longo do meu percurso trabalhei com várias pessoas mas com o Lhast fui-me apercebendo que tinha várias maquetes com beats dele, e fiquei com a ideia de fazer algo mais concreto. Num evento no Lisboa ao Vivo em que estávamos os dois e já estávamos a escrever a “Água de Coco”, ele também disse que curtia de fazer uma cena comigo para além de uma faixa. E eu já tinha a ideia, um EP que tinha pensado em fazer com ele. Eu mostrei-lhe e ele curtiu e fomos construindo e acabou por surgir um álbum. Foi uma coisa natural, eu tenho música com vários produtores mas [desta vez] criei um bocado aquela separação, foi um alinhar interessante. Ele tem o seu arsenal e eu tenho o meu e combinámos certas coisas, ele próprio na escolha de beats quis escolher beats diferentes, expandir a sua sonoridade. E estou bastante feliz com o resultado e ele também, e isso também é muito fixe.”

As batidas de Lhast remontam na sua maioria ao universo trap e vemos ProfJam abraçar definitivamente um rap mais cantado, com um extenso uso de auto tune. Mas conta que quando era mais novo o hip hop que ouvia mostrava uma separação entre os dois registos vocais: “Eu venho de uma escola onde cantavas ou rimavas e essa barreira ainda estava um bocado vincada. O DMX foi dos primeiros rappers que me marcou imenso porque mesmo com um flow muito agressivo fazia melodias! E depois a Young Money [Entertainment], do Drake e do Lil Wayne, começou a mostrar uns híbridos e começou a nascer uma cena que eu curti. Mais recentemente, o Young Thug é uma grande influência neste registo. E gosto da produção e estética do Travis Scott. Eu conheço relativamente bem o trabalho desses artistas e sei que me inspiram mas quero distanciar-me disso. Eu quero absorver e consigo ver em mim próprio que isto tem influências do que oiço, mas estou contente porque soa a uma coisa que é minha, a união do meu lado mais melódico com o meu lado mais rimado. Eu acho que manter uma coisa viva é manifestá-la mas não copiá-la. É fixe quando vêm coisas novas, é como o Sam the Kid diz na ‘Pela Música Parte 2’”, fazendo referência ao célebre tema de Valete em que o MC de Chelas apela à inovação, à luta contra a estagnação criativa. As lições do hip hop tuga do passado vivem nos porta-estandartes do género no presente.

Sobre o uso de auto tune, ProfJam diz que não pensa na ferramenta vocal como algo estritamente necessário mas sente que nas músicas deste álbum fazia sentido e que é um recurso que gosta de utilizar. “Gosto dos artefactos [sonoros] que aquilo gera, da parte digital”. O rapper de Telheiras, que já usa a tecnologia há dez anos, confessa que apesar de ter lacunas vocais não a usa simplesmente como uma muleta para as disfarçar: “Não sou um bom cantor mas tenho ideias boas para melodias, e o auto tune ajuda para te concentrares na ideia. E sempre o usei, se calhar não o usei tanto, ou em tanta extensão da música, mas é uma ferramenta que eu domino e que sei o que estou a fazer quando estou a usar. E nesse sentido é também um instrumento, que me permite fazer truques com a voz que eu não conseguia normalmente. Mas depende do que eu sinto, se eu quero fazer o som e em que registo é que quero entrar. Muitas vezes é o instrumental a pedir. Há certos beats em que eu nunca entraria com auto tune. Se estiver num modo de cuspir mais clássico não vou usar, mas se quiser fazê-lo num flow mais cantarolado vou”. Mas como tudo na vida, não é uma opção imutável e eterna: “Gosto da estética, como daqui a uns tempos posso não gostar. Já andei de chuteiras e agora são outras coisas, são modas. No TBBT [The Big Banger Theory] estava a fazer uma coisa, agora estou a fazer outra, hei-de partir para outra.”

Cotrim fala sobre abraçar uma era, e é prático na sua missão. De olhos postos no futuro, considera que a inovação é o factor determinante na sua progressão artística e na progressão da música de uma forma geral: “Nos anos 2000 ou nos anos 90 eles não estavam a tentar ser os [rappers] dos anos 80, estavam a tentar estar a par das coisas ou até estar à frente. Actualmente, por vezes parece que quem estar à frente ou pelo menos a par tem alguma cena de mal, parece que tens que estar sempre atrás”. Mais do que nunca, o trap e o auto tune são uma referência na música popular e o rapper considera que agora é o momento para apostar nisso: “Se eu estou aqui há imenso tempo a usar auto tune ou outra sonoridade qualquer e ela de repente tem tracção eu vou deixar de usar porque está na moda? Isso não faz sentido, é quase o contrário. Agora é que as pessoas estão prontas para ouvir a minha versão disso, e eu próprio a descobrir-me.”

Mas apesar de apostar num rap mais cantado, não descura as rimas e flows frenéticos. A falar sobre “Hino”, um dos bangers mais potentes do álbum, Cotrim conta que a música é um apelo para unir dois mundos opostos: “Tenho esse gosto em cantar com auto tune e fazer rimas, porque não juntar? Eu sei rimar na mesma, e há muita gente que acha que por estar a ouvir auto tune não estão a ouvir rimas. Eu dou como exemplo o “Gwapo”, se eu cantar aquela letra num flow de rap clássico parece logo outra coisa. É isto que eu também desafio ao ouvinte. Eu consigo que pensem que eu não estou a rimar fazendo certos truques. Este som [“Hino”] é mesmo isso. Não é porque tens auto tune que não tens de ser lírico. É para os dois, é para quem usa e não é lírico e é para quem acha que só por estar a usar auto tune automaticamente não é. É um desafio de união, espectro completo. Não te escondas atrás do auto tune para nenhum dos lados”.

Seja qual for a sua aposta, há uma ambição clara em chegar ao máximo de pessoas possível. “Eu aspiro a ser um pop rapper, mas isto só quer dizer que aspiro a tornar-me popular, não é fazer o que já é popular. Ambiciono que me conheçam, que me celebrem e que me critiquem da maneira correcta mas eu trabalho para ser popular. Não associo popular a mau, acho que é tudo uma questão de integridade, seres verdadeiro a ti mesmo e não aos outros, seres quem tu és. No hip hop criou-se a ideia de que o verdadeiro é uniforme. Mas um verdadeiro não tem características, cospe no mic quem tu és”. Cotrim chega a este ponto da sua vida seguro de si mesmo, pronto a libertar-se daquilo em que não vale a pena perder tempo: “É o que eu digo na primeira música [“À Palavra”], vais ter coisas que não vais mesmo poder mudar, porque é que estás a pensar nisso e a gastar a tua energia física e mental? Eu quero dizer às pessoas para se inspirarem naquilo que podem controlar e focarem-se nisso.”

Deixamos ProfJam no estúdio para mais uma noitada a construir, o descanso é para os mortos. Desvendar o artista por trás dos bangers é sempre um desafio interessante e depois desta conversa fica claro que Cotrim tem muito para dizer, e que quer passar a sua mensagem de uma maneira limpa, abrangente e especificamente sua, uma espécie de life coach musical. “Eu sempre fui um bocado life coach, é algo que vem de uma voz interna também para a minha própria vida. Se eu conseguisse inspirar na vida real certas coisas que digo aqui, fixe. É aqui que eu saio da escuridão que às vezes atravesso, é aqui que eu controlo mais o meu universo. A minha música deu-me esperança, como a religião mas uma esperança mais pragmática. E quero passar essa mensagem a quem me ouve.”

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