Entrevista. Realizadora Francisca Marvão finaliza filme sobre Zurita de Oliveira, pioneira do rock em português

por Lusa,    23 Março, 2024
Entrevista. Realizadora Francisca Marvão finaliza filme sobre Zurita de Oliveira, pioneira do rock em português
Zurita de Oliveira / DR
PUB

A realizadora portuguesa Francisca Marvão está a terminar um filme sobre Zurita de Oliveira, pioneira do rock em Portugal, e que é também uma declaração em defesa dos direitos das mulheres.

“Quem tem medo de Zurita de Oliveira?” é o título-pergunta que Francisca Marvão faz nesta longa-metragem, entre o documentário e a ficção, para descobrir a vida desta artista portuguesa e questionar sobre visibilidade de outras mulheres no panorama artístico.

“Decidi meter esse título como uma provocação e pensando que todas estas mulheres poderão ser Zuritas. Porquê apagar as mulheres na História? (…) Depois de tudo o que se está passar e daquilo que nos espera, principalmente ao nível de retrocesso nos direitos que as mulheres devem ter, acho que isso é um ‘statement’ e uma afirmação”, disse a realizadora à agência Lusa.

Zurita de Oliveira, que morreu em 2015 aos 83 anos, é considerada a primeira mulher portuguesa a escrever, cantar e gravar uma música rock, intitulada “O bonitão do rock”, editada num EP em 1960.

Isto aconteceu num tempo em que os ritmos do rock davam os primeiros passos em Portugal e no ano em que Daniel Bacelar e Os Conchas repartiram protagonismo no EP “Caloiros da Canção n.1”, que é sempre apresentado como o primeiro disco de rock n’roll português.

“Queria perceber quem era a pessoa, de onde vem. Foi a primeira pessoa, nos anos 1960, a criar um conjunto misto, com três mulheres e três homens. Mas [neste conjunto] ela não cantava, só tocava guitarra e fazia solos de guitarra elétrica, que era uma coisa muito rara ver, uma mulher a fazer isso na altura”, contou Francisca Marvão.

Zurita de Oliveira, que nasceu em Alcanena, Santarém, numa família de artistas – a avó tinha uma companhia de teatro, o meio irmão era o ator Camilo de Oliveira – não voltaria a gravar um EP, mas continuou a trabalhar, como compositora e atriz, só que é praticamente desconhecida dos portugueses.

Francisca Marvão explica que soube da existência de Zurita de Oliveira quando fez o documentário “Ela é uma música” (2019), que conta a história, e histórias, de mulheres portuguesas no rock desde os anos 1950 até à atualidade.
Este novo filme faz a ponte com aquele, como mais um contributo para dar visibilidade às mulheres no mundo artístico.
“É uma discussão constante, os anos passam e constantemente ainda esta discussão. Com este filme queremos quebrar um bocadinho isto e queremos dar palco a mulheres artistas”, sublinhou Francisca Marvão.

O trabalho de pesquisa foi dificultado pela escassa informação de arquivo disponível e raros registos de Zurita de Oliveira, uma figura misteriosa, disse Francisca Marvão. “Não deixou herdeiros. Falei com a sobrinha. Não há nada, não há espólio. A Zurita gravava ensaios, mas perdeu-se tudo. Não há”, lamentou.

Zurita de Oliveira / DR


“Consegui falar com a família, saber de onde vinha, consegui perceber a dinâmica de ensaios e concertos. Falei com a Ada de Castro, porque elas eram amigas e escreveu vários fados para ela. Encontrei alguns músicos que tocaram com ela”, elencou a realizadora.

Além de Ada de Castro, que tem 86 anos, no filme participam ainda o investigador João Carlos Callixto, que chegou a entrevistar Zurita de Oliveira, e várias mulheres da música portuguesa, entre as quais A Garota Não.

“A Zurita deixou várias letras inéditas que não estão datadas e eu decidi pegar nessas letras e convidar várias artistas músicas, com base na letra, a comporem e a tocarem. Vai de artistas que não são minimamente conhecidas no circuito comercial a artistas que estão no ‘mainstream’. A minha ideia é ter vários géneros musicais”, explicou Francisca Marvão.
“Quem tem medo de Zurita de Oliveira” é uma produção independente da Uma Ova Associação, cofundada por Francisca Marvão, e contou com um contributo financeiro das autarquias de Loulé e Alcanena, e de recolha de fundos, nomeadamente por ‘crowdfunding’.

No passado dia 16 houve uma festa de angariação de fundos na Sociedade Musical União Paredense, em Cascais, com a participação de várias artistas e possivelmente haverá outra ação semelhante, porque faltam cerca de 2.000 euros para concluir o filme.

“Falta edição, correção de cor, trabalho de som”, disse a realizadora, que conta ter o filme pronto a estrear-se num festival em 2025, quando passarem dez anos da morte da artista.
Além deste filme sobre Zurita de Oliveira, Francisca Marvão tem em mãos, em fase de montagem, o documentário “Guardiãs do nascimento”, que deverá estrear-se ainda este ano.

Este filme “tem a ver com partos humanizados e vamos falar de esse tipo de questões, sobre violência obstétrica. Falámos com profissionais de saúde, obstetras, enfermeiras, doulas, parteiras. Queremos que seja um espaço de reflexão e informativo”, disse.

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.