Entrevista. Ricardo Ribeiro: “A grande vantagem do Fado é que não é uma música igual a qualquer outra”

por André Moleiro,    11 Abril, 2023
Entrevista. Ricardo Ribeiro: “A grande vantagem do Fado é que não é uma música igual a qualquer outra”
Ricardo Ribeiro / Fotografia de Adriano Fagundes

“O Fado é algo que tem a ver com a vida e vai acompanhando a vida das pessoas”. É assim que o Fadista Ricardo Ribeiro descreve a famosa canção portuguesa. Durante toda a sua carreira de mais de duas décadas, o Fado sempre possuiu uma enorme importância na discografia de Ricardo Ribeiro, discografia essa que já conta com seis álbuns editados. Dentro da sua obra, apesar do artista contemplar vários outros géneros da música portuguesa, é inegável que o Fado sempre marcou presença como convidado de honra na maioria dos seus projetos. Contudo, depois de anos e anos a cantar o Fado, Ricardo ribeiro já enfrentou várias mudanças no paradigma da música portuguesa. Como tal, nesta entrevista, Ricardo ribeiro apresenta-nos as suas mais sinceras opiniões sobre o Fado, sobre a sua história, e sobre as possibilidades do seu o destino, afinal, se o Fado é o destino que já está escrito, só o tempo o pode revelar.

O que compõe o Fado?

Da maneira como eu o vejo, o Fado pode acontecer numa conversa. O Fado enquanto destino, enquanto algo que não se pode mudar nas nossas vidas, enquanto algo já escrito. O Fado como essência, pode acontecer no sorriso de uma criança… Porém, o Fado manifestado, aquele Fado que nós tentamos traduzir através de uma expressão musical, que é como o conhecemos, para mim, tem a ver com a guitarra, com a viola, o baixo, os versos, o poeta, e o cantador, portanto são 5 elementos que o fazem. 

Considera que há diferença entre o Fado que se fazia há 20 anos, para o Fado de hoje?

Primeiramente, temos de observar o Fado como um fenómeno. Como algo que acontece que ninguém sabe como é que ele acontece. Esse fenómeno é quando alguém escuta e fica arrepiado. Como o Fado é algo que tem a ver com a vida, e canta os fenómenos da vida, vai acompanhando a vida das pessoas, neste caso, a vida dos portugueses. As diferenças [do Fado de hoje] são que as pessoas vão se atrevendo por caminhos [arrojados], e que, por vezes, dão bons resultados, e aparecem coisas muitíssimo interessantes, outras que não porque não têm a ver [com o Fado]. Isto é como há neologismos que são aceites nas línguas, há outros que não são aceites porque não têm a ver com a própria natureza da língua. Eu gosto muito de etimologia, e estudo muito a essência das línguas. Também se pode adaptar isso à linguagem Fadista, porque têm a ver com a linguagem, é uma questão idiomática. Ou seja, [as novas características do Fado] são neologismos que acabam por ser, ou não, aceites neste idioma fadista. Agora, há diferenças evidentemente. Outros cantores, desta época, ou de gerações anteriores, fizeram coisas interessantes, e encontraram caminhos muito interessantes. Aquilo que se canta hoje não se cantava há 40 anos atrás, e há coisas que se cantavam há 40 anos que ainda hoje se cantam, mas isso tem a ver com coisas que são intemporais poeticamente falando. 

Na atualidade temos vários artistas que utilizam o Fado para criar sons e músicas diferentes. Considera que estas novas sonoridades vão algum impacto na forma de fazer Fado futuramente?

Não me compete a mim julgar isso, e creio que é muito cedo ainda para fazer essa análise, ou tirar conclusões. Essas novas visões, essas novas tentativas de alguma coisa podem de alguma maneira tem algum sucesso no imediato, mas depois creio que algumas delas não ficaram. Outras ficaram. É muito engraçado. As gerações futuras têm sempre tendência a machucar e a apagar as gerações anteriores, é uma questão natural, algo da natureza humana, até com os animais isso acontece. É um instinto que prevalece. Há uma tentativa, efetivamente, de fazer coisas novas, temos esta vontade de inovar [hesita e corrige]. Eu prefiro sempre a palavra reformar, à palavra inovar. Algumas destas ideias podem não ficar, mas creio que é prematuro ainda, tentar tirar alguma conclusão porque ainda é tudo muito novo. Se trará algo de negativo… [hesita], pelo menos positivo já traz, que é uma abordagem nova, e uma tentativa. Daqui para a frente não sei. Costumo sempre alertar. Cuidado para que não se descaracterizem as coisas. Que não se desvirtuem as coisas. E isto não é uma questão de tradicionalismo ou de purismo, porque digo sempre que não existe nenhuma cultura separada de outra cultura, e não há culturas puras. O Fado é uma questão idiomática, tem um idioma, e tem um linguajar próprio. Há coisas que ficam e são aceites, e há coisas que não. 

Há algum risco do Fado perder as suas raízes com o tempo?

O Fado morre e renasce muitas vezes. A sua história é feita de morte e renascimento. É curioso porque também tem um bocado de autofagismo. São os próprios fadistas que matam o Fado, mas depois são os próprios fadistas que o fazem renascer. As raízes são como uma árvore. Olhamos para uma árvore e vemos que ela tem um tronco central, algo que a suporta, e a mantem viva. Depois tem vários galhos, com várias diferenças, nenhum galho é igual a outro. O que torna o Fado interessante é isto mesmo. Tal como o tango, e o flamenco, que são as três músicas étnicas que têm estas particularidades a ver com o mar, etc.…, mas são como uma árvore, tem um tronco central com uma raiz funda que a suporta, e depois tem vários galhos que são todos diferentes uns dos outros, mas não deixam de pertencer à mesma árvore. E se repararmos bem, há galhos que quando são demasiado grandes e disformes da árvore, a própria os faz cair, ou espera que a chuva e o vento venham. É uma analogia interessante. Creio que a raiz não se perde, agora cabe-nos a nós cuidar disso, e haver pessoas que estimem a raiz, se cuidem a estudá-la, a reinventá-la e a reformá-la. 

O público hoje está mais interessado no Fado?

Cada vez há mais público interessado, cada vez há mais gente a interessar-se e a gostar. Vejo com muitos bons olhos, porque cada vez mais as salas estão cheias, e vejo muitos jovens a virem ao Fado, e a quererem escrever e dedicar-se [ao Fado].

A dedicar-se tanto ao Fado tradicional ou de novos sons do Fado?

Creio que sim. Estas coisas das novas sonoridades eu sou sempre muito relutante e tenho muito medo em… [hesita], por exemplo, acho muito interessante os Fado Bicha, porque tiveram a capacidade de se atrever e de assumirem a sua sexualidade, até diante da música, ou não, e isso para mim é muito interessante. Depois se [as novas sonoridades] ficam, ou não, na história, se traz coisas boas para o Fado, ou não, agora neste momento pouco importa. Agora neste momento o que importa é perceber para onde é que vamos, e o que se vai fazendo. O povo é soberano. As pessoas escolhem sempre, e mais tarde, ou mais cedo, a verdade vem sempre ao de cima. Acho muito interessante o Fado bicha, gravei um tema com Stereossaur. Agora, se quisermos ser muito precisos, vamos perguntar o que é que é Fado e o que é que não é Fado. Onde é que ele começa, e onde acaba. O que torna isto tudo muito mais interessante, e por isso é que é misterioso. Por isso é que a Amália [Rodrigues] dizia que ele era misterioso. Sabemos que ele tem uma maneira de linguajar, e isso é que importante preservar, Porque senão acaba por ser uma música igual a qualquer outra. A grande vantagem do Fado é que não é uma música igual a qualquer outra. [O Fado] é uma música que, sendo europeia é muito exótica. Portanto, aqui é que reside a inteligência, delicadeza e cuidado de quem faz o Fado. E digo sempre “o Fado não faz o fadista, o fadista é que pode fazer o Fado, ou não”. 

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.