Entrevista. Rodrigo Leão: “Ter feito trabalhos para cinema, teatro e exposições permite-me não me basear sempre nas mesmas influências”
O Espalha-Factos conversou com Rodrigo Leão com o intuito de tentar decifrar O Método, o seu mais recente álbum editado este ano. O artista apresenta o seu novo trabalho a 27 de fevereiro, no CCB.
Depois de ter pertencido aos Sétima Legião e aos Madredeus, Rodrigo Leão tem-se dedicado à sua carreira a solo que soma quase 30 anos de atividade. O Método é o mais recente trabalho e foi o ponto de partida para a conversa que o Espalha-Factos teve com o músico português.
Depois de álbuns anteriores que tiveram um carácter mais experimental, onde os sintetizadores tiveram um papel determinante, este disco [O Método] voltou a ter o piano tradicional como ponto de partida para as composições. Quero perguntar se achas que este instrumento é ainda capaz de surpreender após tantos anos de carreira?
Não sou pianista mas sou auto-didata. O piano surpreende-me e fascina-me mas confesso que sempre tive algum receio de tocar um instrumento que nunca aprendi. Sempre me foquei mais nos sintetizadores ao longo da minha carreira, mas há uns dois anos é que comecei a perder esse medo. Tenho um piano vertical em casa por causa dos meus três filhos, que andam a aprender esse instrumento, e por isso comecei a tocar coisas muitos simples, aliás como é a minha música…
Consideras que fazes música simples?
É simples em termos de composição mas pode ter um lado mais electrónico que pode não ter um carácter tão simplista. Passo muitas horas a procurar sons de sintentizadores. Outra das facetas da minha música consiste em deixar que pessoas, desde a família ou amigos mais próximos, façam sugestão de arranjos. Há outros casos em que já tenho ideias definidas, mas nem sempre isso acontece.
Falando agora sobre as faixas que compõem O Método, reparei no nome do primeiro e último tema: ‘Ideia 1′ e ‘Parte 1’. Existe alguma ligação entre ambas?
São títulos de trabalho. Quase todos estes novos temas acabaram por ficar com os nomes que dei quando estava de volta do computador. Não posso ficar meia hora especado a olhar para a frente de um ecrã a pensar num nome. Sou [um músico] muito preocupado com os títulos dos temas e, a verdade, é que neste disco, por uma série de motivos, acabei por desligar-me dessa obsessão que vivo no dia-a-dia. Porém, isto não significa que dei menos importância às músicas, pelo contrário. [Sobre esses temas em específico] não foi nada premeditado. Simplesmente calhou.
Depois de ouvir e ler o nome de cada tema deste novo trabalho, senti que O Método é um disco conceptual. Pode ter-se esta interpretação ou é algo que descartas por completo?
Sim. Pode ter um bocado dessa interpretação, ou seja, este terá sido o disco em que procurámos mais o caminho que queríamos atingir. Digo procurámos, porque, há, em primeiro, uma fase em que estou sozinho durante seis meses a um ano a gravar ideias e a compor. Depois, existe uma altura em que o João Eleutério e o Pedro Oliveira [produtores do disco] contribuem com as suas ideias para o disco e são pessoas que tenho uma longa ligação de amizade. Neste caso, convidamos, pela primeira vez, um produtor exterior que rompe com esse ambiente familiar que vivemos…
O Federico Albanese suponho.
Exactamente. É um [músico] italiano que, para além de produtor, é também pianista e vive em Berlim. Ajudou-nos bastante na concretização desse caminho [que estava a referir há pouco]. Já conhecia o trabalho do Federico, [nesse sentido] foi uma decisão consensual.
Tendo em conta o papel que o Federico Albanese teve neste disco, não consideraste em fazer um disco de co-autoria, tal como fizeste em Life is Long [2016] com o Scott Matthew?
O Federico [Albanese] surgiu numa fase final [deste novo trabalho]. Não esteve diretamente ligado à composição. O disco com o Scott Matthew foi um álbum pensado a dois. No caso do Federico Albanese, ele teve a noção que vinha produzir com mais três pessoas. Uns meses antes de ir gravar-nos, ele veio passar uma semana connosco a Lisboa e [com isso] conseguimos pôr algumas músicas de fora. Este disco acaba por ter mais unidade do que outros que já fiz onde juntava temas cantados em português, em castelhano, em inglês… [pausa] este é um disco mais ambiental. Tem um lado electrónico mas, desta vez, é mais subtil.
A canção ‘The Boy Inside’ tem a colaboração do Casper Clausen. Como surgiu a ideia de este artista participar neste disco?
Eu gosto muito do trabalho do Casper, principalmente o projeto Efterklang e, curiosamente, eu não tinha pensado que fizesse sentido em ter um tema cantado em inglês. Para mim, é um disco muito mais instrumental. Tem também vozes sem uma língua definida e um coro juvenil. A sugestão partiu do Federico [Albanese] e, como o Casper vive em Lisboa há três anos, não vi como não tentar. Felizmente, aceitou o convite, trabalhou connosco e, claro, ficámos contentes com o resultado final.
Vou citar agora um excerto alusivo ao texto de promoção do espetáculo no CCB: “Pela primeira vez, a Ângela Silva usará a voz de uma forma menos convencional”. Na frase a seguir, refere que a cantora usa palavras de uma língua inventada. O que levou a optar por esta decisão criativa?
Em traços gerais, é para criar um lado mais abstrato e mais misterioso. Aliás são dois adjetivos que ajudam a definir este trabalho. Também acaba por funcionar como se fosse um outro instrumento. A Ângela [Silva] é uma cantora essencialmente lírica, mas que acaba por cantar em outras línguas como russo, latim ou simplesmente [canções que] não têm uma língua própria.
Na tua carreira sempre tiveste colaborações de luxo. Nunca pensaste em dar voz a um tema?
[risos] Não. Neste trabalho em particular aconteceu dar voz a alguns temas quando estive a trabalhá-los em casa numa fase muito embrionária. Fi-lo com efeito prático. Não me vejo como cantor.
Nestes últimos anos, tiveste a tua carreira repartida em discos teus e em bandas sonoras para filmes. Existem diferenças no que diz respeito ao método de composição? Os realizadores impõem limites criativos?
Quando estou a trabalhar com um realizador, temos uma base para servir como inspiração quando estou a compor [música] numa determinada cena. Por vezes posso não a seguir e sugerir algo completamente diferente. Às vezes, o realizador aceita isso. Claro que, no início deste processo, ficamos um pouco restringidos às imagens, mas depois o processo fica algo semelhante à composição de um disco meu. O facto de ter feito trabalhos para cinema, teatro e exposições tem sido saudável na minha carreira, o que me permite não me basear sempre nas mesmas influências.
No início desta conversa referias-te como um auto-didata e não como pianista. Vou fazer esta pergunta sem tom de maldade: o facto de não conseguires ler uma pauta, faz-te sentir mais ou menos músico?
Faz, no sentido em que por vezes não me considero músico intérprete. Em casa, quando vejo os meus filhos a aprender piano, penso para mim: ‘realmente parece que ando a brincar’…
Mas a carreira fala por si…
É evidente que gosto de compor e de tocar. Sou um músico limitado. Não consigo tocar coisas complicadas. Se tivesse estudado música não teria feito os temas que compus ao longo destes anos e por isso consegui criar um método para mim próprio de composição. Repara que comecei a tocar nos inícios dos anos 1980 e, muitas das vezes, os grupos que tinham êxito não sabiam tocar, como Joy Division ou New Order.
Portanto sempre tiveste mais preocupação em passar emoções através da música.
Sim. De uma forma mais espontânea.
Esta semana vai acontecer o concerto de apresentação de O Método no CCB . O que podemos esperar deste espetáculo?
Será um concerto, uma formação inédita. Serão, ao todo, cinco músicos em palco. Teremos também um coro juvenil que vai participar em oito temas do alinhamento. Para além de músicas do novo álbum, as pessoas vão poder contar com temas de discos anteriores com novos arranjos. Temos também uma componente visual que será determinante. Sem dúvida que será um concerto mais ambiental.
Esta entrevista foi feita por João Pardal e foi originalmente publicada em Espalha Factos.