Salto: “A mensagem deste álbum passa de forma muito realista e concreta para quem o ouve”

por João Rosa,    26 Dezembro, 2018
Salto: “A mensagem deste álbum passa de forma muito realista e concreta para quem o ouve”
Salto / Fotografia de João Rosa – CCA

Na véspera da apresentação ao vivo do seu novo trabalho de originais, Férias em Família, encontrámo-nos com os Salto no seu novo estúdio, bem no coração da Marvila – um novo destino para a banda do Porto que também partiu recentemente para novas paisagens sonoras. Em formato aberto, conversámos com a banda acerca do modo como vêm o seu novo álbum, da multiplicidade de projectos em que estão envolvidos, previsões para o futuro e até acerca da ascendência do hip-hop e editoras DIY. A seguinte entrevista foi a transcrição possível de um final de tarde bem passado.

Aproveitando estar aqui no vosso novo estúdio: vocês são do Porto, mas agora estão aqui sediados neste estúdio em Lisboa. Como é que isto aconteceu?
Luís Montenegro  Sabes, apanhamos o alfa todos os dias. (risos)
Guilherme Tomé Ribeiro – Então, eu vim para Lisboa viver e um grande amigo nosso, que inclusivamente já foi baterista de Salto numa altura em que o Tito estava em Londres, queria muito ter um estúdio. É o Pedro Lucas, baterista dos Velhos, Manuel Fúria e tem também os seus projectos a solo, Lucas Bora-Bora e Pedro Galvão Lucas. Então na altura andámos por aí a ver lojas e armazéns, antes do mercado imobiliário explodir e tudo valer ouro…e pronto, nunca encontramos nada. Até que ele e o irmão, a certa altura, acabam por ficar com este armazém, e fazer aqui um estúdio. Em Fevereiro as obras acabam, e em Abril o Luís vem do Porto para Lisboa e montamos a parte mais técnica do estúdio. Começou por ser uma coisa muito mais rudimentar do que está agora.
Filipe Louro – Tem boa temperatura!
Guilherme – Realmente, tem mesmo boa temperatura no Inverno. A Maia era um grizo!
Luís – E humidade!
Tito Romão – Lixava os instrumentos todos.

A Maia era onde gravavam antes?
Guilherme – Em casa do Luís. A Rio Seco foi toda gravada lá, em Fevereiro e Março. Mas entretanto viemos para aqui, que foi onde acabámos o álbum. E entretanto já só ensaiamos aqui.

O álbum acabou por ser gravado entre o Porto e Lisboa, então.
Guilherme – Entre o Porto e Lisboa, sim. As baterias todas menos a da Rio Seco foram gravadas em casa da avó do Tito. O baixo foi até gravado em Leça da Palmeira. Mas a maior parte acabou por ser gravado aqui em Lisboa. Composto, grande parte, foi na Maia, enquanto estávamos a ensaiar e a fazer a pré-produção. Há até gravações da pré-produção, com todos a tocarmos ao mesmo tempo, que acabaram por ficar mesmo para o disco: por exemplo, o fim da Coração Aberto, ou a Casa de Campo, que é tudo menos a bateria. Regravámos a bateria e acrescentámos uns pormenores de teclados, mas no geral, foi toda gravada num único take. Mas sim, é isso, Marvila é agora o local onde estamos mais tempo, e onde vamos à partida ensaiar para concertos e gravar novas músicas.
Luís – Bem vindo ao estúdio Maravila!
Guilherme – É muito fixe porque, por exemplo, temos a Isaura mesmo por trás destas paredes, que é uma pessoa que faz música, mas que não tem nada a ver a maneira como pensa a música e como faz música. É fixe partilhar cenas com ela e ver o que também anda a fazer. Aliás ela adora vir aqui ver o que andamos a fazer, e ouviu-nos até a terminar o disco. Além disso temos aqui também uns amigos arquitectos e programadores noutras áreas do edifício — é um ambiente muito construtivo.

Salto / Fotografia de João Rosa – CCA

Ainda acerca da vossa história juntos; Guilherme e Luís, vocês já tocam juntos desde 2007, e acabam por ver Salto chegar a esta dimensão. Era alguma coisa que já ambicionavam na altura?
Guilherme – Na altura não! Só ambicionávamos chegar ao dia seguinte, poder continuar a jogar futebol e a tocar! (risos) Era mesmo completamente aleatório. Já nem sei que nos disse que tínhamos de enviar a música para o Henrique Amaro. “Têm que mandar para o Henrique Amaro porque é a pessoa que ouve a nova música portuguesa”, e nós: “Ok!”; e ele adorou! Daí que só a partir desse momento, em 2009, e em 2010, quando surgimos no FNAC Novos Talentos, é que a coisa ficou mais séria. E passámos a chamar-nos Salto. Porque antes nem sequer éramos os Salto, éramos só o “Guilherme e o Luís a fazer cenas”. E essa história do nome é toda uma cena.
Luís – O Guilherme caiu de um carro em andamento aos 4 anos, e eu caí de um segundo andar. Por isso, o nome faz todo o sentido, tem de ser Salto!
Guilherme – O Filipe jogava basket!
Luís – E o Tito dá saltos no skate. E surf!

Acho que estamos perante um exclusivo em relação a esta versão da história.
Luís – É exclusivo (risos). Mas é mesmo verdade! O Guilherme caiu mesmo de um carro em andamento, e eu, quando vivia fora do país, caí do segundo andar. A minha mãe só se apercebeu quando ouviu uma criança lá fora a falar português.
Filipe – Quase que dá para headline.
Luís – “Última hora: Vocalista e teclista dos Salto caem de segundo andar e de carro em andamento…há 20 anos”!
Guilherme E é isso que nos traz até hoje. Mas sim, Salto começam nessa altura; 2011 foi um ano mais a sério porque demos imensos concertos, cerca de 70. E aí, por muito que uma pessoa pense que era mais ou menos a sério, a verdade é que estávamos a tocar muito. Não fazíamos aquilo só porque era divertido, gostávamos mesmo de o fazer e queríamos fazê-lo cada vez melhor; já não era só um hobby. Ainda era muito amador, na verdade, mas já começava a ser mais profissional. Depois em 2012 as coisas começavam a ganhar forma. Mas a verdade é que agora, neste momento, é que estamos numa fase em que sabemos muito melhor o que estamos a fazer e o que andamos a fazer. Mas isso é normal; vamos crescendo, aprendendo com os erros, tendo mais pessoas à nossa volta que se interessam pelo que nós fazemos e a trabalhar connosco; por isso isto começa tudo a crescer. E é fixe, porque começas também a crescer com o meio, em vez de ser só uma cena que vai de disco para disco sem grande evolução.

Fotografia de João Rosa – CCA

Falando de Férias em Família em particular, notamos que tanto em estilo como estética é diferente dos anteriores. Têm um registo mais electrónico e dançável no primeiro álbum e mais rock do segundo, e surge agora este álbum a roçar o orquestral. Como é que surge esta mudança?
Guilherme – Foi um processo muito pouco verbalizado em termos de querermos chegar a este ponto. Ou seja, não foi uma coisa planeada do tipo “vamos começar por ser pop e electrónicos e depois vamos para banda e depois para uma cena mais intimista”. Mas naturalmente evoluímos para isto, porque vínhamos de um primeiro álbum onde estávamos a querer, acima de tudo, experimentar muitas coisas. E quando produzimos o álbum fomos com o New Max, que é uma pessoa que adora sintetizadores, camadas de vozes e produção mesmo ao detalhe. Muita gente identifica os Salto com o primeiro álbum, mas nós não tínhamos noção que, tão rapidamente, tínhamos sido carimbados como aquilo. Tanto é assim que, a ir para o segundo álbum, mudámos imenso porque queríamos exactamente uma coisa diferente.
Luís – Acho que sobre esse tema, é um pouco uma procura interior por aquilo que nos leva a fazer música. E é difícil estares nessa procura interior e as coisas não serem um bocado contemplativas. Vens de um disco em que não tens dinâmica — o primeiro disco não tem dinâmica, é sempre tudo no máximo. O segundo já ganha uma envolvência de banda, com riffs mas ainda mantendo a energia. O terceiro tem muita intensidade. Não é tão energético mas tem muita intensidade. É muito mais profundo. E nós temos ficado também mais emocionais.

É curioso, porque uma das palavras que mais surgiram ao googlar “Salto” e “Férias em Família”, usada em muitos outros artigos, foi “maturidade”.
Guilherme – Nós não nos descrevemos assim, tipo “agora atingimos a maturidade”, até porque é uma coisa muito estranha de dizer e porque não é uma coisa momentânea, é um percurso. Se se passam uns anos e não ganhas maturidade, estás a fazer alguma coisa mal.
Luís – Se for para nos descrevermos acho que escolheria falar em profundidade, não fomos à procura de maturidade. Mas ficamos contentes com essa descrição, porque também significa que no geral, toda a gente acabou por entender a vibe do álbum. A mensagem é clara, e isso é óptimo.

Não acabaram de alguma forma por também recear esta mudança? No sentido em que poderia alienar quem vos ouve e vos identificava com o som antigo?
Guilherme – Não, não de todo. Acho que do primeiro para o segundo foi mais estranho, porque foi um corte muito rápido, e houve muita gente que não percebeu. Na altura até cortámos um bocado com as músicas do primeiro álbum nos concertos exactamente por isso, que era para as pessoas perceberem que não éramos o primeiro álbum, nem nos íamos agarrar a ele para mostrar quem éramos.
Luís – Como não foi uma coisa pensada, acabámos por acolher isso, que também faz parte da dita maturidade. Não olhamos agora para trás e pensamos “eia, que putos, que mal feito” — quisemos crescer e acolhemos isso.
Guilherme – Claro, até porque músicas como a Por Ti Demais, a Deixar Cair, se calhar a Teu Par ou a Sem 100 acabaram por marcar muita gente. Não vou dizer que marcaram uma era na música, nem uma geração nem nada disso; mas há muita gente que se revê nessas músicas e que as associa a momentos da sua vida. Seria muito estranho, se, para nós, quiséssemos fugir intencionalmente disso. Foi uma evolução, e evoluímos para um sítio diferente do primeiro álbum.
Filipe – Os Radiohead estiveram anos sem tocar a Creep. E agora pelos vistos acho que a têm tocado sempre.

Ainda não vos chegou a acontecer esse momento?
Guilherme – A nós? Ainda não passaram 20 anos. (risos) É semelhante ao que estávamos a dizer, quando estávamos a tocar o segundo álbum, não tocávamos o primeiro.
Filipe – Sim, a partir do lançamento do segundo álbum nunca mais tocámos o primeiro. É o que é. Também do disco anterior, o Passeio das Virtudes, não sobrou nada, colocámos todas as ideias que tínhamos. Deste já sobraram umas quantas ideias. É tudo vivido com a mesma intensidade. Este disco é talvez mais suave, mas a maneira como olhamos é mais consequente.
Guilherme – Consequente é bom.
Filipe – Não sei dizer porquê mas há qualquer coisa diferente neste disco. A intensidade na intenção é igual, em estilo é diferente, mas há sobretudo uma procura diferente. Mesmo em termos estéticos, apesar de gostar dos outros discos, aqui temos músicas especiais, como a Ninguém te Viu.
Tito – Sim, aqui a produção acaba por ser muito mais cuidada no som e nos arranjos.
Luís – Sim, acabamos por falar numa coisa que acho que é importante referir – este é o primeiro álbum em que acabamos por fazer tudo só nós em termos de produção. O primeiro álbum foi o New Max e no segundo álbum fizemos num estúdio um bocado em takes, co-produzido pelo Nuno Mendes e sem ter realmente a mão na massa como pretendíamos. Neste disco pusemos a mão em todo o lado. Excepto no master. Por isso acabámos por pôr a nossa intenção completa só agora neste disco.

Fotografia de João Rosa – CCA

Terem o controlo total sobre a produção foi algo em que acabaram por se sentir confortáveis?
Luís – É engraçado porque nós já temos feito a produção para outros artistas.
Filipe – E no último álbum também acabámos por fazer grande parte.
Luís – Mas não tínhamos o controlo total, lembro-me de ter discutido várias vezes acerca do som da guitarra, que acabou por não mudar muito de como estava. Desta vez tivemos mesmo o controlo completo sobre esses pormenores. E a verdade é que acho que só agora é que estávamos preparados para o fazer. Na altura do segundo álbum já tínhamos grande parte das noções, mas ainda não estávamos lá.
Filipe – Nós os três [Filipe, Luís e Guilherme] estudamos produção. E o Tito também trabalha com isso.
Guilherme – Sim, quando começámos com Salto não era muito a sério. Estávamos todo o dia só a gravar e a maior parte das vezes nem tínhamos colunas, só dois headphones ligados a uma mesa.
Filipe – Já estava envolvido na música deste o quinto ano, mas só começou a sério quando nos conhecemos e entrei para a faculdade. Mas aí nem era como músico, era para fazer som ao vivo, ou som para filmes.

É curioso falarmos disso, porque a instrumentação deste álbum é também diferente da formação rock mais tradicional. Temos contrabaixo [no vídeo de Rio Seco], violoncelo…
Guilherme – Sim, o Tito toca violoncelo e o Filipe estudou contrabaixo. Mas não o chegámos a gravar.
Filipe – Chegámos a falar de gravar contrabaixo para o álbum, mas era caro. Até era fixe andar com um contrabaixo na estrada.
Luís – Somos uns virtuosos! (risos)

Em termos de virtuosidade, a atenção ao detalhe neste álbum parece redobrada.
Filipe – Até já nos ensaios, estávamos constantemente a voltar a abrir os projectos para ver o que faltava.
Luís – Fizemos muita vez solo às pistas só para tentar ser o mais fiel possível aos sons exactos que estávamos a usar.
Filipe – Chegava ao ponto de haver mais uma guitarra gravada na música que só nos apercebíamos nesse momento.

Em termos de composição, ter esta nova estética e instrumentação mudou em alguma coisa o vosso processo em relação aos anteriores?
Guilherme – Não, o processo é sempre muito parecido – ou vem de guitarras ou de teclados. Tirando algumas que foram feitas assim mais tudo ao mesmo tempo, partiram todas daí. É difícil numa banda como Salto alguma música partir de uma bateria. E não é necessário que seja sempre eu ou o Luís a tocarmos essa guitarra ou teclado: Quando se pára um ensaio, o Tito adora pegar numa guitarra e estar um bocado a curtir. E podemos partir daí. É um processo que acaba por ser transversal a todos os álbuns, a composição acaba por partir sempre desses dois instrumentos. Até porque tu podes fazer uma canção muito simples, mas é o arranjo que acaba por ser o que a torna especial e que faça com que gostes mesmo dela, não é só a canção na guitarra. Depois é que é fixe, porque podes voltar a tocá-la, e como já tens presente aquilo que a música é na sua plenitude, soa-te bem e gostas da canção assim simples e despida. E este álbum vive muito disso: dos pormenores dos violoncelos, dos efeitos de voz, do pormenor de ter guitarra clássica e acústica, da multiplicidade de sintetizadores.
Luís – Sim, e fomos muito mais rigorosos com os timbres dos arranjos, para ser o mais fiel possível à reprodução ao vivo.

Entre as várias faixas, Férias em Família é também um álbum muito coeso. Houve também um planeamento prévio em relação a isso?
Guilherme – Planear, planear…não.
Luís – Se calhar apareceu um pouco de forma orgânica. Como estávamos a ser mais rigorosos em relação aos arranjos, não íamos depois fazer nada completamente fora disso.
Guilherme – E neste disco já não estávamos nessa fase de experimentação. Quando íamos experimentar sabíamos porque é que íamos experimentar e que resultado procurávamos. Até podia não resultar, mas não era à toa. E isso acontecia muito nos dois outros álbuns, em que acabávamos por experimentar muito só porque sim. Aqui experimentámos bastante, mas sempre com algum critério. Por exemplo, o arranjo de cordas na Rio Seco foi uma experiência…era uma ideia que tínhamos mas que não sabíamos se ia resultar. Queríamos que naquela música houvesse aquele espaço, mas não fazíamos ideia de como seria. Estivemos uma manhã inteira, foi um filme. Mas foi uma cena super marcante deste disco.

O visual campestre e mais acústico deste álbum, foi logo desde cedo um mote de partida?
Guilherme – Foi fixe, porque aqui pusemos duas pessoas no processo — o Lourenço Providência e a Sara Steege, que são designers
Luís – E o Lourenço é nosso primo, portanto ainda mais férias em família!
Guilherme – Exactamente! E mostrámos-lhes o álbum. Falámos sobre o ser orgânico, que ele também percebeu muito bem; e foi ele que nos levou muito para este caminho da cena mais campestre e das bolhas de sabão. Quando ele nos falou disso, nem estávamos bem a perceber o que é que ele queria dizer.
Luís – Percebemos a parte do campestre e das casas de campo. Mas as bolhas…ficamos os dois confusos.
Guilherme – Ele só nos disse: “Deixa-nos fazer umas cenas. Vamos trabalhar numas ideias e mandamos, depois vocês vêm se é por aqui ou não”. Mandou, e apesar de ainda estarmos na dúvida, quando fez as fotografias acabámos por ficar impressionados. A fotografia final foi tirada pelo João Serzadelo, que estava lá com eles. A mensagem deste álbum passa de forma muito realista e concreta para quem o ouve, por isso é impressionante como até o designer que estava a fazer a capa levou a direcção da arte para o sítio certo sem nós próprios sabermos o que o tema pedia. Até o Pedro Jarnac Freitas, o realizador do vídeo da Teorias, se encaminhou completamente para o tema. Bate de alguma forma certo com o álbum.
Luís – É um álbum muito real. Tudo o que envolvemos no projecto, toda a gente, foi porque quisemos envolver. Não há qualquer tipo de pretensão externa a isso, é cem por cento verdadeiro. E acho que é isso que lhe dá a parte especial que o Filipe mencionava.
Filipe – É a beleza. Que apesar de muitas vezes poder ser o objectivo, nem sempre é o resultado. Nos projectos todos que eu tenho, a conclusão ser a procura da beleza normalmente não é algo que esteja presente. Pode ser algo como “fazer boa música”, mas neste caso acho que chegámos a essa concretização da beleza.
Tito – O que eu acho neste caso é que temos muito mais coerência entre todos os elementos.
Luís – Sinto que para mim, este álbum foi o que me desbloqueou mais a criatividade.

Acerca dos vossos projectos a solo, Salto acaba por se ramificar, nos últimos tempos, numa multiplicidade de projectos…
Guilherme – Sim, eu toco como GPU Panic, o Luís tem Lewis M, Rapaz Ego e toca com Capicua também. O Filipe toca com Rite of Trio, que deve ser o projecto mais activo, mas também com muito pessoal da cena jazz do Porto. O Tito estava a tocar com Best Youth até agora, e tem o seu projecto a solo como Arctween, que é de música electrónica.

Grande parte desses projectos; como GPU Panic, Lewis M e Arctween são mais ligados à música electrónica. Terá isso servido como o escape que desviou o percurso de Salto para este lado mais acústico
Luís – Acabas por concluir muitos desejos que tens. Todos acabamos por ter muito output criativo de expressão. O Filipe expressa-se no baixo e no contrabaixo de milhões de maneiras diferentes, e não dá para reunir isso tudo num único projecto, é impossível. E é por isso que respeitamos tanto esse espaço de cada um. É muito importante para nós tocar noutros projectos e fazer outro tipo de canções, e é importante porque acaba por te tirar a vontade de “chegar à festa e falar com toda a gente”. Assim, vamos “falando”; um bocadinho por fora, de outras maneiras, e quando nos juntamos todos, o discurso já não é uma salganhada de referências que gostamos, e passa a ser mais um “onde é que nos podemos encontrar todos”. E isso acaba por enriquecer muito mais o projecto: por exemplo, com o cuidado que acabámos por ter em conseguir um range dinâmico ao disco como o Filipe adora, ou a profundidade da voz que o Guilherme procura, ou ter o som da bateria que o Tito passa horas a conseguir, ou até, no meu caso, o som especial dos teclados e das texturas sonoras que ando à procura. Como nos conhecemos, e estamos a par dos projectos de cada um, explorar noutros lados e ter esse tipo de relação só ajuda. Antigamente havia uma cena que eram os contratos de exclusividade, quando assinavas por uma major, estavas muito mais limitado a tocar em mais bandas.
Guilherme – Podemos até falar em relação ao nosso primeiro contrato como Salto; mencionava que tanto Guilherme Tomé Ribeiro como Luís Montenegro dos Salto não poderiam tocar em mais bandas ou criar projectos individuais sem a aprovação prévia da editora.
Luís – Por isso mesmo, hoje em dia a liberdade que isso nos traz é muito vantajosa — em particular após o segundo disco, onde decidimos deixar as editoras de lado para nos concentrarmos na nossa dinâmica, que era algo que não estava a funcionar no primeiro álbum. Lançámos agora pela Sony, mas é porque a malta que está lá compreende e aceita a nossa mecânica.
Guilherme – Toda a nossa procura por diferentes maneiras e expressões de fazer música, que nos outros projectos é mais extremada, acaba por nos levar a ser mais objectivos depois em Salto. Se eu quiser fazer uma malha de techno de dez minutos, já fiz; e não preciso de andar à procura disso.

Como GPU Panic, participaste ainda pelo meio na Red Bull Music Academy. O que acabaste por trazer daí de mais importante?
Guilherme – Além de toda a experiência no que a toca ao conhecimento, dá-te confiança numa cena muito engraçada que é: tu cá tens muitas pessoas com quem partilhas música, mas há sempre imensa gente a quem não chegas, nem imaginas qual será a reacção. Na Red Bull tens muita gente que não te conhece de lado nenhum, e que só quer ouvir a tua música, o que tens para dizer. Aqui é diferente, porque tens toda a experiência de dia-a-dia e tens muita mistura entre amizade, gostos e partilha de opiniões. Ali tens uma reacção muito mais “tela branca”. As pessoas ouvem e dizem o que quiserem. E tu também estás nessa atitude para com os outros, e isso acaba por ser o mais enriquecedor de toda a experiência.
Luís – Quando uma pessoa está a crescer enquanto artista tem que se exprimir. Para isso tens que aprender; a parte técnica, por exemplo, tens de aprender a tocar um instrumento, tens de compôr e tens de ouvir. E tudo isso demora tempo, por isso naturalmente quanto mais coisas fizeres, mais rapidamente vais ter um vocabulário musical mais completo.

Regressando ao tema dos vídeos, têm uma colaboração com Emmy Curl, no vídeo da Rio Seco. Como é que surgiu?
Guilherme – Até foi uma ideia do Filipe. Nós andávamos a falar que queríamos fazer uma versão mais acústica com violoncelo e contrabaixo; e o Filipe, que é amigo pessoal da Catarina, é que se lembrou. Estivemos uns dias com ela a afinar a versão e acabámos por nos dar todos muito bem, é um talento fora de série com uma voz incrível. Foi muito fixe — se der para fazer mais coisas com ela é muito provável que aconteça.

No entanto, esta colaboração não surge no álbum. Foi deliberada a decisão de não ter nenhuma colaboração?
Luís – Lembro-me de falarmos que não queríamos até colaborações.
Guilherme – Raramente andamos à procura de no álbum fazermos colaborações, até porque no fundo já estamos a fazer uma colaboração a quatro pessoas. Em relação ao extra, após o álbum, tudo o que vier depois…não é um vale tudo, mas temos muito mais margem.

Em relação aos espectáculos ao vivo, este novo formato e instrumentação trará alguma novidade?
Guilherme – Sim. O disco já soa a outra coisa, por isso mesmo os instrumentos que usamos ao vivo são um pouco diferentes. Não estamos a fazer tudo exactamente como no disco, mas já usamos elementos de percussão que antes não estávamos a utilizar; como reco-reco, shaker e cowbell. E vai haver mais. A verdade é que este também é o álbum em que temos mais músicas os três a cantar. E Tito em breve, quando estiver preparado.
Filipe – Estamos a cantar bem mais.
Guilherme – Isso é o sonho de uma vida, uma banda de quatro com os quatro a cantar.
Filipe – Como já existem três discos, o espectáculo também tem de ser diferente.
Guilherme – Estamos muito contentes com voltarem a haver três discos. No segundo, como era uma transição tão difícil entre dois álbuns tão diferentes, o concerto ficava um bocado estranho. Agora já não soam a isso. Acerca deste espectáculo, temos várias ideias sobre o que queremos fazer. Estamos mais preocupados com a parte cénica, estamos mais preocupados em ir a mais sítios, mas sítios onde as pessoas nos possam ver com outras condições. Não em termos qualitativos de existirem sítios melhores ou piores por onde passámos; mas é diferente ires a uma feira agrícola de Verão ou tocares num auditório onde as pessoas estão habituadas a ver concertos. E nós queríamos ter esse registo, de ir a sítios onde as pessoas estão habituadas a ver concertos, e é algo que estamos a procurar e a tratar de marcar.

Tendo em conta o boom de eventos e festivais que tem vindo a acontecer nos últimos anos, acham que é hoje em dia um objectivo mais fácil de atingir?
Guilherme – Sim, há mais coisas, mas também há mais bandas. As redes sociais trouxeram ao de cima muitas carreiras musicais que antes as pessoas não faziam a mínima. Por haver tanta gente a aparecer cria essa dualidade: por um lado tens mais sítios para tocar, mas também tens muito mais pessoal que sabemos que existe para tocar.
Luís – E depois há o hip-hop, que é um fenómeno…praticamente tudo é alternativo desde que não seja hip-hop. (risos) É tão enraízado e tem tantos subgéneros que tu consegues fazer milhões de festivais só com um deck e pessoal no microfone.
Filipe – Acho que o hip-hop tem um pouco uma fractura. Tem coisas muito boas e muito más, e parece que não existe um meio-termo. É muito extremado.

Até como já estivemos a falar, a maneira como a geração actual produz e consome música é consideravelmente diferente da realidade em que Salto surgiram, em 2007. O que é que diriam a algum jovem artista que estivesse na mesma situação que vocês quando começaram?
Guilherme – Acho que o essencial é tentarem dar muitos concertos, se gostarem de concertos. Porque essa é a melhor maneira das pessoas conhecerem a tua música. Façam muita música: toquem muito, ensaiem muito, gravem muito, discutam muito. Nunca achem que está bom à primeira, ou que se correr mal são uns falhados. Tentem partilhar palcos e fazer tours uns com os outros, mas façam mesmo, não fiquem só à espera que aconteça. É uma face mais networking, mas também envolve muita música. Se estiveres três anos para fazer quatro músicas é porque não estás a trabalhar ou a dedicar-te como devias.
Luís – E não achem que são importantes, mas saibam que são especiais. Toda a gente precisa de encontrar a sua própria coisa, mas não és mais importante que os outros.

E em relação ao panorama musical mais local, seguem com atenção o que se vai passando?
Guilherme – Claro, temos imensos amigos que fazem música. E há bandas que não conheces e que estão no mesmo panorama que tu. Acompanhamos o panorama em Lisboa, e, bem antes disso, o que se passava pelo Porto.
Luís – O Porto está com um problema de falta de salas de concertos. Cá em Lisboa tens mais salas com programação.

E têm, tanto em Lisboa como no Porto, uma série de colectivos e labels mais DIY com uma série de artistas…
Guilherme – Estamos muito atentos ao pessoal mais novo que aparece e que forma movimentos mesmo fixes. Associarem-se dessa forma, fazerem festas e partilharem palcos é do mais importante que há no ambiente cultural musical de um país. É essencial teres esse pessoal a criar envolventes para o que fazem. Se não houver isso muitos projectos ficam isolados. Nós temos a sorte de já andarmos nisto há alguns anos e de termos apanhado muita gente que gostava de partilhar, porque acabámos por nunca nos associarmos a um colectivo ou label do género. Por acaso até curtia, porque é um grupo onde acabas por ter essa partilha que muitas vezes falta.
Filipe – Na verdade, estavam com a Amor Fúria.
Guilherme – Sim, estávamos na Amor Fúria, no início, e foi muito interessante; era esse ambiente.
Luís – É mesmo fixe quando estás num concerto e vês amigos teus de outras bandas que estão lá. Afinal, como fazemos música, tudo que sai por aí de nova música portuguesa acabamos por ouvir com muita atenção.

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