Entrevista. Steven Wilson: “A ideia da verdade como uma singularidade absoluta da realidade é algo inatingível”
Steven Wilson estará de volta à Sala Tejo (no Altice Arena) no próximo dia 15 de Janeiro, para a continuação da sua tour do recente To The Bone, que iniciou precisamente na mesma sala, no passado dia 31 de Janeiro de 2018. Numa entrevista realizada via telefone enquanto prossegue em concertos por terras norte-americanas tivemos a oportunidade de falar um pouco sobre este último álbum, o que é estar em palco, o processo criativo de composição, o novo álbum que se presta para lançar e os hobbies daquele que é um dos nomes mais sonantes e reconhecidos da música progressiva.
Já visitaste Lisboa em várias ocasiões. O que mais te atraiu na cidade?
Bem, é engraçado porque o primeiro espetáculo que fizemos na tour deste álbum foi em Lisboa. Penso que no fim de Janeiro deste ano. Foi o primeiro concerto do álbum, To the Bone.
Sim, nós estivemos lá [risos].
Estiveram? [risos] Foi um pouco assustador [o concerto]. Obviamente que no momento, mesmo depois de ter ensaiado por várias semanas, não estava certo do quão bem o espetáculo iria ser captado pela audiência, mas o melhor do público português é o quão positivos são, sempre com imensa paixão e entusiasmo para oferecer. Por essa razão estou ansioso por voltar a esse palco.
Então, podemos dizer que ainda te sentes nervoso por estar em palco?
Neste momento não porque sei que o espetáculo é bom e que funciona, mas pensando nos primórdios, especialmente aquele primeiro espetáculo… Quero dizer, ensaiar, podes ensaiar e ensaiar quantas vezes quiseres mas até ao momento que pisas o palco perante uma audiência e actuas para pessoas concretas e reais nunca podes ter a certeza que vai resultar. Existe sempre esse risco e pressão associados. Eu lembro-me de me sentir bastante stressado naquele primeiro espetáculo. Na verdade até houve coisas que não resultaram, que passados alguns concertos comecei a alterar aqui e ali como a escolha das músicas, a sua ordem ou alguns aspectos visuais que resultavam melhor que outros, por isso vai ser realmente interessante voltar a Lisboa com este espetáculo agora que já passou perto de um ano desde o início da tour. Estamos muito mais confiantes e o espetáculo tem resultado muito bem. Penso que vai ser interessante para os fãs verem a evolução.
O espetáculo é totalmente controlado? Todas as pausas estão temporizadas ou existe espaço para o improviso e gestão de erros ou imprevistos?
Há imenso espaço para o improviso. Obviamente que há muito planeamento e esboços. Há também imensa coreografia para coordenar durante o concerto, mas eu também tento programar momentos onde pode ser diferente de uma noite para a outra. Por exemplo, os solos que tocamos todas as noites são completamente improvisados. Eu também improviso todo o meu diálogo entre músicas com a audiência. Faço-o à medida que as coisas acontecem. Por vezes o meu diálogo pode estender-se por 5 ou 10 minutos [risos], portanto, há sempre elementos do espetáculo que são bastante informais e espontâneos, mas em termos de efeitos visuais tem de existir um certo nível de planeamento. Sinto que existe um bom equilíbrio entre espontaneidade e planeamento, ou pelos menos assim o espero.
No teu mais recente álbum, To the Bone, falas de diversos conceitos de Verdade e Perspetiva. Qual a tua opinião sobre o tema? Existe apenas uma só “Verdade”? A Verdade está assente em factos? Ou há mais que se lhe diga?
Eu não acredito na existência de algo como a Verdade. Penso que esta é mais um dos vários ideais que nós, humanos, falamos, tal como o Paraíso e coisas do género. A Verdade é só mais uma dessas coisas. E vou-vos contar porque assim o penso. Muitas das vezes quando falamos da Verdade é na realidade apenas uma questão de perspectiva, porque nós estamos constantemente a filtrar a Verdade e a nossa percepção do mundo através dos nosso próprios preconceitos. Preconceitos esses que são afetados pelo sítio onde nascemos, como fomos criados, a nossa religião, a nossa índole política, o nosso género, a nossa história, os nossos pais. Todas estas coisas contribuem para a imagem que temos do mundo. Nós vemos o mundo através da nossa própria perspectiva, por isso penso que a minha Verdade irá sempre ser diferente da tua Verdade e irá sempre ser diferente da Verdade das restantes pessoas neste mundo. Daí pensar que a ideia da Verdade como uma singularidade absoluta da realidade é algo inatingível. Como um dos ideais que falamos, aspiramos sempre à Verdade, mas penso que essa Verdade é inalcançável. Não acho que seja algo mau, acho que é uma das coisas que faz deste mundo um lugar tão interessante. Todos têm a sua própria realidade, a sua própria verdade, a sua própria perspectiva do mundo, do que gostam e do que não gostam, o que acreditam e o que não acreditam. Como essa Verdade é de muitas formas inalcançável é um tema interessante, que acaba por tornar também o mundo num lugar curioso. Há um par de músicas no álbum sobre a relação entre duas pessoas, uma rapariga e um rapaz, e mesmo nessa pequena situação é interessante o quão diferente é a percepção da situação por parte de cada individuo. Ambos têm ideias completamente diferentes de como a sua relação com o outro está a funcionar. Acho a temática da noção de Perspectiva e Verdade fascinante.
Nas tuas letras abordas temas bastante contemporâneos, tal como controlo governamental, dia-a-dia numa sociedade moderna, aborrecimento, apatia emocional, mas é tudo assim tão cinzento nesta sociedade moderna?
Tenho a reputação de ser bastante negativo. Bem, é mais a reputação de mergulhar em temas como a melancolia, remorso, perda e tristeza, e para mim essas coisas são lindas porque fazem parte daquela parte de experiências humanas que todos podemos entender. O que significa ter remorsos, sentir a perda de algo, compreender a tristeza e nostalgia do passado. De diversas maneiras pensei que essas coisas, quando expressas através da arte – e não apenas música mas também filmes, pintura ou o que quer que se adeqúe para o efeito -, eram incrivelmente bonitas e que nos uniam através de experiências partilhadas que todos nós já vivemos. Penso que a minha reputação de ser bastante cínico não é bem verdade. De facto penso na tristeza das coisas, na tristeza da vida, em melancolia, perda, remorso, nostalgia e tudo o que mencionei antes, mas ao mesmo tempo sempre achei que esta ideia de experiências partilhadas bastante bonita e penso que esse sentimento se reflete em mim através dos fãs. Certamente que as pessoas que ouvem as minhas músicas estão a reagir a elas e a empatizar com elas de uma forma bastante positiva. Muitas pessoas vêm ter comigo apenas para dizer “Obrigado pela tua música. Ajudou-me imenso. Ajudou-me a superar a minha depressão. Ajudou-me a superar a minha doença”, e esse resultado para mim é extremamente gratificante. Não sou um dos que escreve músicas sobre como o governo não presta ou como o mundo é este lugar “terrível”. Eu acho o mundo um lugar extraordinário, mas acho que o ser humano, como espécie, tem imensos problemas. Nós temos imensos problemas, mas também somos capazes de feitos incríveis e de extrema beleza. Por exemplo, sou vegetariano e não consigo compreender como a maioria das pessoas pense que não há problema em comer todas estas incríveis criaturas que coabitam este planeta. Mas isso sou apenas eu, compreendo que muitos dos meus fãs não sintam o mesmo. Tudo o que posso fazer é falar sobre estes assuntos e o porquê de não achar correcto comer animais, ou o porquê de não acreditar em Deus e como acredito que isso seja a causa de muitos dos nossos problemas. Penso que a religião lixou a espécie humana. Esta necessidade de acreditar num poder superior é quase como que atribuir a responsabilidade de tudo o que de mal tem ocorrido a uma outra identidade e, na minha perspectiva, esse é o grande problema, mas agora voltamos ao tema da minha perspectiva, e de como essa é a minha visão da realidade, a “minha” verdade, e aí percebo que a minha verdade não é necessariamente a mesma para todas as outras pessoas. Eu falo sobre essas coisas na minha música, falo sobre elas em palco e os meus fãs estão livres para concordar ou discordar. Não quero ser como outros, tal como o Bruce Springsteen ou o Bono que pregam. Não gosto de pregar, de dizer aos meus fãs em quem votar e esse tipo de coisas. Não funciono assim. Gosto de pensar na minha música como um espelho, e se te reconheces nesse espelho, se te consegues visualizar nesse espelho, acho fantástico.
O álbum To the Bone é um pouco diferente dos teus outros álbuns. Qual foi o teu objectivo musical quando o estavas a compor?
O meu objectivo musical é sempre o mesmo, fazer sempre algo diferente com cada álbum. Uma das coisas de que mais me orgulho nos cinco álbuns que fiz em meu nome desde 2008 é que são todos extremamente diferentes uns dos outros. Adoro que assim seja. Portanto, respondendo à pergunta, esse é o meu objectivo: fazer sempre algo diferente. Comecei agora a trabalhar no meu próximo álbum e estou de volta à busca por algo diferente que faça com que se destaque dos discos anteriores. Uma abordagem musical diferente, um tema lírico diferente. Para dar uma resposta mais detalhada, estava realmente interessado em criar algo mais acessível e um pouco mais focado no lado melódico e na letra, mas sem nunca perder a personalidade e ambição do meu som pelo qual as pessoas me reconhecem, ou pelo menos que eu espero que me reconheçam. Foi portanto uma tentativa de criar algo mais melódico e directo quando comparado com os dois últimos álbuns [Hand Cannot Erase e Raven That Refused to Sing], que são de um estilo mais pesado e conceptual. Penso que o To the Bone é uma tentativa de criar algo mais imediato, talvez algo que apelasse mais às pessoas que acharam os álbuns anteriores demasiado conceptuais, demasiado pesados e isso veio definitivamente a confirmar-se. Penso que imensas pessoas descobriram-me com este álbum. Penso que o To the Bone é uma porta bastante fácil de atravessar e de fazer descobrir todo o meu mundo musical, e definitivamente cumpriu com os objectivos nesse aspecto.
Sentes pressão para criar novo conteúdo? Tens uma base de fãs bastante dedicada que espera sempre algo brilhante, sentes pressão por isso?
Para ser sincero a única pressão que sinto sou eu mesmo que a crio. Não estou especialmente atento ao que os fãs pensam nem ao que dizem. Eu não leio muito nas redes sociais, nunca leio comentários nem nunca olho para esse tipo de coisas. Claro que seria impossível estar completamente isolado desse tipo de contacto. Eu oiço algumas coisas que muitas vezes chegam até mim através de boatos. Mas não oriento a minha atenção nessa direcção, muito menos quando estou em fase de criação. Penso apenas na coisa que quero realizar. O que nos traz de volta ao que falei há momentos, eu tento entusiasmar-me com algo e a melhor maneira de o fazer é criar sempre algo diferente. A única coisa que posso dizer é que tudo o que faço, faço com completa crença e coragem nas minhas convicções. Não posso esperar que os fãs gostem sempre da música, das direcções que eu tomo e da música que quero fazer, mas penso que eles me respeitam o meu direito de fazer isso, a mudar. De fazer musica que talvez não os faça inteiramente felizes, mas ao menos respeitem o meu direito de o fazer, e espero que percebam que o faço com cem por cento de convicção e crença. Tive alguns momentos na minha carreira em que fiz álbuns que foram algo controversos para a minha base de fãs. Lembro-me de quando lancei um álbum chamado Absentia de Porcupine Tree e imensas pessoas odiaram-no. Os fãs mais antigos odiaram o aspecto metal do álbum e eu perdi imensos fãs. Mas com o passar do tempo o álbum foi ganhando popularidade e a audiência começou a expandir. Penso que o mesmo aconteceu com To the Bone. Pelo menos a uma certa extensão eu tenho a ideia que os fãs me viraram as costas com o lançamento deste album, mas que ao mesmo tempo um novo grupo de fãs me descobriu. Penso que isso faz parte da minha evolução enquanto artista. A aceitação da base de fãs vai regenerando-se. Perdes fãs mais antigos e ganhas outros novos. Mas penso que a grande maioria dos meus fãs irá seguir-me nesta minha jornada e irão respeitar as minhas escolhas como artista.
Disseste que estavas a planear um novo álbum. O que podemos esperar dele? Vai seguir as linhas de To the Bone ou será algo inteiramente diferente?
É bastante diferente. Não quero falar muito sobre o assunto porque ainda estamos numa fase muito embrionária do processo, mas será novamente algo bastante diferente. Diferente de To the Bone, diferente de Hand Cannot Erase, diferente de todos os álbuns que fiz. Estou bastante entusiasmado com isso, e essa é a minha preocupação principal. Percebi que se torna um problema se não estou apaixonado nem entusiasmado com a música que estou a fazer. Encontrei uma direcção pela qual estou entusiasmado por seguir. Tenho apenas duas ou três músicas de momento, pelo que é muito cedo para falar, mas será algo completamente diferente. Digo que vai ser muito diferente mas em todos os meus álbuns há algo bastante distinto, o som de Steven Wilson. O que o quer que seja que crie vai soar a mim, e eu digo que vai ser muito diferente mas provavelmente não vai [risos]. Vai soar como um dos meus álbuns mas é certamente um passo numa área musical diferente e estou orgulhoso disso.
Já há alguma previsão para a data de lançamento deste álbum?
Estou a apontar para inícios de 2020. Obviamente que neste momento estou ainda em tour por isso até ao próximo verão não posso começar a gravar este próximo álbum. Espero tê-lo pronto no final do próximo ano e lançá-lo no início de 2020.
Em todos os teus álbuns tens artistas diferentes a ajudarem-te no processo. Como os escolhes? Supomos que penses no contexto e objectivo musical mas podias dar-nos uma idea de como se processa?
Depende do tipo de material que eu imagino. No próximo álbum estou a trabalhar com uma pessoa nova que irá co-produzir comigo e que é alguém em que pensei pela direcção musical que senti que queria seguir. Não vou dizer quem é, desculpem [risos], é demasiado cedo. Penso que o material sugere um pouco o tipo de colaborador musical. Por exemplo o To the Bone exigiu uma abordagem diferente da minha parte. Eu toquei bem mais neste álbum que o que tinha tocado nos anteriores. Toquei a maior parte da guitarra, bastante do baixo e algum teclado, e mais uma vez isso foi uma consequência directa da abordagem que eu queria seguir: menos conceptual, menos solos, e músicas mais concisas contrastando com peças mais longas conceptuais. Isso fez-me pensar “Ok, neste álbum posso tocar muito mais da parte instrumental.” No próximo o estilo e a abordagem da música irão sugerir certos colaboradores e certos músicos. Sinceramente não posso dizer que já cheguei a esse ponto. Ainda tenho que identificar com quem quero co-produzir, mas tenho a certeza que os membros da banda com que estou actualmente a tocar irão todos fazer uma aparição no próximo álbum de uma ou outra forma.
Há algum outro artista ou banda recente que te tenha despertado a atenção?
Há uns quantos álbuns que adorei este ano. Comicamente, ontem escrevi algo no meu website sobre os meus álbuns favoritos do ano. Escolhi um álbum de Low, uma banda com 25 anos de carreira que lançou um álbum este ano chamado Double Negative e é lindo. Eles são o que se chama de uma banda de slow core, por isso todos os tempos nas músicas são incrivelmente lentos e este ano fizeram algo um pouco mais electrónico e eu adoro. Por isso essa é a minha sugestão, Double Negative de Low vindos da America.
Estamos a chegar ao fim da nossa entrevista por isso gostávamos de fugir um pouco ao tema da música. Quais são os teus hobbies quando não estás a compor ou a praticar?
Bem os meus hobbies estão todos relacionados com música de alguma maneira. Sou um apaixonado coleccionador de música, e adoro comprar novos álbuns e CD’s. Durante esta tour na América vou fazer uma outra visita às lojas de música e quiosques [risos]. Mas também adoro filmes, cresci a adorar cinema mas também filmes. Estou constantemente a ver coisas, a compensar filmes que ficaram por ver e a ver todos os episódios em atraso de séries. Pelos vistos o Cinema é o meu outro hobby, sou como que um realizador frustrado. Noutra vida teria ido facilmente para o mundo do Cinema em vez do da música.
Tens algum realizador favorito? Ou filme favorito?
Tenho um filme que vi recentemente e que adorei, chama-se Personal Shopper com a Kristen Stewart, é um filme incrível. Havia ainda um outro que foi lançado este ano, Annihilation, em que a Natalie Portman era a estrela no filme. É basicamente sobre ela a aventurar-se num lugar meio estranho em que o ADN sofria mutações. Um filme de ficção científica muito giro e surreal. Adoro esse tipo de filmes.
E algum realizador favorito?
Bem, David Lynch. Eraserhead, Blue Velvet, Mulholand Drive, The Elephant Man, todos eles são, para mim, dos melhores filmes já feitos. Também sou fã de um realizador britânico, Jonathan Glazer, fez um filme chamado Under the Skin há já alguns anos e outro, Sexy Beast. Ele é brutal. Em termos de líderes de bilheteiras acho que o Christopher Nolan é um génio. Adoro-o. Não há muita gente capaz de fazer aquele género filme para as massas mas mesmo assim fazê-lo com extrema inteligência e esperteza. E claro, Stanley Kubrik. Tenho alguns portanto.
Entrevista realizada por João Estróia Vieira, João Satiro, Pedro Piedade e Rafael Augusto