Entrevista. Tom Odell: “Estou interessado na arte como um refúgio, um escape”
O aclamado músico britânico Tom Odell estrear-se-á em Lisboa no próximo dia 11 de Outubro. Depois de três bem-sucedidos álbuns e uns anos a lidar com questões de saúde mental, o músico regressou revigorado em 2021 com o lançamento do surpreendente Monsters e está a preparar-se para editar um novo álbum já no final deste mês. Foi sobre o novo trabalho, o sucesso recente do seu primeiro hit “Another Love” e muitos outros temas relevantes que conversámos com Tom. A partir de Zagreb, a meio da tour europeia que iniciou há umas semanas e que, segundo ele, está a correr optimamente, o artista respondeu a questões difíceis com uma abertura invulgar e rasgos de genialidade por entre as suas frases incisivas e eloquentes.
A canção “Another Love” atingiu recentemente 1 bilião de reproduções no Spotify. Primeiro que tudo, parabéns por isso. Alguma vez esperaste que a canção se tornasse tão popular?
Não. Se eu alguma vez esperasse algo assim, seria louco. Quando escrevi a canção, a minha editora não achava que seria um single. Fui eu que os convenci a lançá-la. Na altura, a música era muito dominada pela rádio e eles tinham muitos problemas em conseguir que a canção passasse na rádio. A editora nunca a apoiou realmente porque achavam que o esforço seria fútil. Por isso, quando foi lançada saiu-se bem, mas nunca à escala da popularidade que tem tido nos últimos anos. Nunca poderia ter previsto isto. Acho que vêm de um lugar muito real, as letras. Como compositor, estamos sempre em busca daquele rasgo de iluminação que é muito claro e destila uma emoção particular que sentimos naquele instante. Às vezes consegues fazê-lo bem e noutras não. Sinto que a “Another Love” transmite uma emoção com a qual as pessoas se relacionam. Tem sido incrível vê-la ressoar com tantas causas diferentes e isso deixa-me muito orgulhoso e honrado.
Ainda te relacionas com as canções que escreveste para os teus primeiros álbuns? Só porque, a meu ver, parecem muito diferentes dos teus lançamentos mais recentes.
Sim, claro que sim. São canções muito pessoais, não é como se tivessem sido escritas com um comité de compositores. Escrevi-as sozinho, cantei, toquei-as e produzi-as com amigos meus. Conheço-as de trás para a frente e sinto-as como uma criação muito pessoal. Ainda me sinto muito próximo delas. Talvez o seu significado tenha mudado um pouco, mas ainda têm um significado muito profundo para mim.
De que formas mudaste tu, como pessoa, desde o início da tua carreira?
Jesus Cristo, não acho que consiga dizer-te isso numa resposta apenas [risos]. Não tendo a pensar em mim nesses termos. Não sei de que formas mudei, assim de repente. Talvez esteja a fugir à resposta, mas acho que quando se começa a escrever canções — quando comecei, tinha 19, 20, 21 anos — há uma ingenuidade nessas canções. Sendo artista há todo este tempo, questiono-me se alguma vez serei capaz de fazê-lo de novo. É uma mistura entre ingenuidade e inocência que muitas vezes funciona a favor do compositor. Quando ouço canções do primeiro álbum, como a “Grow Old With Me”, a “Sense” ou a “Another Love”, elas realmente soam de forma muito inocentes, mas acho que há um poder nisso, há um poder nessas emoções. Não acho que esta história seja única, reconheço-a noutros artistas que também admiro.
A tua música está muito relacionada com desgostos amorosos, amor e sentimentos. És uma pessoa que sente as coisas de forma muito intensa?
[risos, seguidos de longa pausa] Sim, acho que sinto as coisas de forma intensa, mas é difícil de julgar pois nunca fui outra pessoa. Diria que o meu primeiro álbum é predominantemente sobre romance, mas não diria que os quatro seguintes sejam necessariamente… acho que cobrem uma variedade relativamente de tópicos. Há uma emoção… não é música fria. Acho que há compositores óptimos e que admiro, por exemplo o Dijon, mas não acho que a sua música seja cheia de emoção. Gosto dela por motivos diferentes e reconheço que provavelmente a minha música tenha mais emoção. Nunca pensei nisso de forma consciente, simplesmente faço o que é natural.
Vindo para o presente, no teu mais recente EP regressaste às canções mais focadas no piano, mas que retêm uma natureza menos adornada. Deixaste o electropop do Monsters no passado?
Não sei, nunca tenho um plano cerebral no que toca a estas coisas. Na verdade, o EP é parte de um álbum que vai sair a 28 de Outubro, chamado Best Day of My Life. Há uma modernidade, uma tecnologia nestas canções que usei conscientemente, como um filtro ligeiro de autotune na minha voz. Interessei-me muito por isso no final da gravação do Monsters e enquanto gravava este novo álbum. Acho interessante que vejamos o mundo por um prisma digital, em que há um filtro que é colocado em tudo. Acho que é interessante fazer música com piano e voz, fora do mundo electrónico, e depois subtilmente usar este elemento muito digital que adiciona uma frieza a tudo, quase como se tornasse tudo ligeiramente genérico. Para mim, reflecte muito da forma como sentimos emoções através do mundo das redes sociais, em que tens pessoas que se filmam a elas mesmas a chorar no TikTok. Ao longo do Best Day of My Life, em níveis diferentes, tens este elemento na minha voz e é incrível o quão diferentes as canções se tornam. É uma parte integral da música.
O Rick Rubin tem um Instagram espectacular, em que faz uma publicação de cada vez e depois apaga-a, e são apenas pequenas citações. Uma delas dizia “aplica limitações arbitrárias ao teu trabalho e os resultados serão infindáveis” ou algo do género. Isto tocou-me muito e é impressionante a forma como influenciou este trabalho. O que tenho notado é que a cada semana sai cada vez mais música e a cada dia somos mais e mais bombardeados com conteúdo, estamos a afogar-nos nisso. As pessoas estão sempre a tentar oferecer a maior quantidade de conteúdo possível na menor quantidade de tempo. Estamos a viver numa era de maximalismo. É quase como se estivéssemos nos anos 80 de novo. A minha reacção a isso foi ter um crescente interesse no minimalismo, particularmente no que me interessa musicalmente, como Philip Glass, Erik Satie, Steve Reich… Estou interessado na arte como um refúgio, um escape e algo que, em vez de tentar entreter as pessoas, cria espaço e remove conteúdo, providenciando um lugar para as pessoas respirarem e pensarem, acabando por sentir algo mais poderoso do que com uma canção pop que tem 17 hooks e é 10 vezes mais rápida do que a velocidade a que foi gravada. É certamente essa a direcção na qual a minha música está a evoluir. Estou interessado na forma como as pessoas consomem a minha música, não de uma forma cínica, mas em qual é o papel que a minha música desempenha no dia-a-dia das pessoas.
Provavelmente não pensas nisto desta forma, mas tens feito um esforço consciente para te afastares da música mais mainstream?
Nem sequer sei o que é a música mainstream neste momento. Talvez há cinco anos, a música mainstream fosse algo, porque tinhas a rádio, e artistas que não tocassem na rádio poderiam ser encontrados em lojas de vinis ou coisas do género. Acho que isso já não é o caso hoje em dia. Poderia argumentar-se que artistas mainstream estão a fazer coisas muito mais… ouves a Rosalía e a Billie Eilish, e até o Bad Bunny. Mas a Rosalía… porra, ela é mainstream e não está a fazer coisas previsíveis. Tudo o que ela lança é imprevisível. O que é alternativo? Acho que entendes o meu ponto. Sinto que tudo se misturou, não sei se ainda há géneros [de música] assim.
Sentes que o mundo da música contribui para a tua ansiedade?
Sim, sem dúvida. Penso que o sistema das grandes editoras, que ainda existe hoje em dia, é incrivelmente [longa pausa] implacável. Se andares na universidade, há um corpo universitário e organizações que, com diferentes níveis de sucesso, pretendem regular a mecânica do sítio. No negócio da música e do espectáculo não há sindicatos a tomar conta dos músicos — quer dizer, há, mas não há realmente, entendes? O centro da premissa do que é o negócio da música continua a ser, infelizmente, um bando de homens velhos que procuram jovens talentos que fazem música, encontram-nos, põem-nos num palco e ficam com uma parte do que eles fazem. Eu começo a olhar para trás, para algumas das minhas experiências, e penso “isso era estranho”. Quando eu tinha 19, 20 anos, assinei com editoras e de repente estava a fazer dinheiro para estas pessoas velhas. Queres falar sobre a “Another Love”? Eu escrevi essa canção, gravei essa canção, produzi-a, cantei nela — o meu eu de 20 anos — e eu recebo a parte mais pequena dessa canção. A Sony faz todo o dinheiro e eu não tenho problemas com isso, até porque não são eles que sobem todas as noites ao palco para a cantar, e isso é lindo.
Perguntaste-me sobre saúde mental. Há momentos em que olho para trás e… não é culpa de ninguém em particular, é a cultura de idolatrar a fama, de a procurar a todo o custo. É a cultura de encontrar jovens talentos, fazê-los trabalhar até se esgotarem, pô-los em toda a parte para fazerem dinheiro… Quer dizer, há tantos problemas com isso. Mas pronto, há tantos problemas com o capitalismo. Quando começamos a tornar-nos moralistas, que é aquilo que eu estou a soar neste momento, é tipo, começas a puxar uma linha solta de um casaco e o casaco desfaz-se. Espero que isto responda à tua pergunta. Não respondi realmente ao que perguntaste, pois não? [risos]
Não, mas abordaste outros tópicos muito interessantes. Como é que mudamos essa cultura? Eu tenho algo em mente — o facto de discutirmos mais frequentemente tópicos de saúde mental e reconhecermos que as pessoas necessitam de pausas de tempos em tempos, leva-nos a voltar a ver os artistas como pessoas. No TikTok, houve aquela situação da Halsey e da Florence Welch [para contexto, as artistas foram apenas duas das que usaram a plataforma para denunciar exigências de editoras relativamente a criação de conteúdo nas redes sociais]. Acho que essas coisas ajudam a mudar a cultura, mas ao mesmo tempo criam conteúdo e engajamento, por isso acaba por ser um ciclo infinito.
É difícil, porque ao mesmo tempo que tens pedidos de ajuda e pontos de vista genuínos e que realmente querem mudar, tens também pessoas que pensam “oh, isto gera reacções”, como disseste [risos]. Acho que é muito complicado falar disto, porque é um tópico bastante profundo e que não é apenas sobre música, estende-se a tudo. Acho que qualquer conversa é uma boa conversa e que todos devemos continuar a falar sobre todas estas coisas, ter compaixão e sermos compreensivos uns com os outros. Penso que as pessoas que ouvi nesta conversa são as que se sentam atrás da cortina e as que gerem estas corporações e grandes editoras. Eu já não estou numa grande editora. Estive 10 anos com uma e… eu não quero usar a minha plataforma para falar deles, porque já estou fora disso. Sinto-me incrível e continuo a fazer música; não sou amargo, sinto-me privilegiado e sortudo, mas segundo a minha experiência com eles, há muitos problemas.
Aquele ponto em que a arte encontra o negócio será sempre difícil, mas o meu conselho para jovens artistas é que, em 2022, não precisas de assinar com grandes editoras e tens autonomia total. Há problemas com streaming, problemas com o TikTok e Instagram, mas a coisa maravilhosa é que podes falar directamente com a tua audiência agora. Quando eu comecei na música, não podias. Ainda tinhas os guardiões dos portões, as pessoas que levavam as canções para a rádio e acordos de vão de escada… estamos realmente a afastar-nos disso e, por mais que o TikTok seja pouco saudável e que os serviços de streaming tenham de pagar melhor aos compositores, está a melhorar.
Acho que foi o Sam Fender que saiu da estrada porque estava cansado, alguns artistas têm sido muito vocais sobre o facto de se sentirem esgotados… acho que isso é fenomenal — não o facto de eles estarem esgotados, mas que este seja um processo normal e que as pessoas apoiem isso.
Tens algum projecto de sonho? Tipo explorar algum género novo ou alguma colaboração…
Neste último álbum que está prestes a sair, colaborei com uma artista chamada Manshen Lo e ela é uma ilustradora incrível. O treino dela vem de desenho chinês e foi uma experiência muito boa colaborarmos, ela fez cinco filmes para este álbum. Eu interesso-me realmente pela música e pelos visuais. Muitas vezes, o meu processo é fazer a música e passar tempo a decidir quais deveriam ser os visuais para a mesma. Adoraria fazer um álbum baseado em cinema ou um projecto audiovisual de maior escala. Adoraria compor uma banda sonora, esse sempre foi um sonho meu. Mas honestamente, e isto pode soar leviano, estou incrivelmente satisfeito por apenas escrever canções e fazer álbuns. Penso sempre em fazer uma pausa, mas depois fico logo com desejo de escrever canções e desfruto muito disso, é muito satisfatório e desafiante para mim.
O que é que o público português pode esperar do teu próximo concerto em Lisboa? Como é a tua relação com o público de cá?
Bom, eu sou obcecado por Lisboa. Adoro Lisboa. A minha namorada e eu fomos de férias para lá durante uma semana e apaixonámo-nos pela cidade, por isso estou muito ansioso por voltar. Em termos da minha relação com o público português, não sei como é. gosto de Lisboa, não sei se eles gostam de mim [risos]. Quem sabe? Acho que o recinto é muito bonito. Estou entusiasmado por tocar lá, porque vi fotografias e parece ser muito bonito. A banda tocará comigo também, o que é bom. Será o último espectáculo da tour, por isso será muito bom. Não sei, comprem um bilhete e venham! [risos]