És liberal e querem-te ultraliberal?
“És liberal e não sabias?” foi o tema de uma “sala” na recente clubhouse a que assisti durante cerca de uma hora. Fui parar à conversa primeiro por curiosidade e logo depois, porque o assunto suscita-me algum interesse. Entre o ouvir muito e ter decidido que neste debate não iria intervir, apercebi-me que toda a condução do mesmo estava a cargo de alguns dirigentes e militantes da Iniciativa Liberal. Nada contra e acho bem que um partido político explore melhor do que qualquer outro uma nova rede social que acaba por ser mais útil, aprofundada no debate e responsabilizadora de quem intervém. Até ver e pelas características desta, que refrescante é a ausência de ódio e das mais rocambolescas teorias da conspiração ou outras advindas desse novo movimento glorificador da estupidez e loucura global que é a Qanon.
Mas, regressando à terra e aos equívocos que a Iniciativa Liberal pretende fazer passar com o “és liberal e não sabias?”, quando o nome correto deveria ser algo como és liberal e queres passar a ser ultraliberal? Junta-te a nós. Porque é exatamente isso que é. Por mais que queiram continuar a passar-se como pioneiros de um suposto programa liberal, mesmo junto daqueles que votavam Bloco de Esquerda e agora votam IL. Uns porque acham piada aos seus cartazes criativos, outros incautos e ainda os tais que sempre foram apolíticos, ignorando que tanto o PS, PSD e CDS foram e são partidos com correntes liberais e que os primeiros até apresentam muitas políticas nesse sentido atualmente.
Não é raro que a IL no seu ultraliberalismo camuflado de liberalismo procure confundir algumas coisas essenciais desde que surgiu. A primeira delas é que o seu combate político deveria dar alguma primazia ao confronto com os verdadeiros iliberais tanto em Portugal como na Europa, coisa que raramente faz. Ou, pelo menos, levar em conta alguns fatores históricos e outros factos igualmente relevantes. Por exemplo, quando o propósito num Estado reformador e mais eficiente é levianamente trocado no discurso pelo de um mais pequeno ou mínimo. Para isso, ignoram os cerca de 800.000 funcionários públicos e o próprio contexto atual que indicia e faz crer um pouco por todo o Ocidente que essa é uma realidade que dificilmente fará sentido mudar.
Lembrar-se-ão por acaso estes dirigentes da IL antes das suas intervenções públicas que em proporção, o nosso país está abaixo da média de funcionários públicos na União Europeia? Que países como a Suécia, Dinamarca e Finlândia têm mais de 10% da população empregada a trabalhar para o Estado do que Portugal? Ou que a economia tem mesmo comandado a política nas últimas décadas, através de um modelo que se chama neoliberalismo e com o efeito que conhecemos pelo Ocidente? É no mínimo estranho que quem atira de forma constante números mais ou menos desvirtuados de um contexto completo ou de outras realidades, faça por ignorar estes tão relevantes.
A bem ou mal e para lá da questão sanitária, esta crise também veio demonstrar o quão dependentes países sem um tecido empresarial pujante ou endinheirado são dos próprios Estados e governos. Essa é a realidade portuguesa. Nela, deve caber um executivo reformador e com serviços públicos mais eficientes. Transversalmente. Coisa que atualmente nem se procura. O que já deixou de fazer sentido e é um problema para qualquer programa ou partido de iniciativa ultraliberal, é um Estado mínimo ou pouco interventivo.
Passaram cinco anos desde o surgimento da Iniciativa Liberal e por mais que se possa ter enganado algumas pessoas ao longo desse tempo, não se conseguirá continuar a fazê-lo com todas e durante muito mais.
Liberalizem-se, pá. Os ultras pouco crescem eleitoralmente em Portugal.