Estão em causa os votos de mais de 100 mil portugueses
Mais de 100 mil portugueses não poderão exercer o seu direito fundamental ao voto nas eleições presidenciais? Vamos fazer contas.
Em novembro de 2020 saiu a Lei Orgânica n.º 3/2020 de 11 de novembro, que estabelece um regime excecional e temporário de voto antecipado para os eleitores que, por força da pandemia da doença COVID-19, estejam em confinamento obrigatório, ou seja, aqueles que estão em isolamento profilático e que não se podem dirigir às assembleias de voto. Consta no seu artigo 3.º no ponto 2, alínea a. que:
“A medida de confinamento obrigatório deve ter sido decretada pelas autoridades competentes do Serviço Nacional de Saúde, até ao décimo dia anterior ao sufrágio e por um período que inviabilize a deslocação à assembleia de voto.”
Ora, o décimo dia anterior às eleições presidenciais é o dia 14 de janeiro. Depois dessa data, qualquer pessoa que teste positivo para a COVID-19 ou que entre em contacto com alguém infetado e assim o reporte ao SNS, está automaticamente impedido de votar.
Durante 10 dias, caso a média diária de 10 mil novos casos se prolongar até ao dia 24 de janeiro, é fácil de aferir que cerca de 100 mil portugueses ficarão impossibilitados de votar apenas por estarem infetados com a COVID-19, sem ter em conta aqueles que, por entrarem em contacto com alguém doente, se encontram igualmente em isolamento profilático.
Todos nós poderíamos ter chegado a esta conclusão mais cedo, 2 meses atrás, mas a verdade é que a falta de informação no que diz respeito ao intervalo dos 10 dias é exuberada. Eu pessoalmente só me confrontei com esta realidade quando, no dia 17 de janeiro, tentei submeter a minha inscrição para o voto antecipado para quem está em confinamento obrigatório, e a minha submissão dava erro. Acontece que vivo com uma pessoa que havia testado positivo exatamente nesse dia e, por tal, eu e a minha família já estávamos impedidos de votar e nem sabíamos. Na plataforma da Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI), onde se submete a inscrição para o voto antecipado em confinamento, não consta, em parte alguma, que “a medida de confinamento obrigatório deve ter sido decretada pelas autoridades competentes do Serviço Nacional de Saúde, até ao décimo dia anterior ao sufrágio”.
A omissão de informação por parte da SGMAI é grave, pois apenas declara que os eleitores que estejam em confinamento obrigatório podem-se inscrever para votar entre 14 a 17 de janeiro. Omitir que o devido confinamento tinha de ser declarado antes do dia 14, transmite, incorretamente, uma perceção de que qualquer pessoa confinada se poderá inscrever até ao final do dia 17. Por esta razão, não conseguia compreender qual era o erro que me impedia de submeter a inscrição. Só depois de ligar para a Comissão Nacional de Eleições (CNE), é que me foi esclarecida a situação, onde muito calmamente me comunicaram: “Não, a senhora este ano não vai poder votar”.
Contas finais. Se ficarem impedidos de votar, digamos, 150 mil cidadãos, tal representa 1,7% da população. Este número representa algo que até há pouco tempo seria considerado inadmissível, mas que hoje tem o pretexto de uma pandemia. Mas não é a pandemia que devemos culpar, mas sim a fraca estruturação presente nos procedimentos eleitorais que não teve em consideração todas as variantes. Será possível que a democracia esteja em perigo?
Crónica de Catarina Branco
A Catarina estuda Engenharia do Ambiente e é voluntária no grupo de acção social GASNova.