Estes debates não nos servem
Em 2020, o jornal norte-americano New York Times lançou um podcast chamado Rabbit Hole, no qual acaba por concluir que os algoritmos do YouTube estão construídos de forma a levar-nos a vídeos de extrema-direita. Isto é, se deixarmos a plataforma a correr vídeos autonomamente através da reprodução automática, tardará pouco até estarmos a ver um conteúdo de cariz extremista. O desenho deste algoritmo baseia-se numa ideia simples de explicar: quanto mais barulhento, violento, apelativo às emoções for um vídeo, mais provável será que o vejamos. Mas não é só no tenebroso mundo da internet que sofremos efeitos destes, ao que parece.
Em plena época de debates pré-eleições legislativas, as televisões montaram uma parafernália ao redor do momento nevrálgico do País: ao longo de duas semanas, diariamente, os partidos com assento parlamentar encontram-se para discussões mano a mano, com o objectivo de dissecar o respectivo programa eleitoral e encontrar soluções para o futuro do País. Bom, em teoria, seria isto que deveria acontecer. Mas não é.
Na verdade, as televisões não montaram programas de informação. Montaram espectáculos de arena. Passo a explicar o modelo: dois líderes partidários sentam-se à mesma mesa, na companhia de um moderador. O moderador lança perguntas a cada um, que responde como se estivesse no seu próprio tempo de antena. No rodapé, há um cronómetro para que se perceba quanto tempo falou cada líder. Conversa entre os líderes? Quase nenhuma. Tempo útil para cada candidato? Pouco mais de dez minutos. Provavelmente, estes modelos andam a reboque da política norte-americana, que se transformou numa arte circense de ataque entre duas barricadas, mas é risível a ideia de ter debates de meia hora, com o tempo todo contadinho, para falar de assuntos que exigiriam muito mais tempo do que aquele que nos é dado pelas televisões. Desafio qualquer um dos leitores a explicar as suas próprias soluções para a Saúde, a Educação, a Segurança e a Habitação em dez minutos a partir de… agora!
Isto não é política — é entretenimento. Mais bizarro ainda é o facto de, depois dos debates, haver painéis de comentário que levam horas a escrutinar os dez minutos de fala de cada líder partidário, o que nos leva a pensar que, afinal, há tempo — só não há vontade. Ironicamente, estas são as pessoas que, em momentos não-eleitorais, lamentam que a democracia esteja nas ruas da amargura e que não se encontre uma solução para a nação.
Mas o formato dos debates eleitorais não é um problema — é um sintoma. Isto porque a política deixou de ser um lugar de diálogo para encontrar soluções. A política é um Benfica v Sporting no qual a audiência torce pelas suas cores enquanto aperta bem os tampões nos ouvidos. É uma olimpíada da gritaria, do soundbyte e da frase que dá uma boa parangona. E, neste campeonato da alta performance do berreiro, já sabemos quem ganha.
Tenho uma proposta: vamos imaginar que o País é uma empresa. A empresa convoca sete líderes de departamento para enfrentar uma desgraça iminente. Os sete líderes entram na sala, mas têm apenas dois minutos cada para defender a sua perspectiva. E, mesmo assim, todo o tempo é gasto com gritaria e lançamento de um“facho!” e um “comuna!” de um lado para o outro. O resultado desta reunião urgente é fácil de antecipar.
Chamem-me idoso, mas tenho pena que as nossas televisões não tenham coragem de tentar transformar a democracia. Que não se combata a ditadura dos horários da telenovela. Ainda acalento o sonho de, um dia, ver debates como o mítico Soares v Cunhal de 6 de Novembro de 1975. Diz a Wikipedia que este encontro durou três horas, quarenta minutos e cinquenta e dois segundos, e eu acredito. Porque só este tempo permite a reflexão, a escuta e a dedicação que uma democracia merece.