Estudo. A profissão artística aos olhos da sociedade portuguesa
Enquanto estudante e amante de música, sempre ouvi muitos comentários do tipo “Continua a estudar que isso da música não dá nada”. Contudo, quando as pessoas que diziam isso viam algo relacionado com arte, ficavam impressionadas. Isto era algo que me fazia alguma confusão. Assim, comecei a pensar que as pessoas não viam a arte como uma profissão mas sim como um passatempo, achavam que ser artista é só para sortudos ou ricos, tinham um certo grau de superioridade para com os artistas e eram preconceituosas para com os mesmos. Por isso, quando surgiu a oportunidade de fazer um trabalho sobre a forma como a sociedade portuguesa vê a profissão artística, na disciplina de Sociologia, agarrei-a sem hesitar. Queria perceber se o que eu pensava era verdade.
Após muita pesquisa de vários artigos e trabalhos sobre o tema, consegui tirar algumas conclusões. No que toca às artes, ter um curso superior nesta área não significa acesso a um trabalho e a um salário melhor. Mesmo que um artista seja capaz de mostrar o seu talento e unicidade apenas alguns chegam a um ponto de prestígio. 66% dos artistas vivem numa situação de precariedade. A atual situação de pandemia veio agravar esta realidade, pois fez com que muitos músicos tivessem os seus espetáculos de verão cancelados, o que, para alguns, seria a sua única fonte de rendimento. Assim, os profissionais desta área iriam querer agarrar todas as oportunidades de trabalho independentemente das condições. Todos estes fatores iriam influenciar a decisão dos jovens na hora de escolher um curso superior e, segundo o site da Pordata, de 385.247 matriculados, em 2019, apenas 40.346 matricularam-se em Artes e Humanidades. Contudo, apesar destes dados desanimadores, os portugueses são fortemente favoráveis ao aumento do Orçamento de Estado para a cultura, com mais de 80% a inclinar-se nesse sentido, e sobre a necessidade das empresas investirem mais na cultura nacional (93%). Muito provavelmente toda esta informação seria suficiente para mim, mas não passava de conhecimento teórico feito por outrem. Na minha cabeça, para este trabalho ser credível, eu precisava de algo que o comprovasse na prática, ou não.
Para tal, elaborei um inquérito online para conseguir chegar a um maior e mais diversificado número de pessoas sem nunca comprometer o seu anonimato. Algumas das perguntas colocadas foram: “Como a sociedade vê a arte”; “A perceção que os indivíduos que não são artistas têm sobre os mesmos”; “Opiniões dos artistas sobre a forma como estes sentiam que a sociedade portuguesa os considerava”. Foram inquiridos 156 indivíduos, dos quais 154 responderam que não eram artistas na sua atividade principal e 87 assumiram-se como artistas. O resultado pode parecer confuso mas tem uma explicação: a grande maioria dos artistas tem outro trabalho para além da sua arte, tanto que, quando foram perguntadas as profissões, apenas 5 indivíduos é que disseram sê-lo exclusivamente (4 músicos, 1 galerista). No tópico “A perceção que os indivíduos que não são artistas têm sobre os artistas”, mais de 90% dos inquiridos disseram que gostavam de arte, que a achavam importante para a sociedade e que estes precisavam de mais apoios. Contudo, quando perguntei que tipos de conteúdo mais consumiam, 64,1% responderam maioritariamente gratuito e 11,5% apenas gratuito. Quanto a eventos artísticos, 48,7% disseram que iam poucas vezes e 19,9% raramente. Na minha opinião, a atitude dos inquiridos é contraditória, pois, ao consumir conteúdo pago e ao ir a eventos artísticos, estão a ajudar o artista em questão. Contudo, face à pergunta “Porquê?”, grande parte das respostas foram falta de dinheiro e tempo, o preço elevado desses conteúdos e dos bilhetes para os eventos e o facto de haver redes sociais e plataformas de streaming que fazem com que os indivíduos possam aceder ao conteúdo dos artistas de forma gratuita.
Na parte da “Opinião dos artistas”, 50,6% dos artistas, sejam aqueles que exercem a profissão exclusivamente, em tempo parcial ou ocasionalmente, dizem não terem dificuldades financeiras mas podiam estar melhor. 63,9% não têm formação na área das artes, 67,1% têm uma formação que não é ligada à arte e, para a formação que tiraram, 50,7% não sentem que deviam estar melhor na carreira, sendo que 49,3% dizem o contrário. Na sua grande maioria, os artistas nunca se sentiram discriminados por o serem. 87,7% não se arrependem de o serem pois fazem aquilo que gostam.
Quando se deparam com a questão “Imagine que conhece alguém que quer ser artista. Que conselho lhe daria?”, muitas respostas foram de apoio, força, muitos até aconselharam a formar-se noutra área para além da arte, de modo a ter um plano B, e até a sair de Portugal. Contudo, o conselho mais marcante foi “Independentemente das dificuldades em ser artista dentro das fronteiras do nosso país, é necessário continuar a investir, nem que seja como um hobby, e ter outra formação para nunca perder o lado artístico. Quiçá num futuro próximo os artistas possam ser mais valorizados, dados os protestos que se começam a fazer sentir na esfera cultural e artística.”
Após a análise de todos estes dados consegui concluir que a sociedade portuguesa tem uma boa imagem dos artistas chegando mesmo a admirá-los devido ao seu esforço e coragem e que está disposta a apoiar ainda mais a arte em Portugal. Também descobri que temos artistas felizes com o seu trabalho mas à procura de melhores condições e mais estabilidade de modo a poderem-se dedicar a 100% à sua arte.
A pesquisa prática confirmou a pesquisa teórica e veio desmentir algumas ideias iniciais que eu tinha. Assim, percebi que a sociedade portuguesa vê a arte como algo importante, embora precise de melhores condições para a apoiar.
Artigo e estudo de Filipe Afonso.
Este texto é o resultado de um trabalho no âmbito da disciplina de Sociologia, do curso científico-humanístico de Ciências Socioeconómicas, sobre a maneira como a profissão artística é vista pela sociedade portuguesa, após largos meses de pesquisa, quer de conhecimento teórico quer de conhecimento prático. Este artigo resume o trabalho e dá destaque às informações mais importantes.