Evereste. O “mais alto” mercado do mundo

por Diogo Senra Rodeiro,    12 Junho, 2019
Evereste. O “mais alto” mercado do mundo
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A maior montanha do Mundo tornou-se bem recentemente o Mercado mais inóspito que existe. O que deve captar o olho não se prende com o facto de o Monte Evereste ser inóspito, porque o é, mas com o facto de ter passado a ser uma commodity (um bem que é trocado, comercializado num mercado).

A comodificação (commodification) de um bem é algo recorrente em sociedades capitalistas, algo ao qual estamos (demasiado) bem habituados. Mas para estas atravessamos a rua e vamos a um mini-mercado comprá-las. Quer o seu alcance quer o seu preço ditam que a sua procura é média, ou até mesmo baixa, sendo que o contrário indica que a procura é elevada. Na montanha mais alta no planeta Terra, esta procura elevada já causa mortes.

“Claro, estes malucos arriscam-se e depois acontece…” – seria esta a reação de todos os membros da minha família ou de qualquer círculo mais próximo no qual me encontro, já para não falar do café do bairro, contudo esta mesma capacidade de análise profunda e detalhada já não me cativa. Adicionalmente, isto supõe então que o cliente detém em sua posse todo o tipo de informação sobre o que pode acontecer em 8848 metros embora a única coisa que realmente possui seja dinheiro. Os efeitos psicológicos do dinheiro aqui surgem de uma forma cabalmente ridícula – dos dois lados, cliente e prestador de serviços. A racionalidade dos humanos não é olímpica (cf. Herbert Simon).

Por ser a única verdadeira força global, sendo o dinheiro a única dimensão na qual realmente se investe, as pessoas que têm dinheiro, e que querem acrescentar à sua conta de Instagram a sua última e “árdua” conquista – embora os Himalaias sejam uma hercúlea exceção – podem fazê-lo facilmente; ao tentarem subir o Evereste sem experiência prévia em nenhuma outra montanha das mais altas do Mundo ou sequer algumas das montanhas contíguas a esta terem sido primeiramente exploradas. A consequência pode ser vista no trânsito (até me sinto mal ao utilizar esta palavra aqui) até ao cume, que já resultou em 7 mortes mais desaparecimentos esta Primavera, ou seja 10 pessoas no total.

O Governo do Nepal certamente como um país que-nós-cá-sabemos, dependente do turismo massivo que recebe durante todo o ano, sendo politico-economicamente estrangulado de um lado pela Índia, e do outro pela China, tem de se fazer a contas com o máximo que puder. E é por isso que esta temporada de emissão de vistos tem sido bastante frutífera – 381 só este ano. Com este número são acrescentados staff e os famosos xerpas (cerca de 600 no total da ascensão), que ajudam – mas não podem sacrificar as suas vidas – os novos “donos temporários” da montanha. No passado 23 de maio houve 250 montanhistas a caminho do topo, com apenas 5 dos em teoria 59 membros da equipa de expedição a estarem presentes, que são facultados pelas empresas, recebendo um salário mas optando por ficar em casa.

Tshering Pande Bhote, vice-presidente da Nepal National Mountain Guides Association disse à BBC que “infelizmente” a competição presente nas agências de viagens “é por volume e não quantidade”. Esta frase representa não só a comodificação como a padronização do Mundo num mercado, onde todos os mercados são iguais, onde os clientes não possuem nunca nenhum filtro ou capacidade de refletir sobre eventuais benefícios de uma ação (princípio da utilidade máxima? Será que esta escala mudou para metros?) e onde quem vende um serviço não se importa com nada mais senão a expressa manifestação de gerar mais lucro – afinal as vidas humanas têm um custo.

Ao observar as conclusões, elas não são distintas das da nossa realidade. Todos os dias a prioritização do dinheiro como valor máximo da vida leva todos os dias a mortes diretas por receio de não-pagamento de dívidas, pressões sociais por colegas/amigos, e a desaparecimentos também, por estas ou outras razões – a Dívida como princípio regulador do quotidiano.

O problema não está em escalar este monte. A exclusão da racionalidade, no processo de aquisição ou troca de um bem, não nos consegue fazer chegar perto de nenhum desígnio melhor, nem mesmo que este meça 8848 metros de altitude, porque se este expoente máximo da natureza pode ele ser comprado, então o resto do Mundo também, alguns pensam. Embora a sua função não seja a de ser suscetível a ser comprado. A aquisição ou utilização, acima da capacidade, de espaços mundiais por meras quantias monetárias também não devem acontecer.

O espaço designado ao Capitalismo é a cidade, não a natureza. O resto do Mundo já está (em vias de ser) comprado, a par de todas as dimensões do dia-a-dia para aqueles que não-têm-dinheiro.

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