Exposição antológica de Carla Filipe em Serralves e a história do modernismo em Portugal

por Lusa,    23 Março, 2023
Exposição antológica de Carla Filipe em Serralves e a história do modernismo em Portugal
Fotografia de Estúdio Carla Filipe
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A exposição “In my own language I am independente” abarca 22 anos de trabalho da artista multidisciplinar Carla Felipe, que conta a história do modernismo em Portugal, e que é hoje inaugurada em Serralves, no Porto.

“In my own language I am independente” arranca de imediato no ‘hall’ (átrio) do museu de Serralves com a obra “Memorial ao Vagão Fantasma (2011), que retrata a histórica greve dos trabalhadores dos caminhos de ferro em 1919 pela luta dos direitos laborais. 

As bandeiras suspensas no átrio, que compõem a obra “Memorial ao Vagão Fantasma”, foram elaboradas a partir de cartazes sindicais do período pós-25 de Abril de 1974, “ampliando uma narrativa reivindicativa dos direitos laborais e sociais”, lê-se no dossiê de imprensa entregue hoje aos jornalistas, durante a visita de imprensa, que contou com a presença de Carla Filipe, 50 anos, artista multidisciplinar e autora de uma obra que “questiona a relação permeável entre objetos de arte, cultura popular e ativismo”.

É mesmo a estrutura do século XX. Temos A República, temos o pós 25 de Abril, o fascismo. Definirmos a nossa obra perante o público pode ser um bocadinho pretensioso e plafentário, mas é mesmo uma exposição que quer que as pessoas comecem a pensar mais sobre a estrutura do contexto político e histórico para compreender também o sítio onde estão atualmente. E acredito que quem entre não sai de forma igual”, explicou à agencia Lusa Carla Filipe.

Esta exposição — cujo título é retirado de uma inscrição da própria artista numa imagem do seu arquivo fotográfico, que mistura o idioma inglês e o português, característica recorrente na obra de Carla Filipe —, reúne muito trabalho que a artista não via há anos e, talvez por esse facto, a artista confessa que vai talvez ser a “visitante mais assídua” da sua exposição.

Tenho finalmente a possibilidade de voltar a conviver com este trabalho e relembrar-me de factos que não me lembro. É como se tivesse a ver um trabalho de outra pessoa”, declarou à Lusa Carla Filipe, à margem da visita de imprensa, considerando que olhar de novo para os 22 anos de trabalho está a ser “uma redescoberta”.

A exposição, que fica patente em Serralves até 10 de setembro e está espalhada por várias galerias do Museu, bem como no mezanino da Biblioteca e no terraço do restaurante de Serralves, aborda temáticas e formas tão diversas como as experiências pessoais da artista,

A exposição é composta por desenhos, instalações, cartolinas, esculturas, texto datilografado, colagens, pinturas com recurso à técnica de Rorschach (popularmente conhecido como teste do borrão de tinta) ou cartazes que reutilizam o grafismo de revistas de sátira política criadas no século XIX por Rafael Bordalo Pinheiro (Lanterna Mágica, Pontos nos iii, A Paródia) para a realidade portuguesa do século XXI e que se pode ver na obra da série “Bordas de Alguidar” (2011-2012). 

Ao longo da exposição é possível também ouvir a obra “Cartografia sonora”, uma peça captada em “field recording” na estação ferroviária do Entroncamento em 2014 e que envolve o visitante numa banda sonora especial. 

Na instalação “Ordem de Assalto” (2011-2020) , espalhada por um corredor, o visitante tem a oportunidade de sentir o cheiro de alimentos reais, como se estivesse numa mercearia real. Há pão, azeite, chouriços e queijos suspensos por redes de pesca, que compõem a obra.

Essa obra remete para a distribuição e o racionamento de bens alimentícios, ações de resposta a situações de grande pobreza, de precariedade e instabilidade social e foi concebida durante o período da ‘troika’, mas evoca as condições sociais e económicas precárias com que muitas famílias viviam em Portugal no início do século XX, mas que se pode encaixar na atualidade, revelando que as crises são cíclicas.

“o Povo Reunido , Jamais será – Representações gráficas (2009), onde se aborda a importância da consciência de grupo e das formas de organização coletiva, Escape from reality” (2015), “Paisagens Pedonais noturnas” (2020) ou “Celas” (2022) são outas obras de Carla Filipe que resultam da observação “atenta”, “perscrutadora” e “muitas vezes irónica do que a rodeia” e de um sistemático trabalho de recolha de dispositivos de comunicação (flyers, jornais, cartazes, folhetos), que foram depois intervencionados e reinterpretados.

Carla Filipe aborda conteúdos tão transversais quanto as noções de território, trabalho, propriedade, memória, identidade ou representação, que são os temas presentes na exposição antológica da artista organizada pela Fundação de Serralves, com curadoria de Marta Almeida. 

Carla Filipe nasceu em 1973, em Vila Nova da Barquinha, estudou na Escola de Belas Artes do Porto, foi cofundadora dos espaços Salão Olímpico (2003-05) e de O Projeto Apêndice (2006), ambos no Porto, recebeu uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian para uma residência nos Acme Studios, em Londres, e realizou residências na AIR Antwerpen (Antuérpia, Bélgica, 2014), na Robert Rauschenberg Foundation (Captiva, Florida, EUA 2015) e na Krinzinger Projekte (Viena, 2017). 

Confissões de uma batizada, com curadoria de João Mourão, nos Açores (2022), Hóspede, com curadoria de Marta Moreira de Almeida, em Nice, França (2022), ou Amanhã Não Há Arte, com curadoria de Luís Silva e João Mourão, em Lisboa (2019) fazem parte da lista de exposições individuais mais recentes de Carla Filipe.

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