Exposição “Urban [R]Evolution” mostra como a Arte Urbana evoluiu sem esquecer as raízes
As pinturas de Add Fuel e Shepard Fairey no exterior da Cordoaria Nacional, em Lisboa, denunciam uma exposição de Arte Urbana, mas em “Urban [R]Evolution” as obras extravasam, e muito, os ‘clássicos’ trabalhos feitos com latas de ‘spray’.
Muitas pessoas quando pensam em Arte Urbana, pensam automaticamente em ‘graffiti’ – pinturas de génese ilegal em paredes ou comboios. Na exposição “Urban [R]evolution”, que é inaugurada na quarta-feira, recorda-se que foi assim que tudo começou, mas demonstra-se que o movimento cresceu e hoje em dia as técnicas e os meios utilizados vão muito além de ‘rabiscos’ pintados a ‘spray’.
“Há uma história para contar sobre a evolução [da Arte Urbana]. Há muitas maneiras de contá-la, e esta é uma ótima maneira de fazê-lo: a primeira grande exposição de arte urbana em Portugal”, disse um dos curadores da mostra, Pedro Alonzo, em declarações à agência Lusa num dos dias de montagem de “Urban [R]evolution”, que reúne trabalhos de 18 artistas portugueses e estrangeiros.
Pedro Alonzo partilha a curadoria com Pauline Foessel, que em 2010 fundou a plataforma cultural Underdogs com Alexandre Farto (Vhils), um dos artistas urbanos portugueses de maior projeção internacional.
A equipa da Underdogs teve “sempre em mente fazer uma grande exposição em Lisboa”, com artistas com quem já tem trabalhado, mas também outros, “que são pioneiros no movimento”, recordou Pauline Foessel.
A Cordoaria Nacional acolheria a exposição, mas não seria permitido “tocar em nenhuma parede”. A solução foi criar 17 espaços individuais, cada um “como uma exposição a solo, para que cada um dos artistas tivesse um conceito”.
Os curadores pretendem que quem percorrer a Cordoaria Nacional, espaço a espaço, chegue ao fim e pense: “A essência do movimento está lá, mas eles também exploraram e estão a explorar agora tantas técnicas e meios diferentes”.
“A Arte Urbana começou com o ‘tagging’ [pintura do nome] e depois os comboios, mas já não é só pintura com ‘spray’ e era isso que queríamos mostrar. De facto há pouca pintura com recurso a ‘spray’ [na mostra] e era isso que queríamos mostrar, essa diversidade”, reforçou Pedro Alonzo.
Nos vários espaços, trabalhados por Shepard Fairey, André Saraiva, Vhils, Felipe Pantone, Jason Revok, Add Fuel, Wasted Rita, Tamara Alves, Nuno Viegas, AkaCorleone, ±MaisMenos±, Barry McGee, Futura, Lee Quiñones, Maya Hayuk, Obey SKTR e Swoon, há néones, pintura livre ou com recurso a ‘stencil’, colagem, paredes ‘escavadas’, instalações de vídeo, azulejos e peças em acrílico e madeira, entre outras técnicas e meios.
Pedro Alonzo salienta que todos estes artistas “se distinguem por quererem ter intencionalmente um público mais amplo, por terem um corpo de trabalho relacionável, que um grupo maior da população pode apreciar e entender”.
“A dada altura, o ‘graffiti’ torna-se tão obscuro como a arte contemporânea. É muito difícil de entender, muito difícil de decifrar. É feito por grupos de ‘writers’ em competição uns com os outros, e embora aconteça no espaço público, na verdade não é destinado ao público”, referiu.
O curador lembra que foram artistas como Lee Quiñones, de 62 anos, ou Futura, de 67, que “mudaram esse paradigma”.
“Há uma imagem de um comboio, que a Martha [Cooper] tirou em 1980, o primeiro comboio [pintado] totalmente abstrato. A assinatura do Futura [nesse comboio] passou de um grande nome no estilo de escrita de ‘graffiti’, para uma assinatura muito fina que foi quase como assinar uma tela”, contou.
Martha Cooper é a 18.ª artista de “Urban [R]Evolution”, convidada “por ter sido tão fundamental para todo o movimento”, e que funciona como “uma espécie de espinha dorsal da exposição”.
A ligar os 17 espaços, ao longo de toda a Cordoaria Nacional estão expostas imagens do seu arquivo, que inclui milhares de imagens que documentam a cultura ‘hip-hop’ (‘rap’, ‘graffiti’, ‘breakdance’ e ‘djing’), captadas a partir da década de 1970 em Nova Iorque, o ‘berço’ daquele movimento.
Através das imagens da fotógrafa de 80 anos, o público consegue “visualizar a progressão e a evolução” da Arte Urbana.
Mas as imagens mostram também “as péssimas condições de onde surgiram o ‘graffiti’, o ‘hip hop’ e o ‘break dance’, comunidades desestruturadas nos Estados Unidos, em Nova Iorque”, salientou Pedro Alonzo.
“É difícil imaginar a cidade de Nova Iorque devastada e com partes vazias, em escombros. Mas era exatamente assim. E temos algumas dessas imagens, que ela captou. Também crianças a brincar com lixo, a fazerem brinquedos com lixo e materiais que encontravam. E isto é muito importante, porque estas foram as condições das quais emergiu um dos movimentos de arte, mais populares de sempre”, lembrou o curador.
Na exposição há outros temas abordados pelos artistas, com Pedro Alonzo a destacar as obras da norte-americana Swoon e da norte-americana de origem ucraniana Maia Hayuk.
“O trabalho da Swoon é lidar com indivíduos, incluindo os seus pais, que lutaram contra o vício das drogas, num sistema como nos EUA, que penaliza e criminaliza fortemente a toxicodependência, ao contrário de Portugal que tem essa história incrível de sucesso de ter sido um dos piores países na Europa em termos de dependências, para agora ter os melhores resultados, com o programa de descriminalização do consumo”, disse.
Já Maya Hayuk decidiu “olhar para a guerra da Ucrânia”, enchendo o espaço que ocupa com “explosões de cor, enquanto ocorrem explosões na Ucrânia”.
“Há temas aqui que podem surpreender as pessoas”, salientou o curador.
Pauline Foessel destaca ainda na mostra “o diálogo entre os artistas internacionais e portugueses”, e “também entre gerações”.
Em declarações à Lusa, o artista português AkaCorleone falou no “surreal” que tem sido conhecer e trabalhar lado a lado com artistas “icónicos” que tanto admira e são referências para o seu trabalho, como Barry McGee, Martha Cooper ou Obey STKR.
O artista português também começou a pintar nas ruas, mas em “Urban [R]Evolution” optou por mostrar uma instalação imersiva, “que pretende dar a sensação de um espaço que uma pessoa visita, contempla”, com referências ao início do seu trabalho e identidade: o uso de cores primárias e a criação de cores complementares com recurso a transparências. A instalação inclui som ambiente, para ajudar na contemplação e reflexão de quem nele entrar.
E porque a Arte Urbana é efémera, no final da exposição, a obra de AkaCorleone não irá durar muito tempo.
“Tudo [o que foi criado para a exposição] vai desaparecer. São instalações temporárias”, disseram os curadores à Lusa.
“Urban [R]Evolution”, que junta a plataforma Underdogs e a promotora Everything is New, estará aberta todos dias, até 03 de dezembro, entre as 10:30 e as 19:30, havendo preços diferenciados durante os dias de semana e de fim de semana.
O bilhete base, para um adulto, custa 13 euros durante a semana e 15 euros ao fim-de-semana. Há descontos para crianças, estudantes, seniores, pessoas com mobilidade condicionada e há também ‘bilhetes-família’.