Fabrizio Cammarata: ‘Estou ansioso por tocar em Portugal, é um dos lugares mais poéticos do mundo’

por João Jacinto,    22 Novembro, 2017
Fabrizio Cammarata: ‘Estou ansioso por tocar em Portugal, é um dos lugares mais poéticos do mundo’

Desde de 2007 que, de Palermo, Itália, a música de Fabrizio Cammarata tem chegado ao resto do mundo. Com quatro álbuns no bolso e um EP, somos presenteados dez anos depois do primeiro com Of Shadows, o último álbum do Siciliano. A propósito do seu último EP In Your Hands, bem como do álbum Of Shadows, a Comunidade Cultura e Arte conversou com Cammarata. Discutiram-se as suas principais fontes de inspiração, onde afinal a literatura lusófona faz parte, bem como a sua vinda a Portugal num futuro próximo.

As quatro faixas do EP In Your Hands foram todas acompanhadas por vídeos bastante cinematográficos. Porquê fazê-lo? Que história pretendes contar através destes vídeos? Estão todos de algum modo conectados?

FC: Na realidade estão. Todas as minhas músicas nasceram de uma visão. Uma memória, uma cena, algo visual, desde do momento em que a crio. Assim, fazer determinados vídeos ou associar imagens às minhas músicas é como trazê-las novamente a casa, onde tudo começou. Sempre procurei ter colaborações muito próximas com os realizadores dos meus vídeos, eu considero-os parte da minha música, tento estar tanto quanto me é permitido envolvido na fazes criativas e estéticas da realização dos mesmos.

O teu novo álbum Of Shadows tem um som bastante melancólico, foi uma escolha consciente?

FC: Eu não faço muitas escolhas conscientes relativamente ao meu último álbum. É um snap-shot de um momento, e o que realmente faço é aproveitar esse processo. Eu acredito que tenho tido este álbum no meu coração à vários anos. Cresceu, modificou-se e possivelmente eu não estava 100% consciente disto. Então no dia um de Janeiro ficou tudo claro, tudo de uma vez.

A música Naked For You é bastante violenta e parece dar-nos uma pequena ideia da tua relação com os media, confirma-se este entendimento?

FC: É uma música sobre o sentimento de estar completamente despido enquanto todos os outros estão vestidos. Ou como ser a única pessoa com visão num mundo de cegos, tal como no romance de Saramago “ Ensaio sobre a Cegueira”, foi esta a minha inspiração para a faixa. É um sonho comum e recorrente, e não é só sobre os media, penso que é mais pessoal, é sobre o momento em que entendes que deste demasiado à pessoa que mais amaste. Despiste a tua própria alma e ela vendou aquela “nude” por alguns trocos.

Consideras-te um viajante. Como é que isto afetou a tua música,mais concretamente o álbum Of Shadows?

FC: Eu inspiro-me e sou influenciado por todos os tipos de música, e viajar tem muito a ver com isso. Atuar em tantos países diferentes também me permite encarar diferentes entendimentos da vida, beleza e arte. Isto é tão enriquecedor, e todas as músicas em Of Shadows ecoa esta incapacidade de estar parado. Algumas músicas são parisienses, outras tem um ADN mediterrâneo e outras precisam da areia do deserto para se sentirem em casa.

A nona música do álbum, Hold Me Now Still, Night é bastante diferente das restantes. Parece um mantra e um interlúdio. Alguma inspiração específica para esta faixa?

FC: Todo o álbum foi concebido como um eclipse total da alma. Uma sombra é o que nos conhecimento sobre a Terra, o Sol e a Lua durante eclipses. Do mesmo modo, um eclipse dentro de nós tem que nos oferecer uma oportunidade de entender melhor os nossos medos, desejos a nossa escuridão e a nossa luz. “Naked for you” é provavelmente a fase mais negra do processo, ao passo que “Hold Me Now, Still Night” é o momento em que começas a ver a luz de novo. A minha principal inspiração para este tipo de sentimento foi o conceito “dark night of the soul” de San Juan De La Cruz, um poeta do século XVI.

A música final de Of Shadows, Mi Vida, tem claramente uma inspiração hispânica.  Está esta relacionada com as tuas viagens?

FC: Sim, e simultaneamente com o lugar a que chamo casa, Sicília. Eu adoro o modo como as pessoas te chamam “mi vida” na América Latina, porque costumávamos usar a mesma expressão na Sicília “ vita mia”. É o modo como que referes à tua cara metade, à tua mãe, aos teus filhos e soa tão bem. Tal como outras das minhas músicas, eu quis manter a ambiguidade nesta: Estará ele a cantar sobre a namorada? Ou sobre a filha?

Já realizaste a primeira parte dos concertos de uma multitude de artistas, qual destes tens melhores memórias? O que aprendeste com estas pessoas?

FC: Abrir para Ben Harper, Patti Smith, Iron and Wine e muitos outros tem sido um desafio excitante e eu nunca esquecerei as palavras amáveis que tive deles. Mas talvez o momento mais alto foi conhecer Damien Rice algumas vezes e tocar-lhe as músicas novas que tinha acabado de escrever. Ele foi tão importante para mim, quando comecei a escrever músicas. Foi um sonho tornado realidade conseguir estar com ele de colega para colega.

O que mais te impressiona nas tradições hispânicas, e de onde vem o teu fascínio por Chavela Vargas?

FC: A voz dela. O poder xamânico e catártico do seu canto. Na minha vida, há um antes e um depois de conhecer a voz de Chavela Vargas. Eu tento transcender-me quando atuo, é como um ritual, um processo muito espiritual, onde peço ao publico que olhe para as minhas sombras e reconheça algumas das suas.

Tu vives e trabalhas em Palermo, Itália. Pensas que de algum modo isto pode condicionar a projeção internacional do teu trabalho?

FC: Não. Apenas me enriquece. Palermo é vida e morte, amor e ódio, velho e novo, é uma luta constante, como um organismo próprio. Está vivo. Eu preciso de sentir que Palermo é a minha casa, mesmo quando estou longe durante meses. É como Ítaca para Ulisses, uma fonte infinita de inspiração, se alguém encontrar algo interessante ou especial no meu trabalho, é devido a eu viver em Palermo. Relativamente à logística, eu atuo a solo e viajo essencialmente na Europa na América do Norte, deste modo não faz diferença de onde parto, eu tenho sempre que apanhar um avião…

Haverá um concerto em Portugal num futuro próximo?

FC: Estamos a trabalhar nisso, no próximo ano de certeza. E eu estou ansioso, porque é um dos lugares mais poéticos do mundo.

 

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