“Factfulness”: o mundo não está assim tão mal, diz Hans Rosling

por Mário Rufino,    24 Setembro, 2019
“Factfulness”: o mundo não está assim tão mal, diz Hans Rosling
Hans Rosling / Fotografia de Zerokonferansen (2012)
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Corremos sob um omnipresente mal-estar nas nossas vidas. Estamos envolvidos – assim pensamos – por uma crescente deterioração das condições sociais. A segurança é menor, as doenças são cada vez mais e piores, há miséria em muitas partes do mundo, as democracias caem carunchosas, destruímos o planeta e as drogas abundam entre os frutos da geração do século XX. Estamos no mau caminho. Ligamos a televisão e as nossas ideias encontram reforço nas notícias: atentados, incêndios, aquecimento global, etc. Tudo o que é informação, ou seja, tudo o que forma a nossa percepção da realidade alimenta o mal-estar. As redes sociais formam bolhas onde o consumidor encontra eco das suas inquietações. Devido a isto, quando chega um autor como Hans Rosling (Uppsala, 1948 –2017), a pergunta é imediata:

Como é que ele se atreve a ser tão positivo?
Rosling, em colaboração com Ola Rosling e Anna Rosling Ronnlund, contraria o pensamento embutido, já assimilado e a que já nos conformámos. Tanto optimismo chega a ser irritante. “Factfulness” (Temas e Debates) é um desmantelamento em dez passos da nossa errada percepção do mundo. Para a família Rosling, as coisas estão melhor do que pensamos.

“Factfulness”, de Hans Rosling, foi um dos livros favoritos de Bill Gates em 2018

Argumentando como se estivesse numa Ted Talk ou numa palestra para empresas, o autor vai desmantelando o nosso mau humor e instalando uma nova e mais suave realidade. Mas, afinal, andei maldisposto porquê?, haveremos de perguntar.

Não há grande necessidade disso, parece afirmar Hans Rosling. Temos, “simplesmente”, de contrariar os nossos instintos. Dez, para ser mais exacto: o instinto de fosso, o de negatividade, o de linha de reta, de medo, de tamanho, de generalização, de destino, de perspetiva única, de culpa, e o instinto de urgência. Seremos mais conscientes da realidade e, em consequência, mais optimistas.
“Factfulness” partilha as conclusões a que o autor chegou depois de anos e anos a tentar ensinar uma visão do mundo baseada em factos e a ouvir quem estava nas suas conferências. O resultado é uma nova forma de apreender o mundo. E não foi fácil. O próprio cérebro do ser humano está formatado para dramatizar a realidade. São milhões de anos de evolução.

Tudo começa com a informação. Temos muita informação, mas temo-la parcial ou errada. Tomamos posições com base na subjectividade e na oposição entre elementos. E sabemos como o ser humano gosta de dicotomizar. Há ricos e pobres, bons e maus, heróis e vilões. Os jornalistas também sabem isto, obviamente. Em consequência, “estabelecem as suas narrativas como conflitos entre duas pessoas, opiniões ou grupos opostos. Preferem histórias de extrema pobreza e bilionários a histórias sobre a grande maioria das pessoas que se arrastam lentamente em direcção a vidas melhores. Os jornalistas são contadores de histórias.”

Capa do livro

Nós, consumidores, selecionamos entre o que já foi selecionado. Provavelmente memorizamos o mais dramático entre as informações que nos foram apresentadas. Formar a nossa visão do mundo baseando-nos somente na comunicação social seria, para o autor, como formar uma opinião a seu respeito olhando somente para o pé.
“Claro que o meu pé faz parte de mim, mas é uma parte bastante feia. Tenho partes melhores”.

Há uma via para clarificar a nebulosidade imposta pelo pessimismo. É a via dos factos. Só assim se pode perseguir, capturar e substituir as concepções erradas.
Temos de demonstrar a realidade por trás deles, afirma Rosling.

É esse o objectivo do seu trabalho. Para o atingir, o autor divide o nível de rendimento em quatro.
São estes quatro níveis que reúnem “todos os tipos de coisas, desde o terrorismo à educação sexual.” Funciona como um jogo de computador. O objectivo é passar do nível 1 para o 2 até chegar ao 4. De nível em nível, de século em século, podemos ver melhorias substanciais em aspectos que damos como os piores. Há menos mortes em quedas de aviões, há menos mortes em desastres, menos armas nucleares, menos destruição de ozono, menos fome, menos mortes de crianças, menos partículas de fumo; mais colheitas, mais pessoas com água, maior imunização, mais democracia.

Há melhores dados para conseguirmos combater os nossos instintos de medo e negatividade. E quando temos medo, não vemos com clareza.
Hans Rosling comporta-se como se estivesse a instruir o leitor. E está. A estrutura de uma Ted Talk ou de uma conferência como as que deu no IKEA ou na Coca-Cola é transposta para formato livro.

Explicações claras e muitos gráficos registam o factual optimismo do autor.
É “um guia indispensável para pensar claramente acerca do mundo”, afirmou Bill Gates. Seja como for, o leitor sai de bem com o mundo e consigo. Afinal, nem tudo está mal. Para manter essa atitude positiva, basta não ver televisão, não ler jornais, não ouvir rádio, nem ouvir as conversas de café ou de transportes públicos. Deixe o Facebook e o Twitter. Se conseguir fazer isso, vai tudo correr bem.
Ou não.

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