Francesco Totti: O último Imperador de Roma
Um homem e a sua cidade. Na vida, como tantas vezes na arte, os dois se confundem: Manoel de Oliveira e o Porto; a Nova Iorque de Woody Allen; Fiódor Dostoiévski e São Petersburgo; Federico Fellini e Roma. Todos os artistas têm a sua musa.
A devoção e dedicação a uma só causa, a uma só paixão. Um símbolo vivo e a fidelidade de um 10 que nos pés sempre levou consigo a vontade e identidade de um povo. Um dos últimos grandes românticos do futebol. O último imperador romano: Francesco Totti.
O mítico jogador italiano celebra esta terça-feira 40 anos numa semana que iniciou com outro número redondo alcançado: 250. 250 golos com Rómulo e Remo ao peito daquele que é já uma lenda tão intrínseca à cidade como a dos dois irmãos amamentados pela loba. 250 golos que o tornam no segundo jogador da história do Calcio a chegar à marca, somente atrás de Silvio Piola e os seus 274 golos marcados entre 1929 e 1954.
Dos quarenta anos, mais de metade foram passados no clube da capital italiana onde cumpre a sua 25ª época (tendo conseguido a proeza de marcar em todas elas). Recordista de presença em dérbies romanos, de golos através da marcação de penaltis, Totti é também o mais velho a marcar um golo na Liga dos Campeões (ultrapassando Ryan Giggs, outro dos históricos), e campeão do Mundo em 2006. O currículo não precisa de ser meticulosamente transcrito pois falha ao não apontar as suas principais características: o carácter e a genialidade.
É o primeiro a entrar em campo e o último a sair. Os festejos são com os adeptos (para a posteridade ficará certamente a sua selfie tirada com os mesmos), o seu exército, aqueles que com ele, época após época, seja ela negativa ou positiva, continuam ao seu lado, e ele ao lado deles, em campo ou na bancada, a sofrer de fora. E é por isso que ele é il re di Roma. Porque um rei não vira a cara ao seu povo, antes se mantém ao seu lado. Um rei não desiste e continua com os seus porque é dessa fibra que se fazem os líderes. Francesco Totti é o orgulho de uma cidade, o menino que a mesma viu nascer e se tornar realeza num trono mítico como o Olímpico. E porque é isso que vai faltando ao futebol hoje em dia: identidade, compromisso e entrega a uma só causa. Amor incondicional.
O antigo Calcio que apaixonou milhões por este desporto já não é o que era. Gianluigi Buffon, Roberto Baggio, Alessandro Del Piero, Alessandro Nesta, Andrea Pirlo, Christian Vieri, Filippo Inzaghi, Francesco Toldo, Fabio Cannavaro, Pavel Nedved, Roberto Di Natale, Gianluca Zambrotta, Javier Zanetti, Gabriel Batistuta. Uma geração de jogadores excepccionais, mas símbolos de uma cidade? É diferente. Porventura só Paolo Maldini e Francesco Totti que, como afirma Bernardo Pires de Lima hoje no Expresso, alcançaram esse estatuto sendo “absolutamente vitais na transmissão entre gerações daquilo que é mais importante à sobrevivência e perpetuação de um grande clube – uma identidade própria, uma cultura singular, uma mística popular personalizada.”
E é por essa mesma mística popular ser a única certeza inabalável num desporto movido cada vez mais pelos milhões e cada vez menos pela paixão dos seus intervenientes, que continuamos, fim de semana após fim de semana, a torcer por Francesco Totti. Um símbolo que apaixona os adeptos e recolhe a sua simpatia, independentemente do clube que apoiam, pois os mesmos reconhecem a fidelidade de quem recusou época após época propostas muito mais favoráveis nos aspectos financeiros e desportivos para defender o seu clube. O amor é assim, tem destas manias, e Totti nunca abandonou o seu.
Para trás ficam as palavras de senhores como Giovanni Trappatoni ou Marcello Lippi (seu treinador aquando da vitória no Mundial em 2006) a seu respeito. Um “mágico”, um “génio” (numa altura em que não se banalizava a palavra. Por este Mundo multiplicam-se os parabéns. De Messi a Gerrard, de Maldini ao seu parceiro e sub-capitão de já longa data na AS Roma, Danielle De Rossi. O Futebol, quando é de alto nível, também é uma arte, e é por causa de homens como Totti que a camisola 10 tem tanta mística. A magia e a liderança numa só pessoa, neste que é um dos principais artistas da história do Desporto.
Auguri Capitano!