Fred Again..: a sensibilidade tem forma humana
Nunca tive grande relação com música eletrónica. Não sei distinguir entre house, trance, techno e todas as restantes ramificações. Sou muito ignorante sobre a grande maioria das coisas da vida e particularmente sobre esta.
Em quase 28 anos de vida, sempre fui muito conservador sobre o que ouvia e sobre o que me deixava consumir artisticamente. Cresci na Margem Sul e fui alimentado por música de intervenção, Adriana Calcanhoto e hip-hop tuga. Para mim, música eletrónica era batucada que se ouvia em festas às quais eu escolhia não ir.
Demorei muito tempo a entender que o mais importante em toda a obra artística está em quem a recebe e não propriamente no seu criador. Quando me apercebi que tudo pode e deve ser passível de escrutínio artístico e que estava disponível para isso mesmo, a minha vida mudou. Se isto pode estar diretamente relacionado com o aparecimento de Fred Again.. na minha vida? É muito provável.
Isto não é um texto sobre energias e dicas isotéricas. Isto é uma ode a um artista que consegue canalizar todas as emoções humanas em tudo o que faz. O maior elogio que consigo fazer a Frederick Gibson é a capacidade que tem de aproximar e tornar acessível o seu estado de espírito e nós fazermos com isso o que quisermos. Há poucas coisas mais inspiradoras e humildes do que isto.
Esta facilidade e vontade de transcendência artística é rara e absolutamente fascinante. Não chega dizer que queremos muito que a nossa criação seja apreciada por todos, de forma independente e subjetiva. Sabemos bem que, para a maioria dos artistas, o ego não permite que isto se desenrole desta forma. No caso de Fred Again.., o que sentimos é precisamente o contrário: o seu objeto artístico só faz sentido se cada um se permitir a sentir o que quiser, sem reservas. E esta realidade ganha proporções absurdas ao vivo.
Demorei cinco parágrafos para dizer que estive, finalmente, a oportunidade de vê-lo no Primavera Sound Porto e que entrou com toda a naturalidade para a lista de experiências mais bonitas e completas que vivi em quase três décadas completas de vida. Existem inúmeras explicações para isto, sendo que muitas delas ainda não as digeri, nem maturei como sei que devia. Não é simples articular em palavras a experiência de passar por todas as emoções humanas num set de pouco mais de uma hora e perceber que estou a partilhar a mesma vivência com milhares de pessoas, de todas as zonas do mundo, de diferentes gerações e com experiências de vida completamente diferentes. Se não é esta a finalidade de todo e qualquer tipo de arte, então o que é que andamos cá a fazer? Se a catárse coletiva não é a experiência humana mais profunda e completa que existe, então qual é?
Este não é um texto que procura explicar o que se passou no palco secundário do Parque da Cidade do Porto. Seria impossível tentar explicar a razão pela qual o dilúvio, que se viveu nos primeiros dois dias do festival, terminou imediatamente quando se ouviram os primeiros segundos da Kyle (I Found You). Seria impossível tentar explicar o extâse coletivo quando se ouviu a voz de Frank Ocean na mítica Chanel. Seria impossível tentar explicar os arrepios na nuca quando acompanhámos Fred Again.. ao piano e a belíssima voz de Angie McMahon a dizer-nos que temos andado perdidos mas que estamos todos a tentar. Seria impossível explicar que a sensibilidade tem forma humana, é pálido, veste fatos de treino da Nike e usa o seu instinto e honestidade artística para nos mostrar que não estamos sozinhos.
We see you, Fred.