“Galileu Em Pádua”: os dezoito melhores anos da vida de Galileu Galilei, por Alessandro de Angelis

por José Malta,    28 Março, 2023
“Galileu Em Pádua”: os dezoito melhores anos da vida de Galileu Galilei, por Alessandro de Angelis
“Galileu Em Pádua”, por Alessandro de Angelis (ed. Gradiva)
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“Galileu em Pádua – Os dezoito melhores anos da minha vida”, é uma obra publicada pela Gradiva em Janeiro de 2023, no âmbito da colecção Ciência Aberta. Escrita por Alessandro de Angelis, professor de Física Experimental na Universidade de Pádua e também no Instituto Superior Técnico em Lisboa, este livro mostra um lado menos conhecido e até controverso de uma das mais ilustres figuras da ciência de toda a história: Galileu Galilei. Através da análise minuciosa de cartas, documentos históricos, e pequenas passagens que ficaram conservadas até hoje, Alessandro de Angelis constrói uma narrativa que nos leva a uma ainda não existente Itália, formada por repúblicas, reinos e ducados. Começando no final do século XVI e terminando no início do século XVII, a acção decorre essencialmente na República de Veneza, na qual se encontra a cidade de Pádua, embora outras passagens de Galileu pelas diferentes regiões e cidades estejam também descritas. Trata-se até mesmo de um romance que nos conta a vida de Galileu em Pádua, com uma forte componente real que chega a transcender para uma narrativa quase ditada pelo próprio. São apresentados relatos desde a sua chegada a Pádua, vindo de Pisa, até à sua partida para Florença.

Em Pisa, cidade onde nasceu e cresceu, Galileu começa por estudar medicina por pressão do seu pai Vincenzo, músico e teórico musical, curso pelo qual mostrou sempre pouco interesse, nunca chegando a licenciar-se. Um pequeno poema grosseiro contra os professores custou-lhe a renovação do contrato na Universidade, onde teve uma posição como leitor. Já em Bolonha, candidatou-se, mas mentiu sobre o seu currículo e foi excluído. Tal não impediu que, com apenas 28 anos, conseguisse ascender à cátedra de Matemática da Universidade de Pádua, uma das mais prestigiadas de todo o mundo. Contudo, por detrás de tal feito e de uma carreira científica vista como promissora, outras vertentes são dadas a conhecer neste livro. Galileu enverga por uma vida boémia ao beber demasiado, frequentar bordeis, ao adoptar uma postura algo irreverente, pela qual ganhou também uma certa fama.

O livro aborda assim a ascensão de Galileu Galilei enquanto um dos mais carismáticos e importantes professores da Universidade de Pádua, com passagens marcantes durante este seu percurso. O seu sucesso é acompanhado também da sua grande amizade com Giovanni Francesco Sagredo, um matemático natural de Veneza. Galileu e Sagredo acabam por formar uma dupla semelhante a Sherlock Holmes e Dr. Watson, tendo grandes aventuras e peripécias, algumas delas até algo embaraçosas. Mais do que conselheiro, Sagredo acaba por contribuir nos estudos de pedras magnéticas e também na construção do primeiro telescópio de Galileu, sendo uma entidade absolutamente determinante nesta história. Porém, para além de Sagredo, outras personagens próximas de Galileu também vão emergindo, nesta viagem a uma época inspiradora, embora distante do nosso tempo.

É também nesta aventura que conhece Marina Gamba, com quem tem duas filhas, Virginia e Livia, e um filho, Vincenzo, que herdou o nome do pai de Galileu, seu avô. As cartas que vai trocando com colegas, amigos e até com a família, mais precisamente com a mãe e irmãos, vão dando corpo a uma história cronologicamente bem delineada. São incluídas outras correspondências com outros matemáticos, físicos e astrónomos da época como Johannes Kepler, Tycho Brahe, Paolo Sarpi, que tiveram uma enorme influência na evolução do pensamento científico da época. Nestas cartas são muitas vezes discutidos alguns problemas da física e da matemática, como a queda dos graves, a mecânica dos corpos ou os fundamentos dos modelos geocêntricos e heliocêntrico defendidos por Ptolomeu e Copérnico, respectivamente. Galileu acaba também por trocar correspondência com os grandes governantes da época e com a ilustre família Médici de Florença.

As dificuldades económicas que Galileu enfrentou fizeram com que envergasse por caminhos que não eram de todo lineares, perante uma época bastante diferente da nossa, onde encontramos uma sociedade bastante distinta quer do ponto de vista social e político. Galileu tinha que ajudar a família, sustentar os filhos e não seria fácil conjugar tudo isto com o seu baixo salário. Ficamos a saber que o próprio começou por ser perseguido pela Igreja por fazer horóscopos que premeditavam o futuro das pessoas, sendo este um dos seus passatempos preferidos da altura. Galileu conta com amigos e até com altos membros da Universidade, prontos para o defender até às últimas circunstâncias. Porém, fará também algumas inimizades com algumas personagens que, entretanto, surgem, algo que também faz parte do sucesso.

Foi também em Pádua que Galileu escreveu a sua famosa obra Sidereus Nuncius (O Mensageiro das Estrelas), onde relata as suas primeiras observações com o seu telescópio, que no livro aparece sob o termo cannocchiale, revelando novas observações astronómicas como as montanhas na Lua e as manchas no Sol. Conseguiu ainda observar os satélites de Júpiter que se moviam em torno deste planeta, observações essas que permitiram em parte sustentar o modelo heliocêntrico defendido por Copérnico, de que a Terra girava a volta do Sol, ao contrário do modelo geocêntrico, de origem Ptolemaica e Aristotélica, impingido pela Igreja Católica durante vários anos. O livro apresenta alguns dos esboços feitos por Galileu relativos a Sidereus Nuncius, e todo o retrato do seu sucesso, desta que foi uma obra altamente revolucionária e que viria a colocar Galileu novamente em apuros pois, mais uma vez, os pressupostos apresentados opunham-se aos dogmas da Igreja.

Alessandro de Angelis consegue recriar um Galileu original, com vertentes até à dada pouco conhecidas, num livro que consegue criar uma narrativa através da interligação de relatos reais. Galileu Galilei, uma das personagens mais icónicas e carismáticas da ciência, apresenta-se genuinamente nesta obra que, para além de ser um grande romance histórico é também um romance científico que retrata aqueles que foram, segundo o próprio, os melhores dezoito anos da sua vida. Em pleno século XXI, numa altura em que o progresso científico e tecnológico se apresenta com largos avanços, não podemos esquecer os cientistas que alicerçaram o conhecimento científico que temos nos dias de hoje. E é assim que, ao regressarmos a Pádua entre 1582 e 1610, conseguimos reviver os dezoito anos mais intensos e criativos de uma das personagens mais ilustres e audazes que a ciência e a humanidade alguma vez teve: Galileu Galilei.  

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