Género neutro – o que é?

por Cláudia Lucas Chéu,    14 Dezembro, 2020
Género neutro – o que é?
Cláudia Lucas Chéu / Fotografia de Vitorino Coragem
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Há uns anos, o Facebook (Brasil) acrescentou ao espaço destinado à identificação do usuário dezassete novas opções de género, além do masculino e feminino. Nos Estados Unidos são mais de cinquenta. A lista inclui cross gender, sem género e ainda uma alternativa para personalizar a resposta. Se para os adolescentes da era digital o normal é ser-se diferente, para as gerações mais antigas esta questão pode ser um pouco confusa. Para quem nunca pensou nisto, o importante é perceber-se que existe diversidade no que diz respeito ao género. 

Nas últimas décadas, a discussão destas temáticas tem tido consequências extraordinárias. Falamos de mudanças efectivas na vida das pessoas. Até 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificava a homossexualidade como distúrbio mental – embora seja importante distinguir que a orientação sexual não é o mesmo que assunção de género. O que é de assinalar nestas questões é a conquista da liberdade individual. Foram dados passos de Gulliver; tudo isto é novo na História.

O fim do modelo binário e a geração Z

O termo queer é uma apropriação da gíria inglesa que significa “estranho”, “esquisito”, e que originariamente era usado para referir pejorativamente os homossexuais. Celebrada pela geração Z, a teoria sustenta que a sexualidade é fluida e que as preferências nesse campo podem ir mudando ao longo da vida. Para Sam Bourcier, professor da Universidade de Lille, em França, o modelo binário (dois sexos, dois géneros) acabou. Bourcier é um dos mais respeitados porta-vozes da chamada teoria queer. Nasceu com o género biológico feminino, mas não se identifica com nenhum género, razão pela qual se rebaptizou com um nome masculino, que apresenta juntamente com o original, Marie-Hélène. “Há muitas outras possibilidades de género e sexo além daquelas que foram apontadas no nascimento”, diz Bourcier.


A moda e o género neutro

“Ungendered” é o nome da coleção da marca Zara, com peças de género neutro – roupa criada para raparigas, rapazes e para quem não se identifica com nenhum dos géneros. A iniciativa da marca espanhola surge depois de outras terem feito o mesmo. A Selfridges lançou a campanha “Agender” em Março do ano passado e a Reebok usou o mesmo modelo em meados de 2015. Tudo leva a crer que a distinção das secções homem/mulher na indústria do prêt-à-porter estará condenada num futuro próximo. 

O reconhecimento do terceiro género no mundo

Há já alguns anos que a Índia reconheceu o terceiro sexo; a Austrália passou a não exigir o preenchimento do género de forma binária e criou o género indefinido nos seus formulários – estes acontecimentos levaram à discussão sobre a aceitação da identidade de género individual. Já na Suécia, um pronome neutro, utilizado pela comunidade transexual do país desde a década de 60, foi incluído na revisão do dicionário oficial em 2015. Segundo as novas normas da língua sueca, revistas a cada década, hen faz a mesma função de han (ela) e hon (ele). O termo já é encontrado na imprensa, em decisões judiciais e até em livros, como forma de abrandar a importância do género nos pronomes pessoais. Em Portugal, apesar de estarmos em 6.º lugar no grupo dos países que mais respeitam os direitos das pessoas LGBTI, a nível mundial, a assunção do género neutro do ponto de vista social e legal ainda não foi aceite. A Associação ILGA Portugal propõe que se aprove o género neutro, de forma a permitir que os cidadãos escolham se querem ou não ser identificados como homem ou mulher. 

Do ponto de vista etimológico, parece impossível que pedir o direito à neutralidade de género possa criar movimentos de impedimento e/ou censura. Recusar neutralidade, seja em que domínio for, parece um paradoxo. Talvez seja o equivalente a proibir o cidadão de votar em branco ou como lhe apetecer. Estamos a falar de um direito.

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