God save the King
1977. Ano da graça do Punk. Os Sex Pistols invadem os aposentos da Rainha e roubam-lhe o Jubileu. God Save The Queen é uma blasfémia. O título subverte o hino nacional inglês e ao segundo verso espeta um “The fascist regime” como um punhal nas costas. A BBC bane o single, assim como alguns dos grandes retalhistas mas nem isso o impede de chegar ao segundo lugar da tabela inglesa de vendas, e ao primeiro do top do NME, assim como da Virgin. A provocação à monarquia é a dinamite. A reacção colectiva a explosão que os Sex Pistols precisam para concretizar o grande golpe de Malcolm McClaren. Está achado o hino universal do punk.
1977, ano da reforma da política espanhola que permitiu as primeiras eleições democráticas. Duas primaveras depois do fim da ditadura franquista. Parece impossível como, em 2021, uma das conquistas fundamentais é perseguida, julgada e sentenciada, sem desassombro nem pudor. Uma série sem ficção, um filme sem argumento, uma obra hiper-realista de um tempo em que o se dava por adquirido volta a ser posto em causa. Enquanto Pablo Hasél é condenado a nove meses de prisão por apelidar o Rei Juan Carlos de “chefe de máfia”, no espaço criativo de uma canção e por comentários que “lesam a dignidade do Rei emérito e apoucam a sua fama” no espaço comunicacional de uma rede social, o Twitter, Sua Majestade anda fugida à justiça por um alegado caso de corrupção em que terá recebido uma oferta de 100 milhões de dólares da Casa Real Saudita através de uma fundação na Suíça. É o leão a abocanhar a presa, como numa selva sem lei.
O ministério da Justiça espanhol já prometeu alterações “para que apenas se castiguem condutas que suponham claramente um risco para a ordem pública ou a provocação de algum tipo de conduta violenta, com penas dissuasórias mas não privativas da liberdade”, mas o que é certo é que o rapper Pablo Hásel foi condenado. E nem sequer é caso virgem. Um outro MC catalão, Valtonyc, foi condenado a três anos de prisão por delito de opinião, em 2018, mas no dia anterior ao encarceramento, fugiu para a Bélgica, onde se exilou. Foi a primeira condenação por crimes deste tipo desde o fim da ditadura, em 1977.
São demasiados precedentes reabertos. Demasiadas feridas que se julgavam saradas, reavivadas agora pela justiça espanhola através de uma punição que visa proteger uma monarquia decrépita e decadente, incapaz de conviver com o legítimo escrutínio popular. Podemos romantizar o caso e adivinhar o óbvio. Pablo Hásel já ganhou o seu lugar na história mas temos de permanecer vigilantes antes que os Sex Pistols voltem a ter razão. No future/No future for you…