Godard e o estado do cinema
As últimas semanas foram abaladas com a morte do famoso realizador da Nouvelle Vague francesa, Jean-Luc Godard. Para mim, a sua morte, neste momento em que vivemos, no estado em que o Cinema chegou, chega a ser interpretado de uma forma quase semiótica. Como se significasse algo. Um statement.
Godard foi um dos cineastas mais influentes e característicos da Nouvelle Vague, ao lado de nomes como: François Truffaut, Alain Resnais, Claude Chabrol, Agnès Varda, Jacques Rivette, Chris Marker e Eric Rohmer. Este foi um movimento artístico contestatário dos próprios anos 60, onde os realizadores, no fundo, transgrediam as regras do chamado “cinema comercial”. Ou seja, basicamente, criticavam, através das suas obras, a intransigência da narrativa cinematográfica de então, através do amoralismo presente nos diálogos e de uma montagem inesperada, original, sem recorrer, literalmente, à linearidade narrativa. «A história deve ter um começo, um meio e um fim, mas não necessariamente nessa ordem», (Godard).
No fundo, é um cinema que não é simples de ver, ou mesmo, claro. Mas, de acordo com o próprio Godard: «No Cinema somos treinados através dos filmes norte-americanos a pensar que temos de compreender tudo de imediato. Mas isso não é possível. Quando comemos uma batata, não entendemos cada átomo da batata!». Ele, e muitos como ele, lutaram contra essas regras. E venceram. Criaram um género que depois serviu de inspiração, mesmo para muitos realizadores norte-americanos como: Robert Altman, Francis Ford Coppola, Brian De Palma, Martin Scorsese e George Lucas. E vivemos momentos gloriosos com este Cinema. Histórias que nos marcaram durante décadas. Apaixonantes.
No entanto, hoje, estamos a assistir ao retrocesso. A voltar ao início. À rigidez da narrativa, «para ser de mais fácil consumo». Poucos são aqueles que querem saber de um Cinema que não apresente tudo à primeira garfada. Que seja necessário demorar nele e ser quase impossível de respirar. Que nos faça pensar nele durante meses a fio enquanto tentamos absorver aquela história que nos marcou. Agora tudo é fast-food. Rápido. Já não há tempo para sair de casa, sentar numa sala de cinema e depois falar sobre o que se viu ou, simplesmente, ficar sozinho/a a absorver. Não há tempo.
Muitas vezes sinto que a sala de Cinema foi trocada por um ecrã de computador e que as histórias singulares foram substituídas por uma «fórmula» que já se sabe que «vai vender». Mas um ecrã de computador não consegue substituir o efeito que uma sala pode ter. E não estamos já fartos das “mesmas histórias de sempre”?
Cinema, afinal, é o quê? Arte ou capitalismo? Qual dos dois nos faz crescer, pensar? Godard disse: «Eu nunca iria ver um bom filme pela primeira vez na televisão». Tendo em conta que poucos voltaram às salas de cinema depois da pandemia, significa que agora todos os filmes são maus? Ou que já não temos “paciência” para pensar?
Esta crónica foi originalmente publicada no Jornal de Leiria, tendo sido aqui publicada com a devida autorização.