Gosto de encontros noturnos, mas não gosto de encontros noturnos
Numa noite dessas que por aí vão passando, há sempre espaço para copos em cima da mesa e muitas gargalhadas. Enquanto há convívios com bebida servida, a amizade cresce e o mundo ganha vida nas mais diferentes e variadas paisagens.
Gosto de encontros noturnos, mas não gosto de encontros noturnos. A contradição está à vista, mas tem uma explicação, que procurarei desenvolver nestas linhas que escrevo.
Na minha opinião, o facto de convidarmos e sermos convidados é um ato muito nobre entre pessoas. É o reconhecimento de que valorizamos a presença do nosso amigo, que fazemos questão que esteja presente no momento que procuramos agendar. Assim, após a aceitação, chega o momento de, juntamente com outros amigos, nos juntarmos à volta da mesa e conversarmos. Sobre quê? Ninguém sabe, mas é essa anarquia de pensamentos e diálogos que torna a coisa bonita. Falamos porque queremos dialogar, porque gostamos de ouvir a outra pessoa, porque o mundo é aquele momento, naquela noite, à volta da mesa.
Gosto dos momentos caseiros. Não há nada como a cumplicidade que uma casa entrega a este tipo de momentos. Aí, todas as cadeiras são nossas, a música que se ouve é escolhida por nós e estamos apenas com quem queremos, sem ruídos sonoros incomodativos. A beleza das pequenas coisas encontra-se aqui, nesta conversa que surgiu apenas porque a amizade nos consegue proporcionar momentos tão prazerosos como este.
Contudo, o relógio infelizmente não para e, enquanto as questões mais importantes da humanidade foram discutidas, sejam elas quais forem, chega o momento de sair de casa e seguir para onde se encontra o resto da civilização. E aí sou sincero, fico genuinamente triste.
Ao caminharmos para onde o resto do mundo já fervilha energia, vai-se vendo de tudo um pouco: pessoas que cantam felizes com uma garrafa na mão, conhecidos que nos acenam e desconhecidos que também decidiram disfrutar da noite.
Entre conversas e deslocações interrompidas, chega a fatídica decisão: entrar na discoteca. E não há nada que mais me incomode do que entrar neste tipo de recintos. Logo à entrada, a pré-seleção existente, como se uns fossem mais que outros apenas pelo sexo que possuem. É assim na noite e é assim na vida. Infelizmente, nem só ter mérito de sermos nós próprios nos dá garantias. A sociedade ainda não percebeu que, nas oportunidades, devemos ser todos iguais, independentemente do género. Mas este não é o momento para discutir o tema.
Quando não nos fazemos acompanhar por mulheres, a entrada é sempre mais demorada. Ora, eu que já não gosto da ideia de estar dentro da discoteca, tenho de acatar este tipo de decisões das quais sou totalmente contra. No entanto, esse não é ainda o pior dos males. O mal está quando se entra. As músicas não têm qualquer tipo de conteúdo e qualidade. O espaço para colocar os meus dois pés é precário. Para além disso existe sempre a presença de indivíduos que, no calor do álcool que lhes vai subindo até ao cérebro, se julgam os novos e melhores lutadores que o país já conheceu. Admito, raramente consigo disfrutar destes momentos. Aguento, mas com algum sacrifício. Aguardo pacificamente o tempo que considero necessário e, à primeira oportunidade, retiro-me para casa.
Quando chego a casa, visto o pijama e instalo-me confortavelmente na minha cama. Lá não há ruídos, nem música que incomoda, nem atletas de luta livre. Ali existo eu, a minha calma e uma almofada. Deito-me contente porque, naquela noite, tive a oportunidade de conversar com quem gosto, e sorrio. Há beleza em tudo isto. E eu, feliz, adormeço.
Texto de Bernardo Oliveira
Por vezes caminho com Fernando Pessoa, noutras sento-me com Saramago. Nos escritos, solto um olhar em Miguel Esteves Cardoso, enquanto Ricardo Araújo Pereira me vai segredando ao ouvido. Relaxado, vou-me alegrando com Salvador Sobral. Tudo isto enquanto a História que estudo vai lentamente prosseguindo. Eu só desfruto disto.