Há 10 anos, os Vampire Weekend ensinavam-nos uma nova alegria
A melhor parte das visitas de estudo, quando andava na escola secundária, era sem dúvida as longas viagens de autocarro. Aquelas quase seis horas na estrada – com ida e volta – passavam-se em amena cavaqueira, quase sempre com um auricular no ouvido, a partilhar músicas e memórias. Nunca mais me esqueço de trocar o meu velho – e ainda funcional – iPod Nano de quarta geração com o Nokia 5310 XpressMusic de uma amiga, apenas por um bocadinho, para explorar a biblioteca musical de cada um. Numa rápida passagem, um nome chama-me a atenção: Vampire Weekend. O meu único contacto com a banda havia sido com o seu nome algures, assim como o de uma faixa (“A-Punk”), e pensar que aquilo provavelmente seria demasiado agressivo para mim – pedia que ignorassem a falha de julgamento do meu eu de 14 anos. No entanto, para estar no telemóvel da minha amiga, tinha de ser bom (de nada, Ana).
A partir desse dia, procurei em muitas outras canções aquilo que encontrei pela primeira vez, de forma tão marcante, no álbum homónimo da banda: uma alegria natural, inerente à música. Recorri a este álbum em diferentes estados de espírito, pois é uma obra que se alimenta de emoções. Na felicidade, recebe-a e redobra-a, num eterno feedback positivo – ouça-se “M79”, cujo violino já me arrancou milhares de sorrisos de orelha a orelha – e, ao invés de aniquilar a tristeza, encontra a alegria em tudo, incluindo estar triste. A banda não se coíbe de usar melodias subjugadas à sua carga emotiva, o que torna as suas intenções evidentes. No entanto, isso não limita as canções; aliás, fá-las prosperar. Para além da já referida “M79”, a nostalgia instigada pela maravilhosa “The Kids Don’t Stand a Chance” é pouco subtil, mas, em toda a sua doçura melódica, torna-se realmente eficaz.
Por milhares de vezes, olhei para a capa do CD e tentei completar a imagem com a minha imaginação: as feições que se estendem para lá daquela meia testa que caminha em direcção à câmara; um pavimento de madeira cheio de nódoas de vinho, que precisa desesperadamente de ser encerado; a vista de um campus verdejante imerso no breu da noite, através da janela. Posso fazer isto, porque o álbum me convida a fazê-lo; a música é tão convidativa que me impele a, mais do que ouvi-la, deixar-me envolver por ela e tentar ligar-me a todos os detalhes que a envolvem. Quantas vezes não me imaginei num Cape Cod tropical, abanando as ancas e mãos ao ritmo da kwassa kwassa?
Talvez seja a aparente simplicidade das canções, construídas à volta de melodias orelhudas e ritmos intensos e compactos, que faz com que seja fácil ouvir e apreciá-las. O que as torna então tão especiais? Claro que cada um tem os seus próprios motivos, mais ou menos pessoais; mas há realmente qualquer coisa que se destaca na música de Vampire Weekend. As letras cheias de referências intrincadas eram realmente diferentes de qualquer outra coisa no panorama musical da altura; e ainda hoje não há muitas canções a referir telhados em mansarda, vírgulas de Oxford, o passo Khyber ou outras coisas afim. No entanto, mais do que isso, é a entrega apaixonada de Ezra Koenig que, sem medo de desafinar ou esganiçar a sua voz, nos imprime a sua visão detalhada com convicção. Mesmo que não saibamos exactamente do que ele fala, transpomos a sua emoção para a nossa própria vida e cantamos mimos como “Walcott” a plenos pulmões.
Dez anos se passaram e é impossível não considerar este álbum como uma pedrada no charco da música indie. A sua influência é palpável, e não apenas em termos sónicos, mas também em termos de ética criativa. Vampire Weekend é uma ode à experimentação; a tomar riscos de uma forma tão confiante, que uma banda de quatro jovens com origem no seio da Ivy League consegue fazer até as suas desavergonhadas inclusões de influências musicais africanas soarem honestas, naturais e inteiramente suas. Os Vampire Weekend contribuíram para um choque de culturas, para experiências com misturas de estilos que vieram abanar a música dos anos 2000. Outras bandas o fizeram – mas poucas chegaram tão longe – e é também certo que houve muitas comparações com bandas como os The Feelies, ou com o seminal álbum de Paul Simon, Graceland, mas o tempo trouxe algo que de outra forma não teríamos: a confirmação de que a banda criou um som que vai além das suas influências, e uma obra absolutamente característica e definitiva – mais impressionante ainda quando consideramos que foi assim que se apresentaram ao público pela primeira vez.
Por estes motivos e mais alguns, regressar a este álbum – após uma ausência prolongada dos sistemas de som – carrega em si uma sensação de familiaridade, assim como rever um amigo próximo ao fim de um longo período de tempo. Claro que, no reencontro, sabemos como é especial, mesmo que não tenhamos pensado muito nele durante esse tempo de distância; mas, acima de tudo, sentimos repentinamente a sua existência carregada de uma certa intemporalidade, de uma presença ubíqua nas nossas vidas; como se sempre lá tivesse estado, e como se sempre o pudesse ter feito. Há uma certa beleza nessa epifania, mas o mais belo é poder apaixonar-me novamente pela guitarra soalheira de “Oxford Comma”.
Há dez anos, os Vampire Weekend ensinavam ao mundo uma nova forma de alegria. Uma que me permite sentir as lágrimas a formar-se nos meus olhos enquanto ouço a última canção e escrevo este último parágrafo, e ficar feliz por isso acontecer. Sabe bem partilhar esta sentida e modesta homenagem a um dos álbuns da minha vida com outros que também o consideram especial; mas não há melhor forma de o celebrar que ouvi-lo.