Hand Habits, genuína e minimalista, na Zé dos Bois
Com o calor que Julho trouxe, as quartas à noite são já momentos de alguma agitação na capital portuguesa. Sai-se à rua porque apetece uma imperial ou um branco fresquinho, e fica-se em amena cavaqueira até às tantas. Mas, por vezes, surge uma quarta-feira que quebra a rotina; e, esperando-o ou não, esta foi uma dessas quartas. Meg Duff – Hand Habits – estreou-se a solo na Galeria Zé dos Bois / ZDB, e apresentou temas que nos transportaram para longe dos efémeros e joviais prazeres de noites de copos à esplanada: com a sua calma de ser, pacificidade vocal, e acima de tudo plenitude na guitarra. À semelhança de Cyrus Gengras, que abriu a noite, Duff toca na banda de Kevin Morby, tendo sido dessa forma no passado Paredes de Coura que tivemos o primeiro vislumbre da sua mestria enquanto guitarrista – os seus solos não passaram despercebidos a ninguém.
Enquanto Hand Habits, Duff lançou no início deste ano “Wildly Idle (Humble Before the Void)”, e, continuando a tocar com Kevin Morby (que está em tour e veio a Portugal para atuar no SBSR) tem usufruído da oportunidade de apresentar o seu álbum a solo em algumas cidades europeias. Lisboa foi felizarda, pois “Widly Idle” é um álbum extremamente rico, melódica e ritmicamente; e podermos experienciar a mistura de folk, rock e até blues que as suas canções expressam no setting da ZDB é algo que temos de agradecer.
Tanto Gengras como Duff começaram os seus sets acompanhados do baterista Nick Kinsey – também da banda de Morby – e terminaram a solo, só acompanhados da guitarra, em palco. O género de música feito pelos três é semelhante, e sente-se claramente a admiração que uns têm pelos outros: com Gengras a pedir a companhia de Meg em algumas canções, e Meg a aclamar o trabalho de Kinsey na secção rítmica de “When the Devil’s Loose”, álbum de A. A. Bondi, passando daí para um cover da “Oh the Vampyre” do mesmo artista. Este companheirismo, acomodação e partilha foram constantes ao longo da noite, com a gratidão a ser um sentimento celebrado entre os artistas e a audiência.
Com metade da plateia sentada e a outra metade de pé, Gengras, cuja música não era particularmente conhecida do público, tocou-nos temas próprios, naquele que foi o seu primeiro concerto europeu a solo de sempre. A voz algo nasalada e a delicadeza com as cordas não passaram despercebidas, algo que também já havíamos presenciado quando atuou ao lado de Jessica Pratt, há quase dois anos, nesta mesma casa. Foi a abertura perfeita.
Hand Habits ecoou durante o tempo que tocou, com os efeitos na Stratocaster em contínua alteração, e a reverberação a ser a constante etérea da atuação, dinamizada pelas percussões de Kinsey, como aconteceu em “Actress”. Destacou-se “A Book on How to Change”, talvez a melhor música do álbum; traduzindo-se em paz de espirito, induziu interiorização e introspeção, com o tremolo a levar-nos para um Wild West desconhecido. O mesmo efeito teve “Sun Beholds Me”, quase perto do fim do set, cuja nostalgia perpetuou o mood criado, com a tristeza das palavras a ser combatida pelo riff aberto aos três quartos da música. Num encore final, Meg voltou; e, após pedir uns segundos de silêncio para todos podermos absorver o momento, tocou “All the While”. Uma guitarra soou a três, realçando cada uma fases da música de forma diferente; o solo a tornar uma melodia que na sua base não era incomum, em algo otherworldly.
Justifica-se claramente que não houvessem já CDs para venda, que esgotaram ao longo da tour; pois a concretização do álbum ao vivo, especialmente de forma tão minimalista, permite ao ouvinte compreender a música de um modo mais genuíno. Nesta quarta-feira em que outros beberam copos incontáveis no restante airro Alto, conseguimos, resguardados por quatro paredes nesse mesmo bairro, celebrar as multitudes da música e fazer desta normal noite da semana algo mais significativo para nós.